domingo, 25 de dezembro de 2016

[0014] Mais outros três tipos de labirinto

Labirinto com percursos assinalados à moderna

A partir da grande-seta de entrada, procurar chegar à grande-seta de saída, sempre seguindo o prolongamento de uma seta-pequena (usar uma régua para isso) até à seta seguinte.

Labirinto de France de Ranchin, reproduzido de «Nouveaux Labyrinthes»

Labirinto que revela uma figura conhecida

Pintar todos os caminhos acessíveis a partir da entrada: de quem se trata?

Labirinto de P. Fassier, sobre fotografia de P. Halsman, reproduzido do nº 25 de «Jeux & Stratégie»

Labirinto que usa conceitos matemáticos

Partir do «50» (à esquerda).
Procurar a única casa contígua (ou para a esquerda, ou para a direita, ou para cima, ou para baixo - nunca em diagonal) com um seu «múltiplo».
Depois procurar a única casa contígua que tem um «submúltiplo» do novo número.
E assim sucessivamente, alternando «múltiplo» com «submúltiplo», até chegar ao «2» (à direita)
Só existe um caminho.

Labirinto de Pedro Esteves


Uma ligação dos labirintos à Matemática

Os labirintos podem ser representados geometricamente como um conjunto de pontos (onde se cruzam os seus corredores) e por um conjunto de segmentos de recta (os corredores) que ligam alguns pares daqueles pontos. A possibilidade de, partindo de um ponto X chegar a um ponto Y, equivale à existência de pelo menos um percurso que vá de X a Y passando por uma sucessão de corredores e de cruzamentos pertencentes àqueles conjuntos. É viável estudar essa possibilidade através de algoritmos desenvolvidos pela Matemática.


Consultar: Trakhenbrot (1975; sobretudo pp. 112-122)

[0013] Interesse pedagógico dos Labirintos

Um labirinto pode ser encarado como um Quebra-cabeças.


Duas origens históricas para os labirintos

Os labirintos são um símbolo para os desafios que todos temos de enfrentar. Talvez por isso a ideia de labirinto esteve presente no desenvolvimento de numerosas civilizações.

É célebre a história de Teseu, herói da mitologia grega: para não se perder no labirinto onde iria defrontar o Minotauro, usou como apoio um fio de lã que a sua amada Ariane lhe deu. Esta história está evocada num mosaico de origem romana, em Conímbriga:

Imagem trabalhada a partir de http://www.adauta.eu/coni

Uma utilização mais recentemente dos labirintos surgiu nos jardins, como no de Hampton Court, em Inglaterra, mandado construir pelo rei Guilherme III, em 1690:

Figura reproduzida de Criton (1997; p. 65)

Dois labirintos lúdicos actuais

Entrar pela abertura à direita e procurar o caminho para cair pela abertura do fundo:
Labirinto reproduzido de «Quebra-cabeças / os labirintos de Greg Bright»

Ir de uma até à outra seta:
Labirinto de France de Ranchin, reproduzido de «Nouveaux Labyrinthes»

Duas observações sobre a construção de labirintos na escola

Os alunos gostam de resolver labirintos, embora apenas alguns gostem mais do que a grande maioria.
Depois de os experimentar surgem questões interessantes, como: para quem está «dentro de um labirinto», haverá um modo de encontrar a saída sem ser «ao acaso»?

Entre os alunos que mais gostam de labirintos um ou outro tenta construir um novo labirinto.
É importante que esses alunos já conheçam uma diversidade de tipos de labirinto, para que compreendam, desde cedo, que esta é uma actividade aberta à imaginação.
É igualmente importante começar por construir pequenos labirintos, de modo a se poderem concentrar na aprendizagem de técnicas de construção sem se desgastarem nas grandes construções.
É finalmente importante que os temas dos labirintos sejam estudados pelos alunos que os constroem, como forma de enriquecimento pessoal e, também, colectivo (na medida em que esse estudo vai influenciar a construção, ou complementar a apresentação do próprio labirinto).

