quinta-feira, 11 de abril de 2024

[0344] Factos e argumentos sobre a educação (V): qual a racionalidade dos nossos currículos, «técnica», «prática» ou «crítica»?

A revista Educação e Matemática convidou para uma mesa redonda,  realizada online, alguns dos membros da equipa que elaborou as Aprendizagens Essenciais (AE) para o Ensino Secundário, que, durante este ano lectivo, estão a ser experimentadas em escolas piloto. Participaram nela Jaime  Carvalho e Silva (coordenador da equipa), Alexandra Rodrigues, Carlos Albuquerque, João Almiro, Paulo Correia e Susana Carreira:

Participantes na mesa redonda

Cada alteração curricular é feita de acordo com uma teoria curricular e, segundo Stephen Kemmis, qualquer delas procura responder a um duplo problema, o das “relações entre a teoria e a prática” e, mais em geral, o das “relações entre educação e sociedade”:

o “currículo é um produto da história humana e social e um meio através do qual os grupos poderosos exerceram uma influência muito significativa sobre os processos mediante os quais eram e são educados os jovens”.

Segundo ele existem três teorias curriculares.
A primeira é a teoria técnica, que predominou até meados da década de 1970, baseava-se no princípio da divisão social do trabalho. Freema Elbaz descreveu-a assim, num estilo intencionalmente caricatural: “um sujeito (o planificador), ajudado por um segundo sujeito (o avaliador), escreve objectivos e prepara matérias para uma terceira pessoa (o aluno), que serão desenvolvidas por um quarto sujeito (o professor) de forma linear”.
A segunda, a teoria prática, de acordo com Lawrence Stenhouse, pretende que o currículo seja “uma ferramenta nas mãos do professor”, sendo necessária “a revisão constante dos objectivos e a sua adaptação às necessidades de aprendizagem dos alunos”; isso pressupõe “a atribuição de uma ampla autonomia às escolas e aos professores” e “uma relação menos hierárquica” entre os professores e os especialistas curriculares.
E a terceira, a teoria crítica, considera que o currículo é um instrumento nas mãos de todos os intervenientes, em pé de igualdade. Shirley Grundy, uma das suas defensoras, comentou-a deste modo: “Quando alunos e professores, em conjunto, desafiam [a ascendência daqueles que têm o poder de controlar o currículo, reclamando] o direito de eles próprios determinarem o [seu] significado, o processo da construção do currículo torna-se um acto político.”

Para José Augusto Pacheco (a quem devo as anteriores citações), os papéis desempenhados pelos principais actores e os processos em que se envolvem eram substancialmente diferentes.
Na «teoria técnica» tudo decorria etapa a etapa, conduzido por um Estado normativo com o apoio técnico dos especialistas. Em Portugal, Reforma de Roberto Carneiro, implementada ao longo da década de 1990, exemplificou esta teoria.
Nas outras duas teorias as etapas processuais não estão radicalmente separadas, existindo alguma interacção entre elas: na «teoria prática», os especialistas eram os autores, o Estado o promotor da participação e os professores os interlocutores, supondo-se que, por sua vez, adoptariam semelhante procedimento com os seus alunos; e na «teoria crítica», os professores e os alunos surgiam com as suas próprias iniciativas, cabendo ao Estado promover processos de negociação.
Em Portugal, olhando para a descrição feita por Pacheco, as sucessivas alterações curriculares que se têm sucedido nas últimas três décadas são claros exemplos da teoria prática. Escreveu Pacheco, como que a justificá-lo: os “modelos de racionalidade crítica” coexistem dificilmente com as “práticas centralizantes” da nossa administração pública, pelo que os “modelos de racionalidade prática” têm maiores oportunidades de vingar.

Um dos participantes na mesa redonda promovida pela revista Educação e Matemática, Carlos Albuquerque, professor universitário, comentou assim, a dada altura, o trabalho da equipa que elaborou as AE para o Secundário:

Há uma imagem que eu gosto que é: isto é uma peça, as aprendizagens essenciais são como uma peça musical. Nós fizemos o trabalho do compositor. Os compositores fazem uma peça, é um trabalho que foi composto para músicos muito bons, para músicos profissionais com  experiência. Às vezes, os compositores colaboram com os músicos que vão fazer os primeiros espetáculos.

Que pensam os leitores sobre a «racionalidade» pressuposta nesta visão do currículo: será ela técnica, prática ou crítica?


Fontes: livro de Pacheco (1996); artigo do «Educação e Matemática», Nº 170
Imagem: Educação e Matemática, Nº 170

quinta-feira, 28 de março de 2024

[0343] As invulgares colunas da Igreja do Convento de Jesus, em Setúbal

Eis as colunas a que me refiro, num desenho delas feito por João Vaz (1859 - 1931):


À distância, cada uma destas colunas parece ser formada por um enrolamento de colunas mais pequenas. Como se cada coluna fosse uma «trança», ou uma «corda», ou um grupo de «gavinhas» determinadas a unir a terra e o cèu.
Trata-se de uma ilusão. De facto, ao nos aproximarmos, é possível verificar que estas colunas são constituídas pela sobreposição vertical de «tambores», sendo cada «tambor» uma peça única.
Na fotografia seguinte vê-se um desses «tambores», situado perto da base de uma das colunas. Como a pedra usada (nas colunas e noutros elementos decorativos desta igreja) é um conglomerado (chamado «brecha da Arrábida»), observam-se nela alguns dos calhaus rolados que a formaram; e constata-se que na fronteira entre as duas «gavinhas» visíveis nesta imagem algumas das pedras fazem parte de ambas (há uma terceira «gavinha», por detrás destas duas, pois cada coluna é constituída por três):


Podemos portanto imaginar que os blocos de conglomerado cortados numa pedreira da Serra da Arrábida para com eles esculpir cada um dos «tambores» terão sido inicialmente talhados como cilindros, todos com a mesma altura e com o mesmo diâmetro.
E, baseados no que se constata no «tambor» de uma coluna mais pequena (em exibição no museu associado a esta igreja), podemos ainda admitir que estabilização entre dois «tambores» consecutivos foi conseguida por um duplo encaixe no centro das suas faces em contacto, um em forma de prato e outro, mais pequeno e mais fundo, onde era colocado um objecto de metal, ambos destinados a impedir os deslocamentos horizontais:

Esta igreja foi contruída nos finais do século XV e resistiu
a sismos importantes, nomeadamente ao de 1755

Mas, como seria concretizada a última fase escultórica dos «tambores», ou seja, como seriam esculpidas as «gavinhas» que parecem constituir estas colunas?

