quinta-feira, 28 de setembro de 2023

[0329] Três problemas de Matemática formulados no barrocal algarvio

A aldeia da Nave do Barão situa-se no barrocal algarvio, na freguesia de Salir, concelho de Loulé.


O livro em que os actuais residentes partilham as memórias centenárias desta comunidade inclui três dos desafios matemáticos que João Serra redigiu num caderninho que deixou à sua filha e que colocava a crianças e a jovens da aldeia.
Eis esses desafios:

1. Quanto ovos se partiram?
Uma camponesa foi à praça de Loulé vender ovos mas um polícia sem querer fez cair o cesto num encontrão e os ovos que tinha lá dentro partiram-se todos.
A senhora disse para o polícia … tenha paciência mas vai ter que pagar os ovos com outros tantos ovos.
O polícia perguntou-lhe … então quantos ovos tinha no cesto?
Ela respondeu: Eu sei que contando de dois em dois sobra um, contando de três em três sobram dois, contando de quatro em quatro sobram três, contando de cinco em cinco sobram quatro, contando de seis em seis sobram cinco e contando de sete em sete sobram seis.
Quantos ovos estavam no cesto?

2. Onde se cruzam os carros?
Partiram dois carros ao mesmo tempo para fazer um percurso de 320 km. Um partiu de Lisboa a 120 km à hora e o outro do Algarve a 80 km. Supondo que mantinham a mesma velocidade onde se irão encontrar?


3. O cão galgo e a lebre
Um caçador foi à caça com seu cão, levantou-se uma lebre e o cão correu atrás da lebre. A distância do cão à lebre era 40 saltos do cão, enquanto o cão dava 7 saltos a lebre dava 9 saltos, 3 saltos do cão valia como 5 da lebre. Quantos saltos deu o cão para apanhar a lebre?

Quais as razões pelas quais pessoas que não usam profissionalmente a Matemática gostam de uns «problemas» (e não de outros) e os fazem circular entre amigos e conhecidos?
E que nos dizem essas razões sobre o modo como a Matemática poderá, um dia, ser «melhor» ensinada?

SOLUÇÕES DOS TRÊS PROBLEMAS DE JOÃO SERRA:

No caderninho doado à sua filha João Serra também registou os métodos pelos quais resolveu os problemas que colocou. Não há neles preocupações com formalidades matemáticas, que plausivelmente o autor não dominaria, mas sim uma tendência para aquilo que pode ser designado por «método experimental». Esta é uma escolha não chocaria muitos dos que, ao longo da História, estiveram na origem dos progressos da Matemática …

Problema dos ovos.
O método experimental recorre à comparação dos diferentes conjuntos enunciados pela camponesa.
Se contarmos «de dois em dois» de modo a sobrar sempre «um», teremos o conjunto dos ímpares (excepto o «1»): 3, 5, 7, 9, 11, etc.;
Se contarmos «de três em três» de modo a sobrar sempre «dois», teremos o conjunto 5, 8, 11, etc.; este conjunto tem em comum com o anterior o número «11»:
Contando «de quatro em quatro» de modo a sobrar sempre «três», geramos o conjunto 7, 11, 15, etc.; tal como no caso anterior, ele tem o «11» em comum com os conjuntos já descritos;
Se contarmos «de cinco em cinco» de modo a sobrar sempre «quatro», geramos o conjunto 9, 14, 19, etc.; para descobrirmos um número em comum com os conjuntos anteriores será necessário prolongarmos todos eles até chegarem ao «59»;
Se contarmos «de seis em seis» de modo a sobrar sempre «cinco», geramos o conjunto 11, 17, 23, 29, 35, 41, 47, 53, 59, etc.; até aqui todos estes conjuntos têm em comum o «59»;
A contagem «de sete em sete», de modo a sobrar sempre «seis», é um desafio maior, pois será necessário prolongar todos os conjuntos até «419» (o leitor interessado pode verificar que este número cumpre as condições descritas pela camponesa).

Mas há algo mais a esclarecer: além do «419», também o «839», o «1259», etc. (números separados por «420») cumprem essas condições, pelo que é preciso explicar a «razão» de haver «uma só solução» - ninguém levaria «num cesto» mais do que um número limitado de ovos!

Problema dos dois carros.
A soma das velocidades é 200 km por hora. A esta velocidade, são necessários 96 minutos para percorrer 320 km. Então o carro mais rápido contribuiu com 192 km e o mais lento com 128 km.