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

[0012] Jerome Bruner: como os adultos pensam que as crianças aprendem

Segundo Jerome Bruner, em «Cultura da Educação» (2000; p. 81), há quatro “modelos dominantes” sobre o modo como as crianças aprendem:

As crianças enquanto aprendizes por imitação: a aquisição do «saber-fazer» (p. 81).
“Do ponto de vista da imitação, a competência apenas se atinge através da prática.” “O conhecimento «desenvolve-se como um hábito» e não se prende nem a teorias nem a negociações ou discussão.” (p 82)

As crianças que aprendem a partir de uma exposição didáctica. A aquisição de conhecimento proposicional.” (p. 83)
“O objecto de aprendizagem para o aluno é concebido como estando «na» mente dos professores, tanto como nos livros, nos mapas, na arte, na base de dados, seja onde for.” (pp. 83-84) “Neste cenário didáctico, já não se concebe as habilidades enquanto saber como fazer com destreza alguma coisa, mas antes enquanto habilidades para adquirir um novo conhecimento, com o auxílio de certas «habilidades mentais», tais como, verbal, espacial, numérica, interpessoal, ou qualquer outra.” (p. 84) “Esta visão pressupõe que a mente do aluno é uma tabula rasa, um quadro preto apagado. O conhecimento depositado na mente diz-se cumulativo, sendo o conhecimento ulterior edificado sobre o conhecimento anteriormente existente. Mais importante é o pressuposto desta visão segundo a qual a mente infantil é passiva, qual receptáculo apto a ser preenchido.” (pp. 84-85) “A perspectiva didacticista vê a criança de fora, de um ponto de vista próprio de terceira pessoa, em vez de tentar «entrar nos seus pensamentos». É nitidamente de via única: o ensino não é um diálogo mútuo, mas um ditado de um para outrem.” Quando ocorre, o “insucesso pode ser explicado pela falta de «habilidades mentais» ou pelo baixo QI: e o sistema educativo sai livre de censura.” (p. 85)

As crianças enquanto pensadores. O desenvolvimento do intercâmbio intersubjectivo.
“O professor (…) preocupa-se em perceber o que a criança pensa e como chega àquilo em que acredita” “Exercer a pedagogia é ajudar a criança a entender melhor, mais consistentemente, menos unilateralmente.” (p. 85) “A criança não é puramente ignorante nem um recipiente vazio, é antes alguém capaz de raciocinar, de encontrar sentido, tanto por si mesma como através da discussão com os outros.” (pp. 85-86) “Não menos que o adulto, a criança é pensada como detendo «teorias» mais ou menos coerentes, não só acerca do mundo, mas também acerca da sua própria mente e da forma como funciona.” “O conhecimento é aquilo que se partilha num quadro de discurso dentro de uma comunidade «textual». As verdades são o produto da prova, do argumento e da construção, mais do que da autoridade, textual ou pedagógica.” Já Dewey procurava “encontrar nas intuições da criança as raízes do conhecimento sistemático” (p. 86)

As crianças enquanto detentoras de conhecimento: A gestão do conhecimento «objectivo»”. (p. 90)
O “ensino deveria auxiliar as crianças a captar a distinção entre o conhecimento pessoal, por um lado, e «aquilo que é tido por conhecido» pela cultura, por outro. Porém, elas não devem só captar esta distinção, mas também entender a base que a sustenta, por assim dizer, na história do conhecimento.” (p. 91)


domingo, 18 de dezembro de 2016

[0011] Na arte do Azulejo também pode haver Matemática

O Azulejo não teve origem em Portugal, embora aqui tenha tido um interessante desenvolvimento.

Há azulejos perto da maioria das escolas. Compreender porque eles possuem certos motivos (figuras; padrões), porque foram e são usados, como foram e são feitos – eis desafios interessantes para diversas disciplinas: as Artes, a História e, nalguns casos (sobretudo nos azulejos que possuem um padrão), a Matemática.

Para estudar os possíveis «padrões» que a repetição de um determinado Azulejo produz numa parede a Matemática procura verificar se nela existem transformações geométricas.
Duas das perguntas que devem então ser feitas são:

Existe na parede deste azulejo uma simetria em relação a um eixo?


Um exemplo em que existem duas famílias de eixos de simetria, verticais:


Existe na parede deste azulejo um centro de rotação?

Neste exemplo existem quatro famílas de centros de rotação, de 180º:


(estas duas imagens figuram num «pdf» da autoria de Ana Almeida; pp. 3 e 27)

Há, no entanto, mais algumas perguntas a fazer e mais alguns casos a considerar.