Não sei. Mas posso conjecturar que o processo terá começado pelo desenho, na base inferior do primeiro cilindro de pedra, de três circunferências, iguais e tangentes entre si, seguindo-se o desenho das mesmas três circunferências, mas rodadas de 90º (por exemplo) no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio (ainda por exemplo) na sua base superior.
Depois (e esta á a parte que eu não arrisco conjecturar) era necessário esculpir este bloco, de modo que de cilíndrico passasse a ser um tronco de «corda» (será que os escultores terão usado grossas cordas como modelos?).

Com todos os outros cilindros terá seguido exactamente o mesmo processo, havendo apenas o cuidado de, no momento de formar a coluna, sobrepor adequadamente a base inferior de um cilindro sobre a base superior do anterior!



Considera-se que esta Igreja, construída na década de 1490, foi o primeiro ensaio do estilo manuelino.


Fotografias (recortadas): Eva Maria Blum
Desenho: Pedro Esteves

quinta-feira, 14 de março de 2024

[0342] As Araucárias, no espaço e no tempo

As Araucárias são uma pequena família de plantas (que agrupa 3 géneros e, nestes, 33 espécies), autóctones no Hemisfério Sul e particularmente representadas na Nova Caledónia.

Em Portugal estas árvores são exóticas, sendo ornamentalmente usadas em parques e jardins públicos. Em Lisboa, são particularmente interessantes os exemplares existentes nos Jardins Botânicos da Ajuda, do Palácio do Monteiro-Mor e da Rua da Escola Politécnica, todos eles com a respectiva identificação. No concelho de Almada existem muitos exemplares em jardins privados, sendo por vezes um tanto incómodos por terem sido plantados demasiado próximo da respectiva habitação; e no Parque da Paz (Cova da Piedade) foram plantados alguns exemplares, há talvez vinte e poucos anos, portanto ainda bastante jovens, sendo de um deles as seguintes duas fotografias: 

Jovem exemplar (2013)

Folhas (2013)

São características gerais das Araucárias: a grande dimensão do tronco (pode atingir os 50 metros de altura); os ramos dispostos em andares, a partir de um vértice; as folhas aciculadas (embora, nalguns casos, sejam largas e espalmadas); a não produção de flores; e as pinhas grandes (nalgumas espécies podem atingir um diâmetro de 20 centímetros), que se desfazem quando maduras.
Nos locais onde estas árvores se reproduzem espontaneamente, os seus pinhões são utilizados como alimento; e a sua madeira é usada na construção naval.

O nome dado a esta família lembra um povo indígena da América do Sul, os Araucanos (uma das suas espécies, a Araucária-do-Chile, é característica das montanhas que ligam o Chile e a Argentina).

Os mais antigos fósseis de Araucárias foram datados do Triássico (temporalmente situado há entre 250 e 200 milhões de anos), sendo dos mais antigos das Coníferas (ordem que também inclui as famílias dos Pinheiros, das Sequóias e dos Abetos).
No Triássico, todas as massas terrestres estavam ligadas num único supercontinente, a Pangea, que, há cerca de 200 milhões de anos, se começou a fragmentar em dois grandes continentes, a Sul o Gondwana e a Norte a Laurásia. As Araucárias ficaram ligadas ao Sul e os Pinheiros ao Norte, explicando a actual distinta prevalência geográfica das espécies que delas descendem:

Supercontinente Pangea

Um caso curioso: uma Araucária cujo troco se subdividiu em dois (ligeiramente abaixo do telhado da vivenda), tendo-se um deles, por sua vez, subdividido noutros dois (por altura do telhado):

Araucária subdividida e de novo subdividida (2024)

E um caso enganador: a primeira vez que vi, à distância, a «árvore» que surge na seguinte fotografia (tirada na Tapada da Ajuda, em Lisboa), pensei tratar-se de uma Araucária:

Falsa Araucária (2017)

Mas não é uma Araucária: trata-se de uma antena da rede de telemóveis, disfarçada de Araucária (para poder passar desapercebida na Tapada?)!


Fonte: Bingre & outros (2007; pp. 40-41 e 133-134); Willis & McElwain (2002; p. 148)
Fotografias: Eva Maria Blum e Pedro Esteves
Imagem (Pangea): Knoow.net

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

[0341] Os blogues a que este bloguer está atento

A partir de hoje este blogue possui uma discreta ligação a três outros blogues (pode-se aceder a eles em Os blogues a que estou atento, a última das acções disponibilizadas ao leitor na coluna da direita.

Dois desses blogues estão em interacção directa com o trabalho de professores ainda no activo, sendo em parte animados por professoras actualmente «reformadas». Estas, ao se disponibilizarem para tal, não estão, de facto, «reformadas», continuando a ser professoras por novas vias.

O terceiro blogue tem o mesmo animador deste onde o bloguer está agora a escrever, e que, também por esta e outras vias, se recusa a ser mais «um reformado».

Eis pequenos apontamentos sobre estes três blogues:


Aproximações à utilização do Geogebra: blogue de uma comunidade de prática que desenvolve um projeto de utilização do GeoGebra em sala nos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico:


Sendo o GeoGebra é uma ferramenta informática que apoia o trabalho em Geometria, este blogue pretende apoiar um projecto que visa a 1) Responsabilização dos professores pelo seu desenvolvimento profissional com forte investimento em áreas de fragilidade do ponto de vista científico, neste caso a geometria; a 2) Valorização de um trabalho colaborativo de partilha e reflexão sobre o desenvolvimento curricular que cada professor realiza; e a 3) Assunção de que os professores aprendem Matemática através do ensino.