Problema do Galgo e da Lebre.
As comparações entre a «dimensão dos saltos» do Galgo e da Lebre (3 do primeiro equivalem a 5 da segunda) e o «ritmo a que os saltos são feitos» (7 do Galgo duram tanto como 9 da Lebre) são difíceis de equacionar matematicamente:
O autor do problema simplificou-o ao admitir que o salto do Galgo é de 2 metros e que o salto da Lebre é de 1,20 metros (a proporção está correcta: 3 x 2 metros = 5 x 1,20 metros).
Mas o que vai decidir a corrida é o ritmo a que Galgo e Lebre correm (o primeiro é mais rápido do que a segunda): a cada 7 saltos do Galgo (equivalentes a 7 x 2 metros = 14 metros corridos) a Lebre corresponde com 9 saltos (equivalentes a 9 x 1,2 metros = 10,8 metros corridos); portanto, em cada «unidade de tempo», o Galgo recupera 14 – 10,8 = 3,2 metros do seu atraso inicial em relação à Lebre.
Então, para recuperar esse atraso, que era de 40 dos seus saltos (ou seja, 40 x 2 metros = 80 metros), o Galgo precisa de 80 : 3,2 «unidades de tempo», o que dá 25 «unidades de tempo». Como em cada uma delas o Galgo dá 7 saltos, o número total de saltos de que precisa para apanhar a Lebre é de 25 x 7 = 175 saltos!
A distância corrida pelo Galgo será de 175 x 2 metros = 350 metros. E a distância corrida pela Lebre será de 25 x 9 x 1,2 = 270 metros, precisamente menos 80 metros do que a do Galgo.

COMENTÁRIO:

Há filósofos da Matemática que defendem que esta disciplina é quasi-experimental: a educação, sobretudo no Ensino Básico, deveria tê-lo em conta!

No testemunho Nº 5 do blogue «Aprendizagens» (ver https://aprendizagens2023.blogspot.com/2023/01/005-o-interesse-pela-resolucao-de.html) há alguns exemplos de problemas trazidos para as aulas por alunos do Ensino Básico.


Fonte (capa e problemas): livro coordenado por Joaquim Guerreiro (p. 107)

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

[0328] Factos e argumentos sobre a Educação (IV): Isaac Asimov e o futuro

Há cerca de quarenta anos, numa recolha de diversas visões sobre o futuro da humanidade, Isaac Asimov (1920 - 1992) descreveu-nos o que então imaginava (ou desejava?) virem a ser os efeitos dos computadores na educação.


Para ele, o conhecimento existente nas bibliotecas poderia ser transformado em conhecimento disponível e pesquisável a partir de terminais dos computadores, devendo os custos ser suportados pelo Estado, já que aprender não é menos importante do que ter segurança pública.
Os professores poderiam propor aos alunos tarefas abertas, o que levaria os alunos a achar tudo mais divertido, a ser criativos, a poderem ensinar uns aos outros e, até, a poderem ensinar aos professores coisas que só eles conheceriam - por as terem pesquisado.

Se os computadores forem programados para «aprender», a partir dos dados que lhe forem fornecidos pelos seus utilizadores, argumenta agora Asimov, eles passarão a ser «máquinas de ensinar». E se as bibliotecas estiverem «automatizadas» e ligadas umas às outras, elas transformar-se-ão numa «biblioteca planetária», à qual as «máquinas de ensinar» estarão ligadas, e que por isso terão acesso a qualquer livro, periódico, documento, gravação ou vídeo nela disponíveis, assim os colocando ao alcance dos utilizadores humanos.
Nada disso, assegura Asimov, eliminaria os professores humanos, pois a aprendizagem exige uma diversidade de formas de interacção.

Portanto, os computadores tanto nos podem livrar de trabalhos repetitivos como nos podem dispensar de muitos dos esforços mentais que até agora têm sido garantidos pelos cérebros humanos. Isso permite-nos dispor de tempo livre para nos divertirmos e para sermos criativos. Em vez de nos preocuparmos com a inevitabilidade de o computador nos poder ganhar no jogo do Xadrez, conclui Asimov, podemos encarar o computador como uma oportunidade para aprendermos a jogar melhor do que jogávamos antes – e o mesmo poderemos fazer em muitos outros campos da nossa vida.

Outras referências a Isaac Asimov neste blogue: mensagens «109» e «311».

Fontes: Asimov (1986; pp. 70-78); Wikipédia

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

[0327] Quebra-cabeças: o célebre «Quinze», de Sam Loyd

O matemático norte-americano Samuel Lloyd (1841-1911) foi sobretudo conhecido como xadrezista e como inventor de quebra-cabeças.

A sua criação mundialmente mais conhecida surgiu por volta de 1870. Na sua versão actual, ela pode ser descrita assim: quinze peças quadradas, numeradas de 1 a 15, estão dispostas aleatoriamente no seguinte tabuleiro:


Como um dos quadrados está por preencher, e como as peças podem deslizar (ou verticalmente, ou horizontalmente), é possível deslocar para o quadrado livre uma das peças que lhe é adjacente, deixando assim outro quadrado por preencher.
Continuando a proceder deste modo, pretende-se ordenar as quinze peças, por exemplo assim:


Loyd ofereceu um prémio de 1000 dólares (que valiam, naquela altura, muito mais do que hoje) a quem conseguisse resolver este quebra-cabeças. Mas ninguém o conseguiu.
Mas a versão comercializada por Loyd tinha, intencionalmente, um problema: os quadrados já estavam ordenados, como na figura anterior, com o «14» e o «15» trocados, sendo objectivo do quebra-cabeças colocá-los na posição certa, o que é impossível!

Fonte: Wikipédia (sobre Loyd); livro de Criton (1997; p. 55)