Eis como o artista Eduardo Néry descreveu o «azulejo de padrão»:

No azulejo, o conceito de padrão encontra-se intimamente ligado ao da repetição de um motivo gráfico ou pictórico, organizado segundo eixos de simetria ou de outros esquemas estruturantes, quase sempre de raiz geométrica, mesmo quando os motivos ornamentais se inspiram na natureza.
Os padrões em azulejo têm por base a forma quadrada dos seus módulos e uma malha geométrica, que é a retícula quadrangular formada pelas juntas de um painel. Daí que seja desejável que os criadores de padrões destinados a azulejo se apoiem preferentemente na geometria do quadrado, ou seja, nas diagonais, nas medianas, no centro, nos seus quatro vértices e, de um modo geral, numa subdivisão interna baseada nestes elementos, quer se trate de padrões estruturados com base num só azulejo, ou em mais.
Contudo, existem verdadeiros padrões nos quais a geometria do quadrado parece ter sido metida entre parêntesis, ou mesmo ignorada. Porém, se a malha quadrangular modular também for ignorada, então encontramo-nos no domínio a pintura artística sobe azulejo.
Normalmente, espera-se que cada padrão se mantenha assim até ao infinito. Alguns padrões poderão admitir pequenas variações de forma ou de cor sem se descaracterizarem, mas em regra geral as alterações na sua forma ou na sua cor originam novos padrões, como variantes dos anteriores. Configurações mais complexas, a busca da variedade, em lugar da repetição, ultrapassam os limites estritos do padrão e da sua coerência interna, dando lugar ao conceito de composição, significando um grau mais elaborado de um espaço decorado.
Por outro lado, quando o padrão é fortemente reduzido, a ponto de não se perceberem os motivos formadores (apresentando-se como uma superfície relativamente indiferenciada), sem pontos privilegiados de atenção, entramos no domínio das texturas. Aliás, quando apreciamos um padrão de azulejo a grande distância, por exemplo, numa fachada, ele dá lugar a uma textura, a menos que os motivos sejam muito grandes, como em certas superfícies exteriores com duas cores em xadrez., ou seja, organizadas com base no padrão mais elementar em azulejo. Consequentemente, o efeito de escala visual é indissociável deste binómio padrão / textura, aspecto particularmente importante para aqueles que são chamados a projectar padrões de azulejo para a arquitectura, exterior ou interior.
Outro aspecto ligado ao conceito de padrão de repetição regular, é o ser relativamente compacto, sendo raros os casos em que o afastamento dos motivos constitutivos, com o correspondente afrouxamento das ligações visuais entre eles, não «empurre» estas superfícies para as texturas ou para a pintura sobre cerâmica.
Outro aspecto característico nos padrões é o facto de se encontrarem intimamente ligados à percepção de superfícies bidimensionais na arquitectura, que o azulejo poderá caracterizar de forma muito vinculativa, nomeadamente ao nível de ritmos formais e cromáticos.
(citado em Saporiti, 1998; pp. 199 e 201)

sábado, 17 de dezembro de 2016

[0010] Paulus Gerdes e a Etnomatemática

Paulus Gerdes nasceu holandês mas o principal do seu trabalho foi realizado em África e, em particular, em Moçambique.

(imagem de www.up.ac.mz)


Do seu livro «Etnomatemática»: a etnomatemática “é o campo que estuda ideias matemáticas nos seus contextos histórico-culturais”.

“A produção de conhecimentos matemáticos ocorre em todas as culturas humanas. Esse é um dos elementos constitutivos do paradigma da etnomatemática enquanto campo de pesquisa que emergiu entre os matemáticos e educadores, desde o fim dos anos 1970.”
“Cada povo – cada cultura e sub cultura – desenvolve a sua própria matemática, de certa maneira específica. (…). Enquanto produto cultural, a matemática tem uma história, ou melhor, tem várias histórias. Sob certas condições culturais, sociais e económicas, emergiu e se desenvolveu de determinada maneira. Sob outras condições, seguiu outras direcções. Em outras palavras, o desenvolvimento da matemática não é unilinear.”

“O pensamento matemático só é inteligível ao adoptarmos uma perspectiva intercultural.”