Numericar: blogue que se tem estruturado em torno do Número do Dia, uma atividade de aprendizagem intrinsecamente ligada à escrita da data (medida do tempo) e que, sendo uma rotina diária inicial, é acrescida de uma exigência do ponto de vista cognitivo, visando a promoção do raciocínio e a comunicação matemática, ou seja, trata-se de uma ação estratégica para uma aprendizagem que se vai consolidando ao longo do tempo.
Eis o topo da página onde esta explicação é dada:



Aprendizagens: blogue que se apoia nas memórias fortes que os tempos do bloguer como professor deixaram, para construir um testemunho que contribua para compreender as crescentes distâncias entre os caminhos que a educação tomou e os que seriam escolhidos se se pretendesse chegar aos futuros que o bloguer constantemente imaginou.
A
mensagem que actualmente tem em destaque dá uma ideia das «memórias fortes» que nele são referidas:



Fonte (texto e imagem): blogues referidos acima

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

[0340] 28 debates entre Partidos, 28 peças de Dominó

Li, há dias, que o número de debates que estão a decorrer entre cada dois cabeças de lista às eleições legislativas é 28.

Não me admirei. E se me tivesse admirado, este número teria sido facilmente verificado. Por exemplo, ordenando os Partidos por ordem alfabética, depois agrupando o primeiro com cada um dos seguintes, o segundo com cada um dos seguintes, e assim sucessivamente. Deste modo, obteríamos os seguintes debates:

Contando-os, são mesmo 28!
Até aqui, tudo bem.

Algum tempo depois, interroguei-me: o número de peças do Dominó também é 28, será isso uma coincidência?

A resposta veio rápida: claro, cada peça de Dominó também agrupa dois números, como se fosse um Debate!
Então, deduzi: deve haver tantos Partidos candidatos as estas eleições como números nas peças do Dominó ...
Só que esta conclusão é falsa, pois os Partidos são 8 e os números do Dominó são 7 (o Zero também conta). Como se explica então haver 28 debates e 28 peças?

Voltando a proceder como acima, as peças do Dominó podem ser organizadas deste modo:


Ora, só estão aqui 21 peças de Dominó!
Que se passa, afinal?

O Dominó tem uma diferença em relação aos debates: também inclui peças com número duplo (os chamados «dobles»), que são precisamente 7. Então, as 21 peças anteriores mais estas 7 dão as 28 peças:


Regressando aos debates para as eleições legislativas: se os compararmos com as peças de Dominó, é como se cada Partido tivesse de fazer um debate consigo próprio (o que talvez não fosse má ideia).

Assim, quanto ao 28, só muito parcialmente se pode dizer que ele resulta de uma coincidência  - há uma similitude quase total entre a organização dos debates e a organização das peças; só que os números das peças também debatem consigo mesmos!

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

[0339] Sobre o décimo quarto e o décimo quinto Objectivos do Desenvolvimento Sustentável

Eis os dois objectivos:

Eles são-nos apresentados assim em https://unric.org/pt/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel:


Objetivo 14: Proteger a Vida Marinha

Até 2025, prevenir e reduzir significativamente a poluição marítima de todos os tipos, especialmente a que advém de atividades terrestres, incluindo detritos marinhos e a poluição por nutrientes
Até 2020, gerir de forma sustentável e proteger os ecossistemas marinhos e costeiros para evitar impactos adversos significativos, inclusive através do reforço da sua capacidade de resiliência, e tomar medidas para a sua restauração, a fim de assegurar oceanos saudáveis e produtivos
Minimizar e enfrentar os impactos da acidificação dos oceanos, inclusive através do reforço da cooperação científica em todos os níveis
Até 2020, efetivamente regular a extração de recursos, acabar com a sobrepesca e a pesca ilegal, não reportada e não regulamentada e as práticas de pesca destrutivas, e implementar planos de gestão com base científica, para restaurar populações de peixes no menor período de tempo possível, pelo menos para níveis que possam produzir rendimento máximo sustentável, como determinado pelas suas características biológicas
Até 2020, conservar pelo menos 10% das zonas costeiras e marinhas, de acordo com a legislação nacional e internacional, e com base na melhor informação científica disponível
Até 2020, proibir certas formas de subsídios à pesca, que contribuem para a sobrecapacidade e a sobrepesca, e eliminar os subsídios que contribuam para a pesca ilegal, não reportada e não regulamentada, e abster-se de introduzir novos subsídios desse tipo, reconhecendo que o tratamento especial e diferenciado adequado e eficaz para os países em desenvolvimento e os países menos desenvolvidos deve ser parte integrante da negociação sobre subsídios à pesca da Organização Mundial do Comércio
Até 2030, aumentar os benefícios económicos para os pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países menos desenvolvidos, a partir do uso sustentável dos recursos marinhos, inclusive através de uma gestão sustentável da pesca, aquicultura e turismo
Aumentar o conhecimento científico, desenvolver capacidades de investigação e transferir tecnologia marinha, tendo em conta os critérios e orientações sobre a Transferência de Tecnologia Marinha da Comissão Oceanográfica Intergovernamental, a fim de melhorar a saúde dos oceanos e aumentar a contribuição da biodiversidade marinha para o desenvolvimento dos países em desenvolvimento, em particular os pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países menos desenvolvidos
Proporcionar o acesso dos pescadores artesanais de pequena escala aos recursos marinhos e mercados
Assegurar a conservação e o uso sustentável dos oceanos e seus recursos pela implementação do direito internacional, como refletido na UNCLOS [Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar], que determina o enquadramento legal para a conservação e utilização sustentável dos oceanos e dos seus recursos, conforme registrado no parágrafo 158 do “Futuro Que Queremos”


