quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

[0308] Um passeio, uma memória

No Parque do Monsanto, em Lisboa, quem segue, na direcção do Poente, pela estrada que passa em frente ao Skatepark depara-se com uma curva invulgar. Nesta fotografia ela já é visível, lá ao fundo, fazendo um apertado ângulo de 90º, para a esquerda:

Foto de Eva Maria Blum

Imaginem que, em vez de andarem a pé por esta estrada, conduzem um «Fórmula 1» a cerca de 150 quilómetros por hora …
Imaginá-lo não é uma fantasia: é que isso já aconteceu!
Na tarde do dia 23 de Agosto de 1959, um Domingo, este pedaço de estrada fez parte do Circuito do Monsanto, uma das provas do calendário do Campeonato Mundial dos Pilotos de Fórmula 1!

Com uma extensão de 5,440 quilómetros, este circuito passava pela Auto-estrada (a actual A5) e por várias das estradas do Monsanto:

O circuito (a amarelo), sobre um mapa actual
E a curva referida acima (seta vermelha)

O vencedor deste circuito, Stirling Moss, conduzindo um Cooper-Climax T51, precisou de 2 horas 11 minutos e 55,41 segundos para completar as suas 62 voltas , à média de 153,39 km por hora. E já tinha sido dele a volta mais rápida, em 2 minutos e 5,07 segundos.
Participou neste circuito um piloto português, Mário Araújo Cabral, num Cooper-Maserati T51, que concluiu a corrida em 10º lugar.


Imagens da época

Esta corrida fez parte do 10º Campeonato Mundial dos Pilotos de Fórmula 1.
Stirling Moss ganhou-a, mas não foi campeão do mundo, nem neste ano, nem em nenhum outro. O título de 1959 foi para o australiano Jack Brabham, que também correu num Cooper.
O italiano Nino Farina tinha sido o primeiro campeão, em 1950, correndo num Alfa Romeo.
Depois, o argentino Juan Manuel Fangio foi campeão em 1951, 1954, 1955, 1956 e 1957, correndo em diferentes carros: Alfa Romeo, Maserati, Mercedes e Ferrari.
Os títulos de 1952 e de 1953 foram para o italiano Alberto Ascari, que correu num Ferrari.
E em 1958 o campeão foi o inglês Mike Hawthorn, num Ferrari.

Desde há muitos anos que não aprecio corridas de automóveis – qualquer corrida de automóveis (talvez goste um pouco dos «carrinhos de choque», nas feiras populares). Mas em 1959, com 13 anos acabados de fazer, achei muita piada a esta corrida: integrado numa «delegação familiar», encontrava-me entre os espectadores que assistiam ao Circuito do Monsanto do alto da «curva dos 90º”, que, há dias, percorri a pé!

Fonte (texto e imagem): Wikipédia (em português); e ainda
https://thebestmotors.wordpress.com/2015/04/08/grande-premio-de-portugal-de-f1-1959/

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

[0307] Factos e argumentos sobre a Educação (II): a «meritocracia» versus o «bem comum»

Num seu recente livro, A Tirania do Mérito, o filósofo Michael J. Sandel procede a uma crítica implacável da centralidade que a noção de «mérito» ganhou na nossa sociedade. Como pano de fundo dessa crítica está a pergunta que serve de subtítulo ao livro: O Que Aconteceu ao Bem Comum?


No início desta sua crítica, Sandel esclarece que não é, em absoluto, contra o «mérito»: quando pretendemos um serviço, como o de canalizador ou o de dentista, é importante que a pessoa escolhida para o desempenhar seja competente; e será justo que um bom candidato não seja rejeitado a favor de um menos bom, devido a preconceitos, raciais, religiosos, sexistas, ou outros.

Quais são, então, os «argumentos» de Sandel contra o «mérito»?

O seu argumento central é o seguinte: se os meritocratas estão contra os “benefícios” proporcionados a quem nasceu “no seio de uma família rica”, por que razão defenderão eles que os cargos, as boas remunerações e a fama sejam atribuídos a outras “ circunstâncias afortunadas – tais como possuir um dom natural”, por exemplo artístico, ou desportivo? Que direito tem alguém a reclamar benefícios pelos “talentos” e “capacidades” que possui se eles coincidem, “por acaso”, com aqueles que a sociedade onde nasceu valoriza?
Claro que o “esforço” para desenvolver esses dons também importa, continua Sandel, “pois ninguém, por muito talentoso que seja, alcança o sucesso a menos que faça um esforço para cultivar os seus talentos”. Por isso, os meritocratas gostam de enfatizar a importância do esforço, afirmando que, “nas condições certas”, e desde que se esforce, cada pessoa é responsável pelo seu “sucesso”, ou seja, dispõe da “liberdade” de que precisa para o alcançar. Mas … “o esforço não é tudo.”

A visão meritocrática, diz Sandel, já foi, historicamente, enunciada por Confúcio (a governação deveria ser entregue aos que se “destacavam em termos de virtude e de capacidade”), por Platão (o governo deveria estar nas mãos de “um rei-filósofo apoiado por uma classe de guardiães orientados para o bem comum”), por Aristóteles (“as pessoas de mérito deveriam ter maior influência nos assuntos públicos”) e, recentemente, por Thomas Jefferson (o governo deveria ser entregue a “uma «aristocracia natural» baseada na «virtude e no mérito»”, em vez de a “uma «aristocracia artificial fundada na riqueza e no nascimento»”). No entanto, acrescenta Sandel, esta “ligação entre mérito e juízo moral» tem vindo a ser rejeitada pela actual “versão tecnocrática da meritocracia”.