(Fonte: Gerdes, 2007; pp. 42-43)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

[0009] Jerome Bruner: as visões «cultural» e «computacional» sobre a «mente humana»

Eis como Jerome Bruner, em «Cultura da Educação» (2000), descreve estas duas visões sobre a mente humana, e o seu conflito:

Algumas “mudanças fundamentais” conduziram a “duas concepções divergentes acerca do modo com o funciona a mente” humana, a “visão computacionalista” (p. 17) e o “culturalismo” (p. 19)

“O objectivo do computacionalismo é estabelecer uma redescrição de todo e qualquer sistema de funcionamento que gere o fluxo de informação correcta. Tal sistema é a mente humana. Mas o computacionalismo sério não defende que a mente seja semelhante a um particular «computador» que necessita de ser «programado» de uma certa forma em ordem a operar sistematicamente ou «com eficácia». O que ele defende é antes que todo e qualquer sistema que processa informação tem de ser governado por «regras» específicas ou procedimentos que determinem o que fazer com os dados recebidos.” (p. 22)
Este esforço é interessante pela luz que projecta “na linha divisória entre a produção de significação e o processamento de informação.” É a “prefixação de categorias que impõe o limite mais severo ao computacionalismo enquanto meio no qual se há-de enquadrar um modelo de mente.” Se se reconhecer “tal limitação, a alegada luta de morte entre culturalismo e computacionalismo desvanece-se.” (p. 23)

A “produção de significação” do culturalismo é, “ao contrário do processamento de informação do computacionalismo”, “interpretativa, carregada de ambiguidade, sensível à ocasião e, frequentemente, em harmonia com a circunstância. Os seus «mal formados procedimentos» assemelham-se mais a «máximas» do que a regras totalmente especificáveis. Mas dificilmente são desprovidos de princípios.” (p. 23)


“Não há modo de decisão conhecido que possa resolver a questão de ser algum dia possível ultrapassar a incomensurabilidade entre a produção de significação do culturalismo e o processamento computacional de informação.” (pp. 24-25) mas, quanto a isto “ambos têm uma afinidade que é difícil ignorar. É que, uma vez estabelecidas as significações, é a sua formalização num sistema de categorias bem formado que pode ser tratado mediante as regras computacionais.” (p. 25)


quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

[0008] Sensibilização para a Topologia: libertar a corda sem retirar o colete

Sob o ponto de vista da Topologia, há dois objectos na figura: a «pessoa ligada ao colete» (pois a mão não pode sair da sua algibeira) e a «corda».
A «corda» parece impossível de separar da «pessoa ligada ao colete» (na Topologia os objectos são deformáveis, mas não se podem cortar, nem os seus buracos podem desaparecer).

No entanto a «corda» pode ir aproveitando os buracos da «pessoa ligada ao colete» …


Primeiro … a ponta mais afastada da «corda» passa pelo buraco mais próximo do colete … depois passa, simultaneamente, à frente e atrás da cabeça … sai pelo buraco mais afastado do colete … e contorna a mão livre …


Depois … a «corda» já está livre para ser puxada para os pés da «pessoa ligada ao colete»!


Inspiração: Gardner (1991; pp. 103-104)

domingo, 11 de dezembro de 2016

[0007] TIMSS e PISA: que dizer dos resultados portugueses de 2015?

O primeiro TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study: Estudo Internacional sobre as Tendências em Matemática e Ciências) foi realizado em 1995, tendo depois sido repetido de 4 em 4 anos.
Portugal participou nas edições de 1995, 2011 e 2015.

O primeiro PISA (Programme for International Student Assessment: Programa Internacional de Avaliação de Alunos) foi realizado em 2000, tendo depois sido repetido de 3 em 3 anos.
Portugal participou em todas as edições.

Os resultados dos estudos do TIMSS e do PISA de 2015 foram recentemente divulgados. Os nossos alunos do 4º ano ficaram muito bem posicionados no TIMSS, em Matemática, não tanto em Ciências. E no PISA, os nossos alunos de 15 anos ultrapassaram, pela primeira vez, a média internacional nos três domínios analisados, Ciências, Leitura e Matemática.
Diversos dos nossos responsáveis pela educação e quase todos os comentadores mostraram-se eufóricos devido a estes resultados. Eis uma primeira ideia acerca do motivo dessa euforia:

Resultados do TIMSS (alunos que frequentavam o 4º ano em 2015):
(inserido no artigo de Clara Viana no «Público» de 30 de Novembro de 2016)

Resultados do PISA (alunos com 15 anos em 2015):
(inserido no artigo de Clara Viana e Samuel Silva no «Público» de 7 de Dezembro de 2016)

Espanta-me que os resultados dos nossos alunos tenham progredido num período de tempo em que o ambiente das escolas piorou muito, discrepância que tem sido assinalada por poucos observadores (uma excepção: José Morgado, no seu blogue «Atenta Inquietude»).
Como os encarar então?
Para esboçar uma possível resposta, organizo-a em função de duas questões.

(A) Que significam estes resultados?