Objetivo 15: Proteger a Vida Terrestre

Até 2020, assegurar a conservação, recuperação e uso sustentável de ecossistemas terrestres e de água doce interiores e seus serviços, em especial florestas, zonas húmidas, montanhas e terras áridas, em conformidade com as obrigações decorrentes dos acordos internacionais
Até 2020, promover a implementação da gestão sustentável de todos os tipos de florestas, travar a deflorestação, restaurar florestas degradadas e aumentar substancialmente os esforços de florestação e reflorestação, a nível global
Até 2030, combater a desertificação, restaurar a terra e o solo degradados, incluindo terrenos afetados pela desertificação, secas e inundações, e lutar para alcançar um mundo neutro em termos de degradação do solo
Até 2030, assegurar a conservação dos ecossistemas de montanha, incluindo a sua biodiversidade, para melhorar a sua capacidade de proporcionar benefícios que são essenciais para o desenvolvimento sustentável
Tomar medidas urgentes e significativas para reduzir a degradação de habitat naturais, travar a perda de biodiversidade e, até 2020, proteger e evitar a extinção de espécies ameaçadas
Garantir uma repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos e promover o acesso adequado aos recursos genéticos
Tomar medidas urgentes para acabar com a caça ilegal e o tráfico de espécies da flora e fauna protegidas e agir no que respeita tanto a procura quanto a oferta de produtos ilegais da vida selvagem
Até 2020, implementar medidas para evitar a introdução e reduzir significativamente o impacto de espécies exóticas invasoras nos ecossistemas terrestres e aquáticos, e controlar ou erradicar as espécies prioritárias
Até 2020, integrar os valores dos ecossistemas e da biodiversidade no planeamento nacional e local, nos processos de desenvolvimento, nas estratégias de redução da pobreza e nos sistemas de contabilidade
Mobilizar e aumentar significativamente, a partir de todas as fontes, os recursos financeiros para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade e dos ecossistemas
Mobilizar recursos significativos, a partir de todas as fontes, e em todos os níveis, para financiar a gestão florestal sustentável e proporcionar incentivos adequados aos países em desenvolvimento para promover a gestão florestal sustentável, inclusive para a conservação e o reflorestamento
Reforçar o apoio global para os esforços de combate à caça ilegal e ao tráfico de espécies protegidas, inclusive através do aumento da capacidade das comunidades locais para encontrar outras oportunidades de subsistência sustentável


Para pensar nas dificuldades que a implementação destes dois objectivos tem enfrentado, atente-se na seguinte entrevista de Clara Barata a Miguel Bastos Araújo, em 2022:

Título:
Biodiversidade: “A responsabilidade de preservar é global, a propriedade é local”
Sub título:
O maior desafio não será classificar 30% do planeta como área de conservação, mas fazer cumprir essa protecção, defende o investigador Miguel Bastos Araújo, sobre o resultado da COP15.

É mais difícil concentrar atenções na perda da biodiversidade e na necessidade de a proteger do que sintonizar as pessoas para o problema das alterações climáticas. “Nas cimeiras do clima, temos uma mensagem muito simples: não queremos aumentar a temperatura X, não queremos que as concentrações de dióxido de carbono (CO2) sejam y. Em matéria de biodiversidade, não há uma métrica única”, explica Miguel Bastos Araújo, professor catedrático de Biodiversidade na Universidade de Évora, ao comentar o acordo que saiu da 15.ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica (COP15), em Montreal.
O investigador lembra que os dados de 2019 indicam que "gastamos 540 mil milhões de dólares em subsídios perversos, que destroem a natureza” e constata que falta uma mensagem simples que traduza a urgência da crise da biodiversidade – como o alerta de que o aquecimento global não pode ultrapassar 1,5 graus, pois a partir daí as alterações climáticas tornam-se perigosas e irreversíveis. “Não é uma coisa que se possa dizer numa simples frase que as pessoas recordem depois em casa”, frisa o cientista que ganhou o Prémio Pessoa de 2018.
E o acordo feito em Montreal será mesmo histórico, a fazer o mundo concentrar-se no problema da natureza que se está a extinguir? “Ainda é cedo para o dizermos”, avança Miguel Bastos Araújo.

Conseguiu-se um acordo histórico na Conferência da Convenção da Biodiversidade em Montreal, como foi dito?
Ainda é cedo para dizermos se é um acordo histórico. Pessoas que estiveram nas negociações diziam que que não sabiam se seria o equivalente ao Acordo de Paris para a Biodiversidade ou o fracasso da COP do clima Copenhaga. Possivelmente, será algo entre os dois. A verdade é que, se olharmos para trás, já houve dois períodos com metas [para a biodiversidade]: para 2010, e as metas de Aichi, para 2020, e a avaliação em ambos os casos foi extremamente negativa. Em relação às 23 metas de Aichi, nenhuma foi cumprida integralmente.
Agora, há novas metas, mas o acordo não é vinculativo. Um dos problemas anteriores é que não havia mecanismos obrigatórios de monitorização das metas. Ainda que agora estejam previstos mecanismos de monitorização, são voluntários.
Uma das grandes dificuldades com todos os acordos de biodiversidade, comparativamente aos do clima, é que nas cimeiras (COP) do clima, temos uma mensagem muito simples. Não queremos aumentar a temperatura X, não queremos que as concentrações de CO2 sejam Y. Em matéria de biodiversidade, não há uma métrica única.
Em 2010, tentou-se frisar a questão da extinção das espécies. Mas documentar a extinção das espécies é muito difícil, porque é o desaparecimento do último indivíduo de uma determinada espécie. Já houve até casos, por exemplo, na Costa Rica, com alguns anfíbios, que foram documentadas como extintas, porque já não eram vistas há muitos anos, e foi publicado em revistas como a Nature, e passado uns anos, a espécie voltou a aparecer.
Por outro lado, são múltiplas variáveis. Se nos detivermos nas [23] metas que foram acordadas, são multivariadas. Não é uma coisa simples, como vamos reduzir as emissões de CO2. Isso não seria um problema se nós não vivêssemos num mundo muito mediatizado.
Mas o sucesso de muitas políticas tem a ver com a sua mediatização e com a capacidade de angariar apoios. E não é fácil comunicar uma política que tenha 20 métricas e todas elas com um certo grau de independência face às outras. Portanto, é preciso meia hora, uma hora, para as explicar. Não é uma coisa que se possa dizer numa simples frase que as pessoas recordem depois em casa.