Em que se baseiam os actuais meritocratas? Escreve Sandel: “Em cada época, políticos e líderes de opinião, publicistas e anunciantes publicitários recorrem a uma linguagem valorativa de julgamento para fins de persuasão. Tal retórica baseia-se habitualmente em opostos de valoração: justo versus injusto, livre versus não livre, progressivo versus reaccionário, forte versus fraco, aberto versus fechado. Nas últimas décadas, em paralelo com a crescente influência dos modos meritocráticos de pensar, o contraste valorativo predominante tem sido o de inteligente versus estúpido.”
Ora, conclui Sandel, “Quanto mais o exercício da política é visto em termos de «inteligente versus estúpido», mais se defende que as decisões devem ser tomadas por pessoas «inteligentes» (peritos e elites), em vez de se permitir que os cidadãos debatam e decidam que políticas devem ser adotadas.”

Esta evolução de valores na nossa sociedade coloca leva a que se interrogue o papel desempenhado pelas universidades.
Hoje, um “diploma emitido por uma universidade de prestígio” tanto é “o principal meio de mobilidade ascendente” como é “o baluarte mais seguro contra a mobilidade descendente.” Mas a “maioria das atuais universidades, mesmo naquelas que gozam do mais alto prestígio”, não cuidam adequadamente de competências como a “sabedoria prática” e a “virtude cívica”, que são as bases para a “boa governação”. E isso mostra como a “versão tecnocrática da meritocracia” se desliga do “juízo moral”.

Max Weber, antes de esta evolução ter começado, já previra uma das suas mais dramáticas consequências: «O [indivíduo] afortunado raramente se contento com o facto de ser afortunado. Além disso, precisa de saber que também tem direito à sua boa fortuna. Quer estar convencido de que o “merece” e, sobretudo, que o merece em comparação com outros. Quer que lhe seja permitido acreditar que os menos afortunados recebem apenas o que merecem.»
E Michael Young, muitas décadas mais tarde, numa “altura em que o sistema de classes britânico estava a desmoronar-se e a dar lugar a um sistema de desenvolvimento educativo e profissional baseado no mérito”, previu que esta mudança iria gerar a “arrogância” dos afortunados e o “ressentimento” de todos os outros. E é este ressentimento, diz Sandel, que está hoje na base dos diversos populismos.

Como último argumento, Sandel defende que a inversão dos efeitos da «arrogância» e do «ressentimento» seja fundamentada num “bem comum” que olhe para o “nosso papel como produtores e não como consumidores”, contrariamente que fazem os “defensores da globalização baseada no mercado”. E, para o ilustrar, cita (entre outros) James Truslow Adams^, que sonhava com

uma ordem social em que cada homem e cada mulher são capazes de alcançar a expressão mais completa daquilo de que são naturalmente capazes, e ser reconhecidos por outros por aquilo que são, independentemente das circunstâncias fortuitas de nascimento ou posição.

Nota: a ordem de apresentação dos argumentos de Sandel, e a sua valorização relativa, são minhas, não são forçosamente as do autor

Fonte: livro de Sandel (2022; pp. 22, 37-38, 40, 42, 52, 110-111, 119, 126, 147-149, 243, 249 e 262)

Imagem: capa do livro de Sandel (2022)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

[0306] Magia: amendoins que desaparecem mesmo debaixo dos nossos olhos!

Nos últimos dias as redes sociais fizeram-me chegar, repetidamente, um vídeo muito interessante, produzido com um mínimo de recursos: uma folha de papel, na qual tinham sido desenhados, com régua e caneta, treze quadrados; vinte amendoins dispostos criteriosamente nesses quadrados; duas pessoas, uma que mexe os amendoins de quadrado para quadrado e uma outra de que apenas ouvimos as respostas às perguntas da primeira; e talvez um telemóvel, para gravar o que se passou.

O que é mostrado no vídeo?

Inicialmente, os quadrados e a distribuição dos amendoins, que são os que a seguinte figura mostra.
Ouve-se a Primeira Pessoa perguntar Quantos amendoins estão em cada um dos quatro lados e ouvem-se as respostas da Segunda Pessoa, sempre iguais a Seis (tal como registei, a azul, na figura):


Após as primeiras deslocações de amendoins, feitas pela Primeira Pessoa (estão assinaladas a vermelho), o panorama fica assim (e o número de amendoins em cada um dos lados continua a ser Seis, responde a Segunda Pessoa):


A Primeira Pessoa procede então às segundas deslocações de amendoins:


E às terceiras deslocações:


E, por fim, procede às últimas deslocações de amendoins:


Então, pergunta a Primeira Pessoa, como se manteve a «soma seis», tendo os quatro amendoins do quadrado central desaparecido?

Que se passou, afinal?

Três pistas, para aqueles cuja persistência for suficiente: calculem o total de amendoins nas cinco figuras; observem a sua diferente distribuição entre a primeira e a última figura; reparem que os amendoins situados num vértice são duplamente adicionados pela Segunda Pessoa, pois há dois lados que nele confluem.

Boas reflexões …!

Desenhos: Pedro Esteves