Indesmentivelmente, os «resultados» destes nossos jovens foram melhores que os «resultados» de outros nossos jovens em anos anteriores, em «testes deste tipo». Sobre «Ciências», «Leitura» e «Matemática».
Mas estes resultados não são homogéneos. Tanto entre os jovens portugueses de 15 anos como entre os das outras nacionalidades, manifesta-se uma «diferença de género», os moços melhores em Ciências e Matemática, as moças em Leitura:

(inserido no artigo de Clara Viana e Samuel Silva)

(B) Que queremos saber?

Uma das críticas que têm sido feitas aos testes internacionais (e também aos exames nacionais) é a de eles acabarem por «estreitar o currículo»: começa-se a pensar naquele tipo de desempenho, e acaba-se a trabalhar para os «resultados» (assim foi reconhecido, a propósito do TIMSS, pelos nossos ex-ministros Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato).
Os países participantes nos testes internacionais são tentados a reagir deste modo, havendo no entanto algumas excepções.
A Finlândia, que até 2006 obteve muito bons resultados, parece ser uma dessas excepções. Eero Väätäinen, que coordenou uma escola e o sector da educação duma cidade, descreveu assim o espírito das reformas educativas na Finlândia:
“Não devemos esquecer que as crianças não andam na escola para fazer testes. Elas vêm aprender a vida, encontrar o seu próprio caminho. Acaso se pode avaliar a vida?”
A partir de 2009 começaram a destacar-se alguns países asiáticos, que hoje ocupam todos os primeiros lugares. Um investigador educacional finlandês, Jouni Välijärvi, comentou assim esta evolução:
“A forma como os países conseguem bons resultados é completamente diferente. Esse é o reverso da medalha destes estudos internacionais que incentivam a imitação. Os países podem aprender uns com os outros, mas tem que se ter muito cuidado em transplantar modelos.”
E depois procedeu a duas comparações. Em relação ao ensino “mais centrado no bem-estar e felicidade das crianças do que nos resultados académicos” que se pratica na Dinamarca (outro país com tradição educativa norte-europeia), sublinhou que “o modelo finlandês mistura os dois factores, preocupa-se com a felicidade e com a parte cognitiva”. Já em relação à Coreia do Sul as distâncias foram muito mais acentuadas; na Finlândia, notou,
“Quando se está na escola está-se concentrado na escola, quando se sai vai-se fazer outras coisas, são tempos perfeitamente separados. Na Coreia, os alunos levantam-se às 6h00 e voltam a casa às 21h00, e ainda têm que fazer trabalhos de casa. Para estes jovens, a escola e a educação são tudo na vida. Os finlandeses, entre tempo na escola e trabalhos de casa, passam um total de 30 horas por semana, face a 50 horas da Coreia.”

Concluindo:

É preciso diversificar o estudo das diferenças (interesses, capacidades) dos nossos alunos (no TIMSS e no PISA apenas são estudadas três tipos de diferenças, muito marcadas pelo incentivo a uma economia de base técnica).
E é preciso explicitar e debater o que queremos que seja a preparação dos nossos jovens, se exclusivamente para a competição no mercado de trabalho, se para um futuro de cooperação entre todos.

O TIMSS é da responsabilidade da IEA (International Association for the Evaluation of Educational Achievement: Associação Internacional para a Avaliação dos Resultados Educativos), cujo sítio é: www.iea.nl/.
E o PISA é da responsabilidade da OECD (Organisation for Economic Cooperation and Development: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), cujo sítio é: www.oecd.org.

Fontes:
Instituto de Avaliação Educativa
Väätäinen, citado por Descamps (2013)
Välijärvi, citado por Gomes (2011)
Viana (2016)
Viana e Silva (2016)

[0006] Jerome Bruner: a educação como parte de uma cultura

Para Jerome Bruner, a educação faz parte da dinâmica cultural, tal como se depreende do seu «Cultura da Educação» (2000):

A “educação é a mais importante concretização do estilo de vida de uma cultura, e não apenas uma preparação para ele.” (p. 32)

A educação é uma complexa procura no sentido de ajustar uma cultura às necessidades dos seus membros e de ajustar os seus membros e seus modos de conhecer às necessidades da cultura.” (p. 70)


Algumas implicações desta ideia:

“O culturalismo toma como primeira premissa a afirmação de que a educação não é uma ilha, mas parte do continente da cultura. Inquire, em primeiro lugar, que função desempenha na cultura a «educação» e que papel lhe compete na vida dos que se movem no seu quadro. A próxima questão seria porque é que a educação se situa na cultura da forma como o faz, e de que modo esta situação reflecte a distribuição do poder, do estatuto e outras vantagens.” (p. 29)