É só uma questão de mensagem?
Há uma dificuldade estrutural que até é mais séria, que é o facto de a maior parte da biodiversidade do planeta, cerca de 70%, ocorrer em 17 países, os países chamados “megadiversos”. Esses países são quase todos nos trópicos, na maior parte dos casos são democracias muito frágeis ou ditaduras. São pobres, com poucos recursos. Não estão dispostos a gastar dinheiro a preservar o que nós podemos classificar como um bem público de cariz internacional. Portanto, exigem que isso seja financiado pelos países desenvolvidos.
Acontece que os países desenvolvidos, que são democracias, também têm dificuldade em enviar grandes quantidades de dinheiro, até porque têm de o justificar perante os seus eleitores. Ao menos tem de haver a garantia de que o dinheiro enviado é usado para cumprir os objectivos.
Mas todos sabemos que em países onde os sistemas de governação são muito frágeis, existem níveis de corrupção extremamente elevados e é muito difícil acompanhar como e onde é que os recursos foram gastos. Por isso, existe alguma reticência em relação a transferências muito grandes de verbas para os países do Sul.
Esta dualidade faz com que seja, de facto muito complicado ter algum optimismo face a este acordo.
Mas histórico, penso que é. Há um ano, vi muitas pessoas que estiveram envolvidas nas negociações que me diziam que ia ser pior que Aichi. Portanto, apesar de o desafio ser enorme, as expectativas eram muito baixas, porque havia alguns países que sistematicamente bloqueavam qualquer progresso. Agora, durante a conferência, houve de uma repetição das dificuldades anteriores e a precipitação de uma decisão, de certo modo imposta pela presidência chinesa, que já estava cansada de tantas discussões e deu um murro na mesa e disse 'aprovado o acordo'. Com três países africanos a contestar a decisão final.

A WWF diz que o objectivo de travar e começar a reverter a perda da natureza até 2030 é algo equivalente ao objectivo de limitar o aquecimento global a 1,5 grau do Acordo de Paris. Concorda?
Uma das metas mais fáceis de comunicar é a de preservar 30% do planeta em terra, águas doces e mar até 2030.
Só um pequeno parêntesis para dizer que esta meta de 30%, que pode parecer muito maximalista, é uma versão moderada de um pedido de Edward. O. Wilson, que é um dos fundadores do conceito de biodiversidade, e morreu no fim do ano passado. Um dos seus últimos livros chamava-se Da Terra Metade. O que ele defendia, depois de ter observado como é que a humanidade se comportava face à natureza, e de ver como os nossos esforços de sustentabilidade têm falhado todos, é que temos de reservar metade do planeta, como política de seguro.

O acordo fala em 30% até 2030, e é bom. Uma das poucas políticas de conservação que têm tido sucesso tem sido a expansão de áreas protegidas. Eu ainda me recordo que estive, em 2003, numa conferência na África do Sul, em Durban, onde se assinalou que pela primeira vez [as áreas protegidas] tinham chegado aos 10%. E agora estamos a colocar como objectivo 30%.
Mas isto não é equivalente a preservar efectivamente 30% do planeta, até se fala em parques de papel. Mesmo se olharmos para Portugal, temos 22% do nosso território terrestre protegido, mas a percentagem do território estritamente protegido, gerido de forma primordial para a conservação da natureza e biodiversidade, é apenas de 0,2%. Portanto, há uma diferença muito grande entre uma declaração de boas intenções e a conservação efectiva e integral do território.
É preciso dizer que, também em números de 2019, nós gastamos 540 mil milhões de dólares [508 mil milhões de euros] em subsídios perversos, que destroem a natureza - na pesca, na exploração da floresta, ou na agricultura. Há grandes projectos do Banco Mundial na Somália que estão a destruir territórios virgens.
Mas estou optimista em relação a essa meta, penso que se vai cumprir, mas os maiores desafios não serão a classificação em si, será depois fazer cumprir.

Mas proteger 30% do território é suficiente, para países de grande biodiversidade como o Brasil, por exemplo? Esta meta não pode ser andar para trás?
A natureza pôs os seus ovos em algumas cestas mais do que noutras, e é verdade que temos estes 17 países megadiversos, que têm 70% da biodiversidade. Estes G17 da biodiversidade seriam equivalentes aos G5 do clima: há cerca de cinco países, se considerarmos a União Europeia como um país, que tem 70% das emissões climáticas. Portanto, se quiséssemos resolver o problema do clima, não precisávamos de um acordo entre 192 países, bastaria entre cinco países, que são a China, Estados Unidos, União Europeia e Rússia.
Na biodiversidade não se consegue resolver o problema sem estes 17 países, que têm problemas muito graves do ponto de vista de governação, problemas sociais, económicos. O Brasil, todos sabemos que tem problemas bastante grandes, e na governação de [Jair] Bolsonaro houve um retrocesso evidente face às medidas e aos compromissos internacionais que o Brasil tinha assumido para a conservação da Amazónia. O Presidente eleito Lula da Silva diz que vai inverter essa política.
Mas isto também releva dos problemas de financiar países como o Brasil para protegerem a biodiversidade. A Noruega, por exemplo, injectou quantidades extraordinárias de recursos financeiros na Amazónia brasileira e com Bolsonaro esses acordos deixaram de ser efectivos. Portanto, há aqui um problema que tem a ver com o facto de nós querermos preservar a biodiversidade, que é um bem público internacional, mas o Brasil diz, ‘está bem, vocês querem preservar, mas isto é nosso, é o nosso território, é a nossa biodiversidade’.
E de facto, à luz do direito Internacional, a biodiversidade que existe no Brasil é do Brasil, ainda que seja um bem público internacional. O direito e as instituições internacionais não contemplam este tipo de bens, cuja – eu não diria propriedade, mas cuja responsabilidade é global. A responsabilidade de preservar é global, a propriedade é local. Mas como é que se fazem as transferências de dinheiro para pagar isto, que mecanismos existem para verificar se as verbas estão a ser aplicadas?
Aqui na União Europeia, quando há uma crise e há transferências de verbas que vêm da Comissão Europeia, essa verba é dos países, e há países que dão mais do que outros, mas existem mecanismos extremamente complexos de monitorização, de acompanhamento, de fiscalização como essas verbas. Agora a nível global não existe nada disso.
Portanto, é muito difícil haver mecanismos globais de transferência de verbas sem uma certa... partilha de soberania. Quem diz o Brasil, diz África, ou outra região. Este é um diálogo muito difícil e nas COP tem havido uma posição que é constante: os países do Sul pedem dinheiro para fazer a transição energética, ou para preservar a sua biodiversidade, mas não têm assim tanto interesse na partilha de soberania, o que se entende.