“As pedagogias culturais (…) reflectem uma variedade de convicções acerca das crianças: estas podem ser vistas como teimosas e carecendo de correcção; como inocentes e precisando de ser protegidas da sociedade vulgar; como carentes de capacidades passíveis de desenvolvimento apenas através da prática; como recipientes vazios, destinados a ser preenchidos com o conhecimento que só os adultos podem fornecer; como egocêntricas, com necessidade de socialização. Convicções culturais deste género, expressas por leigos ou por «peritos», têm de ser severamente «desconstruídas» para se lhes avaliar as implicações. É que, sejam correctas ou não, o impacte que estas maneiras de ver provocam sobre as actividades docentes pode ser enorme.” (pp. 76-77)

“Em termos ousados, a tese emergente é que as práticas educativas escolares se baseiam num conjunto de crenças populares acerca da mente infantil, algumas das quais podem ter funcionado advertidamente a favor ou inconscientemente contra o próprio bem-estar da criança. Elas devem ser explicitadas e reexaminadas. Diversas abordagens ao ensino e diversas formas de instrução – desde a imitação até à instrução, à descoberta, à colaboração – reflectem assunções e crenças diversas acerca do aluno - desde o actor até ao conhecedor, ao experimentador privado, ao pensador colaborante.” (p. 78)

“Há coisas que cada indivíduo sabe (mais do que ele próprio julga); mais ainda conhece o grupo ou é passível de ser descoberto por meio da discussão em grupo; e muito mais ainda se encontra armazenado algures – na «cultura», isto é, nas cabeças das pessoas mais sabedoras, nos directórios, nos livros, nos mapas, e por aí adiante.” (pp. 80-81)


sábado, 3 de dezembro de 2016

[0005] Uma forma de incentivar a curiosidade: as Magias!

Disse um dia o arquitecto Manuel Vicente, ao explicar como tinha aprendido: “primeiro [aprende-se] com o encantamento e depois com o conhecimento.”

A Magia pode-nos proporcionar momentos de grande encantamento, rapidamente transformados na enorme curiosidade que mobiliza montanhas: como foi aquilo possível? E a maior parte das vezes tudo o que se passou tem uma explicação muito simples, mas instrutiva: um pouco de Física, ou de Química, ou de Matemática e, sempre, um tanto de Psicologia …

A Magia:
Com um dado de seis faces e os espectadores separados em dois grupos, um à esquerda e o outro à direita do «artista», pede-se a cada grupo que some as pintas das sucessivas faces que vê sempre que o dado, após ser baralhado, é «mostrado» (é suposto que cada grupo só veja uma face de cada vez).

Como pode o «artista» garantir que vai adivinhar a soma destas duas somas?

(Moinho de Maré de Corroios, 21 de Novembro de 2016, fotografia de Eva Blum)

A explicação:
A fotografia mostra um dado normal, de seis faces, fabricado a partir de uma caixa de cartão pelo Serviço Educativo do Ecomuseu Municipal do Seixal.
O dado de seis faces destina-se a gerar aleatoriamente (ao acaso) um número de 1 a 6, havendo outros dados para o fazer quando se trata de números de 1 a 4, de 1 a 8, de 1 a 12 e de 1 a 20:

Os cinco sólidos platónicos, ou poliedros regulares (imagem da Wikipédia):

o tetraedro, o cubo (ou hexaedro), o octaedro, o dodecaedro e o icosaedro

Para que sejam geradores aleatórios, nenhum destes dados está construído ao acaso: para o dado cúbico, a face com o «1» opõe-se à face com o «6», a face com o «2» opõe-se à face com o «5» e a face com o «3» opõe-se à face com o «4» - a soma de duas faces opostas é sempre igual a «7».
Se forem feitos N mostras do dado, o «artista» limita-se a prever que a soma das duas somas é igual a «7 vezes N».