Até que ponto é que o novo fundo para a biodiversidade anunciado pode ser transformador?
É um fundo de 200 mil milhões, onde apenas 20 mil milhões é dinheiro fresco, proporcionado pelos países desenvolvidos até 2025 e 30 mil milhões prometidos até 2030. Acontece que Mecanismo Ambiental Global (GEF, na sigla em inglês), que vai gerir esta verba, já tem um orçamento de 138 mil milhões, em valores de 2019. Portanto, não é que de repente vá haver 200 mil milhões novos. Tudo isto é a somar aos 138 mil milhões que já existem no GEF.
Acredito que a União Europeia, que já tem mecanismos de controlo e que pode eventualmente reforçá-los, para tentar assegurar convergência de políticas. No fundo, é a ideia de que não pode haver várias políticas desconexas, têm todas que remar na mesma direcção. Não pode haver uma política para destruir a biodiversidade e uma política para conservar a biodiversidade, porque estamos a gastar dinheiro em vão.

Quais as implicações deste acordo sobre a biodiversidade para Portugal?
Portugal já está obrigado a cumprir a Estratégia Europeia de Biodiversidade, que inspirou este acordo. A União Europeia levou para cima da mesa os seus compromissos, os 30% de conservação, por exemplo. Todos os objectivos de restauro ecológico constam da Estratégia Europeia de Biodiversidade.
Portugal já tem um grande desafio pela frente, que é cumprir a Estratégia Europeia de Biodiversidade integralmente. Ao fazê-lo, estará também a cumprir este acordo internacional, tirando eventualmente a questão do financiamento desse novo fundo, é possível que alguns países como Portugal tenham algumas obrigações a esse nível. Mas em termos do que são as metas de conservação, está tudo escrito na Estratégia Europeia de Biodiversidade, tem todas as metas quantificadas.

Quais serão os maiores desafios para Portugal cumprir a Estratégia Europeia de Biodiversidade?
Penso que o desafio dos 30% será o mais simples. Nós temos cerca de 22% que já estão conservados. Mais difícil será cumprir um outro objectivo que está associado a este, que é conservar 10% do território de forma estrita. Há pouco disse que preservamos só 0,2%. Num território como o português, que é maioritariamente de propriedade privada, não é fácil impor uma conservação estrita. Porque se for feito sem nenhum tipo de compensação económica, é uma espécie de expropriação à força, sem compensação.
Isso coloca algumas dificuldades, mas penso que o Estado está consciente. Uma solução, evidentemente, é o Estado adquirir áreas – isto não é uma medida comunista, nos Estados Unidos as áreas protegidas são públicas, na maior parte dos casos. Podem ser geridas por privados, mas a propriedade é pública. Portanto, se estamos a gerir um território cujo valor é assumidamente um bem público, não é crime que seja propriedade do Estado, pelo contrário. Mas estamos muito longe de chegar a esse objectivo e até chegar lá, temos que abraçar a criação de mecanismos de compensação e pode haver incentivos também à criação de áreas protegidas privadas, municipais e cooperativas. Portanto, há muitas outras figuras que podem ajudar a cumprir o objectivo dos 10% de conservação estrita, que é de facto difícil.


Neste blogue, os dezassete Objectivos do Desenvolvimento Sustentável foram genericamente apresentados na mensagem «0080».
Depois foi feita uma apresentação específica, com um comentário, aos seguintes objectivos: erradicar a pobreza (mensagens «0154», «0196» e «0206»), erradicar a fome («0157»), saúde de qualidade («0169»), educação de qualidade («0176»), igualdade de género («0178»), água potável e saneamento  («0239»), energias renováveis e acessíveis («0244»), trabalho digno e crescimento económico («0267»), indústria, inovação e infraestruturas («0275»), reduzir as desigualdades («0294»), cidades e comunidades sustentáveis («0314»), produção e consumo sustentáveis («0324») e acção climática («0334»).


Fonte: Barata (2022, no jornal «Público»)

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

[0338] Cubismos

Pablo Picasso (1881-1973):

Três Mulheres, 1908 (óleo sobre tela; 200 x 178 cm)

Georges Braque (1882-1963):

Casas em L`Estaque, 1908 (óleo sobre tela; 73 x 60 cm)

Jean Metzinger (1883-1956):

As Banhistas, 1912 (óleo sobre tela; 148 x 106 cm)

Lyonel Feininger (1871-1956):

Lago da Cidade de Gelmeroda (óleo sobre tela; 86 x 112 cm)

Mãe Terra (desde há 4,6 mil milhões de anos):

Cristal de Fluorite roxa


Fontes: livro de Ganteführer-Trier (2005) e sugestão de Eva Maria Blum (acerca do quadro de Feininger no Städel de Frankfurt am Main)

Fotografias: acedidas via pesquisa no Google (e Wikipédia para o cristal de Fluorite)

Vídeo com documentário sobre Feininger: procurar “Un artiste entre deux mondes” (canal Arte)

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

[0337] A Ponte de Leonardo

Sim, trata-se de mais uma das ideias de Leonardo da Vinci (1452 – 1519)!

A ponte, pensou o seu inventor, não deveria precisar de pregos, nem de cordas, devendo sustentar-se por gravidade e pelo atrito entre as suas peças.

Eis o esboço feito por Leonardo:


As peças necessárias são de dois tipos, as longitudinais (estão cor laranja no desenho seguinte) e as transversais (são as bolinhas brancas, de que vemos apenas a sua secção):


E o resultado final, em modelo reduzido, é este:



S
erá que esta ponte é construtivel?
É! Veja-se o seguinte exemplo:



Imagens:
Blogue de Gianfranco Bo (mensagem acessível em https://blogdimatematicaescienze.it/il-ponte-autoportante/ )
Página de Engeneering X no Facebook (https://www.facebook.com/engineeringexploration/posts/pfbid0T3V6FVceQZoViVwUvZsZUfekGktoDgLq3H4XrYPj2RSXdG4Roe3s5uPtGF3uYZhfl)

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

[0336] Haverá mesmo 9 milhões de bicicletas em Pequim?

Tratar-se-á tal número, deste instrumento quotidiano, naquele preciso sítio, de:

um facto indesmentível?
um conhecimento estatístico (possivelmente já não actualizado)?
uma aproximação razoável que podemos usar numa conversa?
um palpite de viajante que se interroga?
ou uma mera crença de quem nunca esteve na China?

O que é a realidade, mesma se apenas nos referirmos à «realidade objectiva»?
E como podemos descrever a «realidade subjectiva» e a sua interacção com a «realidade objectiva»??

A resposta de Katir Melua, em Nine Million Bicycles (álbum «Piece by Piece», lançado em 2005) foi esta:

There are nine million bicycles in Beijing
That's a fact
It's a thing we can't deny
Like the fact that I will love you till I die

We are twelve billion light years from the edge
That's a guess
No one can ever say it's true
But I know that I will always be with you
I'm warmed by the fire of your love everyday
So don't call me a liar
Just believe everything that I say

There are six billion people in the world
More or less
And it makes me feel quite small
But you're the one I love the most of all

We're high on the wire
With the world in our sight
And I'll never tire
Of the love that you give me every night

There are nine million bicycles in Beijing
That's a fact
It's a thing we can't deny
Like the fact that I will love you till I die

And there are nine million bicycles in Beijing
And you know that I will love you till I die!

Para quem quiser ouvir estas palavras cantadas (depois de aturar um pouco de publicidade): 
https://www.youtube.com/watch?v=rrPUJsZQSkw


quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

[0335] Platibandas, Etnologia e Geometria

As platibandas são uma forma de encimar alguns edifícios, geralmente baixos.


Não sendo exclusivas do Algarve, é aí que se tornaram, de 1870 a 1970, um forte meio de expressão etnológica, em particular no barrocal (a faixa que separa o litoral algarvio da serra).
Situadas no topo frontal de cada edifício, afirmam-lhe a individualidade, em detrimento da solidariedade com os edifícios confinantes.

Geometricamente, as platibandas são objectos finitos, contrariamente aos frisos, que são idealizados como infinitos.
A maior parte das platibandas são simétricas, ou em relação a um espelho vertical, ou a um espelho horizontal, ou a ambos.

Fonte: livro de Costa, Correia, Tojal, Prista e Palma (2020)
Imagem: capa do livro

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

[0334] O Sobre o décimo terceiro Objectivo do Desenvolvimento Sustentável: Acção Climática

Trata-se de um objectivo que tem estado particularmente em foco nos últimos anos.

Em https://unric.org/pt/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel ele foi-nos apresentado assim:

Objetivo 13: Ação Climática
Reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação a riscos relacionados com o clima e as catástrofes naturais em todos os países
Integrar medidas relacionadas com alterações climáticas nas políticas, estratégias e planeamentos nacionais
Melhorar a educação, aumentar a consciencialização e a capacidade humana e institucional sobre medidas de mitigação, adaptação, redução de impacto e alerta precoce no que respeita às alterações climáticas
Implementar o compromisso assumido pelos países desenvolvidos na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas [UNFCCC, em inglês] de mobilizarem, em conjunto, 100 mil milhões de dólares por ano, a partir de 2020, a partir de variadas fontes, de forma a responder às necessidades dos países em desenvolvimento, no contexto das ações significativas de mitigação e implementação transparente; e operacionalizar o Fundo Verde para o Clima por meio de sua capitalização o mais cedo possível
Promover mecanismos para a criação de capacidades para o planeamento e gestão eficaz no que respeita às alterações climáticas, nos países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares em desenvolvimento, e que tenham um especial enfoque nas mulheres, jovens, comunidades locais e marginalizadas
Reconhecer que a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas é o principal fórum internacional, intergovernamental para negociar a resposta global às alterações climáticas

No entanto, em 2017, cerca de 15 mil cientistas de 184 países publicaram um artigo na revista «BioScience», conhecido como o «Segundo Aviso dos Cientistas à Humanidade», em que descrevem, conforme descrito num jornal, como estando “em curso danos ambientais «irreversíveis» e «substanciais» na Terra. Algumas das principais destruições (muitas provocadas por nós) são a crescente extinção de espécies, a desflorestação, o aumento da temperatura ou das emissões de dióxido de carbono (CO2).”
O Primeiro Aviso, intitulado «Alerta dos Cientistas do Mundo à Humanidade»foi assinado, em 1992, por 1700 cientistas de todo o mundo (muitos deles premiados com o Nobel) e publicado na revista da organização «Union of Concerned Scientists». Nele se lê: “Os seres humanos e o mundo natural estão em colisão. As actividades humanas causam danos severos e, por vezes, irreversíveis no ambiente e nos recursos.” E se enumera uma série de danos ao planeta, se sugerem passos a seguir e se pede que os países desenvolvidos ajam com urgência e reduzam o seu “superconsumo”.
O Segundo Aviso envolveu mais cientistas e apresentou dados preocupantes sobre a evolução havida desde 1992: a redução de 26% na quantidade de água doce disponível per capita; a queda na captura de peixe selvagem, apesar do crescimento do esforço de pesca; o aumento de 75% do número de zonas mortas nos oceanos; a perda de 121 milhões de hectares de floresta, muitos convertidos para a agricultura; o aumento contínuo e significativo nas emissões globais de CO2 e nas temperaturas médias do planeta; um aumento de 35% da população humana; e a redução de 29% nos mamíferos, répteis, anfíbios, aves e peixes. “Além disso, desencadeámos uma extinção em massa, a sexta em cerca de 540 milhões de anos, em que muitas formas de vida actuais podem ser aniquiladas ou condenadas à extinção até ao final do século”, assinala-se no artigo.

Eis quatro dos gráficos que resumem algumas destas preocupações:


Ilustrando as preocupações com o «superconsumo», o jornal «Guardian» divulgou um relatório da «Oxfam» onde se atribui aos 77 milhões de pessoas mais ricas do mundo (onde se incluem bilionários e milionários, mas também os que ganham mais de 128 mil euros por ano) a responsabilidade por 16% do total das emissões de CO2 ao longo do ano de 2019. Estas emissões terão sido responsáveis por mais de um milhão de mortes devido ao calor, cálculo feito a partir da fórmula usada pela agência norte-americana de proteção do ambiente (EPA), que atribui um excesso de mortalidade de 226 pessoas por cada milhão de toneladas de carbono.
O uso intensivo do ar condicionado pelas pessoas mais ricas protegem-nas das alterações climáticas, que provocou emissões de 5,9 mil milhões de toneladas de CO2 em 2019. A pessoa mais pobre do mundo precisaria de 1.500 anos para conseguir causar o mesmo nível de emissões que o bilionário mais rico produz num ano.