Dois desafios:
Para o público (desde que lhe seja proporcionado um pouco de tempo para pensar, e até para trocar ideias): qual é a operação que o «artista» teria de fazer se o dado tivesse doze, ou vinte faces?
E para os candidatos a «artista»: construir um dado com vinte faces, a partir de vinte triângulos equiláteros (de cartolina ou cartão, com 25 centímetros de lado), bem colados uns aos outros conforme se mostra nesta planificação - e, já agora, adequadamente numerados (se a ideia for … encantar uma turma):


Inspiração: Gardner (1991; p. 58)

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

[0004] Um jogo que apenas precisa de papel quadriculado e lápis: o Cinco em Linha

Um Jogo de Reflexão tanto é um passatempo como uma boa oportunidade para desenvolver o raciocínio lógico (base de toda a «demonstração»).
O muito conhecido Jogo do Galo é um exemplo pouco interessante de Jogo de Reflexão, por ter uma complexidade muito limitada (termina inevitavelmente em empate se ambos os jogadores jogarem bem). Mas o Cinco em Linha, um jogo que dele deriva, é bem mais interessante do que o seu antecessor.

Regras:
Numa folha de papel quadriculado (teoricamente infinita), dois jogadores alternam as suas jogadas: um coloca numa das quadrículas livres um «O»; e o outro coloca um «X».
Ganha o jogador que alinhar cinco das suas marcas, sem intervalos entre elas, ou horizontalmente, ou verticalmente, ou em diagonal.

Exemplo:
No diagrama seguinte, que traduz as oito primeiras jogadas dos dois jogadores, há quatro «X» alinhados verticalmente, estando os dois quadrados extremos livres (destacado a amarelo). Não há modo de colocar um «O» que impeça simultaneamente as duas ameaças de alinhar cinco «X» …


Observações:
Quando num Jogo de Reflexão se demonstra que o jogador «X» joga e ganha, está-se a fazer uma afirmação equivalente a um teorema matemático: na posição em que se encontra o jogo, existe uma linha que garante ao jogador «X» (se jogar correctamente) chegar à vitória.
Este é um exemplo de que há muito mais «demonstrações» e «teoremas» para além da Matemática; seria portanto interessante que os currículos escolares permitissem o estabelecimento de ligações entre o que os alunos já sabem e o que ainda é importante aprenderem.

sábado, 26 de novembro de 2016

[0003] Jerome Seymour Bruner (1915-2016)

Psicólogo americano com importantes contribuições para a educação.

Nasceu e faleceu em Nova Iorque (1915-2016).


Excertos do seu livro «Cultura da Educação» (2000):

“Aparentemente, são dois os modos genéricos como os seres humanos organizam e gerem o seu conhecimento do mundo, e até estruturam a sua experiência imediata: um parece mais especializado para tratar de «coisas» físicas, o outro, para tratar das pessoas e das suas obrigações. A estes se chamam convencionalmente o pensamento lógico-científico e o pensamento narrativo.” (p. 65)
Diz-se que as “teorias científicas os as provas lógicas são ajuizadas mediante a verificação ou a prova – ou, mais precisamente, através da sua verificabilidade ou testabilidade - ao passo que as histórias são julgadas com base na verosimilhança ou na sua afinidade com a vida.” (p. 164)

“É através das nossas narrativas que construímos uma versão de nós mesmos no mundo, e é através da sua narrativa que a cultura oferece modelos de identidade e de acção aos seus membros. A valorização do lugar central da narrativa não advém de nenhuma disciplina em particular, mas da confluência de muitas: literatura, sócio-antropologia, linguística, história, psicologia e até informática.” (p. 14)
“Vivemos num mar de histórias e, tal como o peixe será (segundo o provérbio) o último a descobrir a água, temos as nossas dificuldades em perceber o que é nadar em histórias.” Para tomarmos consciência desta nossa condição há três métodos: o “contraste”, a “confrontação” e a “metacognição”. O primeiro método pode levar-nos a ouvir “dois relatos contrastantes mas igualmente razoáveis do «mesmo» acontecimento” (p. 194). O segundo é mais “enérgico” e “arriscado”, pois pode provocar “a ira e o ressentimento”; mas “há formas privilegiadas” de o utilizar na “amizade profunda e também na psicanálise”. “A metacognição converte os argumentos ontológicos sobre a natureza da realidade em argumentos epistemológicos sobre o nosso modo de conhecer. Enquanto o contraste e a confrontação podem suscitar a consciência acerca da realidade de conhecer, o objecto da metacognição é criar vias alternativas de conceber a formação da realidade. A metacognição, neste sentido, fornece uma base racional para a negociação interpessoal dos significados, um modo de alcançar a mútua compreensão, mesmo que a negociação falhe quanto à obtenção de consenso.” (p. 195)
“O objectivo da acção e da colaboração competentes, nos estudos da condição humana, é atingir, não a unanimidade, mas uma maior consciência. E maior consciência implica sempre maior diversidade.” (p. 133)

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

[0002] O filme «The Man Who Knew Infinity» (O Homem que Viu o Infinito)

Realizador e argumentista: Matt Brown.
Actores: Dev Patel (Srinivasa Ramanujan) e Jeremy Irons (G. H. Hardy).
Ano: 2016.



Srinivasa Aiyangar Ramanujan nasceu na Índia (então uma colónia inglesa) em 1887. Já na infância, a sua inteligência excepcional deixa todos à sua volta impressionados. Por causa disso, ganha uma bolsa para o Liceu de Kumbakonam, onde desperta a admiração dos professores. Na adolescência começou, por auto-recriação, a estudar séries aritméticas e séries geométricas e com apenas 15 anos conseguiu encontrar soluções de polinómios de terceiro e quarto grau. Com essa idade teve acesso a um livro que marcou a sua vida: «Synopsis of Elementary Results on Pure Mathematics», a obra de George Shoobridge Carr, um professor da Universidade de Cambridge (Inglaterra). O livro apresenta cerca de seis mil teoremas e fórmulas com poucas demonstrações, o que influenciou a maneira de Ramanujan interpretar a Matemática. Aos 16 anos fracassou nos exames de inglês e perdeu a bolsa de estudos. Sem desistir, continuou as suas pesquisas de forma autodidacta. Estudando e trabalhando sozinho, recria tudo o que já fora feito em Matemática. Mais tarde, decidiu frequentar uma universidade local como ouvinte. Os professores, percebendo as suas qualidades, aconselharam-no a enviar os resultados dos seus trabalhos para o grande matemático inglês G. H. Hardy. Em 1913, impressionado com o seu intelecto, Hardy convida-o para ir para Cambridge onde, apesar de todas as dificuldades de adaptação e de algum cepticismo do corpo docente, se tornou professor no Trinity College, sendo agraciado com o ingresso na Royal Society de Ciências. Em 1919, adoeceu com tuberculose e regressou para a Índia, onde morre, em 1920.

(texto muito ligeiramente adaptado do Cine Cartaz do jornal «Público»)

Uma das contribuições de Ramanujan para a Matemática, em colaboração com Hardy (no ano de 1918), visou a partição de um número natural.
Exemplificando, o número 5 pode ser partido de sete modos diferentes:

5
4 + 1
3 + 2
3 + 1 + 1
2 + 2 + 1
2 + 1 + 1 + 1
1 + 1 + 1 + 1 + 1

Generalizando este procedimento para N (isto é, para qualquer número natural), Ramanujan e Hardy construíram uma função recursiva assimptótica que expressava o número de partições de N (em 1937, Hans Rademacher obteve uma fórmula exacta para essa função).

O percurso matemático de Ramanujan, baseado primeiro numa intuição brilhante, depois confrontado com o desafio colocado em Cambridge) da validação dos resultados (pela demonstração) é, afinal, o percurso, a uma escala mais pequena, de muitos jovens e adultos que têm de lidar, hoje, com a Matemática. Alertando para isto, escreveu o professor António Fernandes (2016; p. 43):
O facto é que absoluto rigor e criatividade nem sempre caminham lado a lado, nem mesmo em Matemática. E num processo que conduz à demonstração de um resultado matemático, existem períodos criativos, imaginativos, e especulativos, eventualmente menos rigorosos, como é típico das actividades exploratórias em território desconhecido.

domingo, 21 de agosto de 2016

[0001] O Earth Science Curriculum Project

Em 1981 deparei-me numa livraria com a versão brasileira de «Investigando a Terra», uma tradução (e nalgumas partes uma adaptação) do original norte-americano, preparado durante mais de três anos pela equipa do Earth Science Curriculum Project.


O que mais me impressionou neste projecto não foi ele ter-se apoiado nos comentários de um vasto grupo de professores, que usaram as primeiras ideias nas suas escolas, ao longo de dois anos lectivos (1964-66). Foi ter pretendido que a aprendizagem no Ensino Básico se baseasse numa “história real integrada do planeta Terra.” Ou seja, que essa aprendizagem não fosse precocemente sujeita às habituais subdivisões em Astronomia, Biologia, Ecologia, Física, Geografia, Geologia, Meteorologia, Paleontologia, Química – e até, nalguns aspectos, em Matemática.

(Fonte: Earth Science Curriculum Project & Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências: 1973, 1º volume; 1976, 2º volume)