Neste blogue, os dezassete Objectivos do Desenvolvimento Sustentável foram genericamente apresentados na mensagem «0080».
Depois foi feita uma apresentação específica, com um comentário, aos seguintes objectivos: erradicar a pobreza (mensagens «0154», «0196» e «0206»), erradicar a fome («0157»), saúde de qualidade («0169»), educação de qualidade («0176»), igualdade de género («0178»), água potável e saneamento  («0239»), energias renováveis e acessíveis («0244»), trabalho digno e crescimento económico («0267»), indústria, inovação e infraestruturas («0275»), reduzir as desigualdades («0294»), cidades e comunidades sustentáveis («0314») e produção e consumo sustentáveis («0324»)

Fontes: artigo de Serafim (2017 b), no jornal «Público»; e artigo no sítio Esquerda (20 de Novembro de 2023) https://www.esquerda.net/artigo/elite-poluidora-causa-mais-emissoes-que-os-dois-tercos-mais-pobres/88532

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

[0333] Três tipos de relógio de Sol

No Parque do Tempo do Planetário da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), estado de Rio Grande do Sul (Brasil), existem três relógios de Sol, representados no seguinte figura:

Da direita para a esquerda:

Relógio de Sol Equatorial e Horizontal

Foi inaugurado no 40º aniversário da UFSM (que foi fundada em 14 de Dezembro de 1960) e idealizado por Francisco José Mariano da Rocha, então director do Planetário, e projectado por Hugo Gomes Blois Filho, professor de Arquitectura e Urbanismo, em parceria com Débora Sartori, na época estudante do mesmo curso.
É composto por dois marcadores, um equatorial, em formato circular, e responsável por apresentar o correr das horas, a partir da projecção da sombra de um gnómon (haste perpendicular ao círculo); e outro horizontal, construído no solo, onde também é possível observar o passar das horas pela projecção das sombras.

Relógio solar Intihuatana

Foi inaugurado no 45º aniversário da UFSM e no 34º do seu Planetário.
Trata-se de uma representação da pedra inca encontrada no ponto mais alto da cidade sagrada de Machu Picchu (Peru). A palavra «Intihuatana» significa, no idioma quechua, «onde se amarra o Sol». A pedra marca as estações do ano por meio da projecção de sombras na parte superior do monumento (o gnômon),
Esta pedra permite determinar a passagem meridiana, instante em que os astros atingem a máxima altura. Também marca os equinócios, dias do ano em que dia e noite têm exactamente a mesma duração – início do Outono e início da Primavera.

Relógio Solar Tupi-Guaraní

Tem por base um estudo realizado em 1991por investigadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e foi inaugurado no 50º aniversário da UFSM.
A equipa que efectuou o estudo analisou um monólito vertical, encontrado num sítio arqueológico situado nas margens do Rio Iguaçu, concluindo que tinha quatro faces talhadas artificialmente, apontando para os quatro pontos cardeais Norte, Sul, Leste e Oeste. As duas faces menores apontavam na direcção Norte-Sul e as maiores apontavam para a direcção Leste-Oeste. Além disso, em torno do monólito havia uma circunferência e alguns alinhamentos de rochas menores que, partindo dele, aparentemente indicavam os pontos cardeais e as direcções do nascer e do pôr-do-sol nos solstícios e equinócios.
Na versão construída na UFSM, o monólito vertical é de alvenaria, com 1,50 metros de altura. E as pedras de basalto, distribuídas ao redor do monólito, marcam as linhas Norte-Sul, Leste-Oeste, além do nascer e do pôr do sol nos solstícios de Verão e Inverno.

É possível ver uma animação do passar das horas nestes três relógios em:
https://www.ufsm.br/midias/arco/voce-sabia-que-existem-tres-tipos-de-relogios-do-sol-na-ufsm

Eis uma pequena história sobre relógios de Sol história contada por um antropólogo: “Há anos algures na Madeira um camponês contou-me que «antigamente» quando estavam a trabalhar no campo e queriam saber a aproximação da hora em que chegaria a água de rega, liam o tempo pela sombra do cabo de uma enxada que deixavam propositadamente de pé sobre a lâmina. Engenhoso. Nunca vi. Só me contaram. Nos dias nublados ...!?

Que acontece à sombra desta enxada, se for colocada sobre um plano infinito sobre o qual o Sol passa, de Leste para Oeste?

A extremidade da sombra vai-se deslocando de Oeste para Leste, havendo um momento em que o seu comprimento é mínimo (a amarelo, na imagem), momento que corresponde ao «meio-dia solar».
Este modelo é uma primeira aproximação do que se passa na realidade. De facto, a Terra não é plana, mas esférica; e o Sol aparenta circular em volta dela. Mas, para as principais horas do dia, esta simplificação serve.

Se em torno da base enxada fosse desenhado um pequeno rectângulo e aí construído um relógio de Sol, ele seria do
tipo Horizontal.
Existem outras duas possibilidades principais de construir relógios de Sol: o tipo Vertical, muito frequente em edifícios públicos, encontra-se, por exemplo, numa na Igreja do Seixal (primeira fotografia inserida abaixo); e o tipo Equatorial (pois o plano onde a sombra é projectada é paralelo ao equador terrestre), que é mais raro, tanto pode ser exemplificado pelo que existe na UFSM (ver figura acima) como pelo que existe nas margens do Meno, em Frankfurt (segunda fotografia abaixo):




Outra mensagem sobre «relógios de Sol: ver «0170»

Fontes: https://www.ufsm.br/midias/arco/voce-sabia-que-existem-tres-tipos-de-relogios-do-sol-na-ufsm (para a UFSM); Jorge Freitas Branco (antropólogo que contou a história da enxada-que-é-relógio-de-Sol)

Fotografias: Eva Blum (Seixal, 30 de Dezembro de 2022) e Pedro Esteves (Frankfurt am Main, 8 de Abril de 2008)