domingo, 24 de novembro de 2019

[0200] A propósito dos Faróis: a que distância, no Mar, se começa a avistar Terra?

Supondo que a Terra é perfeitamente redonda (e de raio r), que o Observador se encontra ao nível do mar e que aquilo que ele vai observar (por exemplo um Farol) está situado a uma altura h acima do nível do mar:



Aplicando a este esquema o Teorema de Pitágoras vem d2 + r2 = (r + h)2, o que conduz à seguinte solução positiva para a distância d:




Se h e r forem expressos em metros, d também virá expresso em metros.

O matemático Franco de Oliveira simplificou esta fórmula, considerando um valor aproximado para r = 6 500 km e desprezando h2 (por ser muito pequeno em relação a 2hr), obtendo:




em que h está expresso em metros e d em quilómetros.

Este é só o início do problema (e portanto da resolução).
Podemos pretender não a distância entre o Observador e o Farol, mas a distância mais curta que a Embarcação em que se supõe estar o Observador irá percorrer até atingir a base do Farol (será a distância geodésica g). Para isso será necessário calcular o ângulo a (a partir de d / r = tangente de a) e depois o tamanho do arco da geodésica que lhe corresponde.

Podemos querer que o Observador não se encontre ao nível do mar, mas mais acima (no convés da Embarcação, ou no antigo Cesto de Gávea), e então o esquema em que se basearão as deduções e os cálculos será mais complexo:




Que resulta da aplicação da fórmula de Franco de Oliveira ao caso do Farol do Cabo Espichel, tal como referido na mensagem «0199»?
O topo da sua torre óptica está situado a 32 metros, a que se deve acrescer os 136 metros que a falésia tem nesse local. Total = 168 metros.
Então, segundo a fórmula, o Farol será visto a, aproximadamente, a raiz quadrada de 13 x 168, ou seja, usando uma máquina de calcular simples (com os quadradinhos a indicarem as teclas ou grupos de teclas):


… e o ecrã mostra 46,7 (quilómetros, claro).

Muito próximo dos 48 quilómetros que nos informam no próprio Farol ser o seu alcance.

Fonte: artigo, em revista, de Oliveira (1988)

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

[0199] Um farol é um ponto de uma rede de faróis


O Farol do Cabo Espichel situa-se no Sudoeste da Península de Setúbal, um dos locais com registos mais antigos sobre a existência de luzes destinadas a avisar os navegantes. Tal como hoje o conhecemos, este farol foi construído em 1790, tendo sofrido várias reformulações ao longo dos séculos XIX e XX:

Fotografia de Eva Maria Blum (2009)

A sua torre óptica é hexagonal e tem 32 metros de altura. Até 1883 a luz que emitia era fixa e branca, alcançando as 13 milhas marítimas. Actualmente emite luz branca, com «característica» de 4 segundos (0,3 segundos para a «luz» e 3,7 segundos para a «ocultação»), tendo o alcance duplicado (26 milhas marítimas, quase 48 quilómetros).

A grande visibilidade histórica proporcionada por este farol resulta de a base da sua torre óptica se encontrar 136 metros acima do nível do mar; e o seu recente aumento resultou da evolução tecnológica na produção da luz, que lhe aumentou a intensidade (que é inversa ao quadrado da distância).
Apesar de o seu funcionamento ter sido automatizado, este farol ainda precisa de 3 faroleiros residentes, que, de 4 em 4 meses, mudam.

O posicionamento geográfico e a visibilidade de cada farol são articulados com o posicionamento e a visibilidade dos outros faróis, de modo a que uma embarcação, observando as «característica» de vários faróis próximos, possa identificar o seu posicionamento no mar. No Farol do Cabo Espichel está patente ao público que o visita uma Carta da Costa de Portugal, datada de 1927, em que a rede de faróis dessa época mostra o apoio que estes prestavam à navegação:

Fotografia de Eva Maria Blum (2014)

Fontes: artigos jornalísticos de Silva (2005) e de Santana (2008); e visita em 26 de Julho de 2014, no âmbito do programa Ciência Viva no Verão

sábado, 9 de novembro de 2019

[0198] Em que dia da semana aconteceu?


No topo da primeira página da edição de 25 de Abril de 1974 do «Diário de Lisboa», em letras muito pequenas, pode ler-se que este dia correspondeu a uma 5ª feira:


Nesse dia, bem cedo, com metade da semana já passada, todos se preparavam para mais uma jornada de trabalho. Talvez começassem a desejar que o fim-de-semana chegasse e os deixasse com todo o tempo livre. Mas o que aconteceu nesse dia abriu-lhes o caminho da liberdade para muito mais do que o fim-de-semana, tendo sido assim noticiado à tarde:


Terá este dia sido escolhido pelo «Movimento das Forças Armadas» de modo a que as pessoas pudessem sentir e participar na abertura libertadora que lhes era proporcionada?
Tivesse ou não havido essa intenção, é de supor haver muitas outras e importantes razões para escolher um dia como este. Então, por curiosidade, em que dias terão acontecido outras mudanças radicais como esta como o 5 de Outubro de 1910 e o 28 de Maio de 1926?

Theoni Pappas divulgou, num dos seus livros, um algoritmo que permite determinar em que dia da semana a que ocorreram todas as datas dos séculos XIX, XX e XXI. Para o utilizar, são necessárias três tabelas:


As regras a seguir na determinação do dia da semana, aplicadas às três datas referidas, são as seguintes:


Se se vier a confirmar que esta amostra não corresponde a uma excepção, é de admitir que os dias da semana são os preferidos para dar início às grandes mudanças!
Mãos ao trabalho!

Fontes: para o «Diário de Lisboa», o sítio da Casa Comum; e para o algoritmo, o livro de Pappas (1991; p. 159)

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

[0197] Porque não diminui mais radicalmente o nosso insucesso escolar?


Segundo o Ministério da Educação, as nossas escolas retiveram, no final de 2017-18, cerca de 50 mil alunos no Ensino Básico e outros 50 mil no Ensino Secundário. Trata-se de um insucesso escolar muito elevado, apesar de estes números terem sido notoriamente reduzidos em relação aos de há alguns anos atrás.

O nosso insucesso escolar é, segundo uma especialista ouvida pelo jornal «Público»:
massivo”, dado ser um dos mais altos entre os países membros na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico);
selectivo”, pois afecta, sobretudo, alunos provenientes de famílias com baixas qualificações escolares, com piores condições económicas e/ou envolvidas em movimentos migratórios;
precoce”, por se verificar desde os primeiros anos de escolaridade; e
cumulativo”, na medida em que os alunos que são retidos uma vez têm tendência a voltar a ser retidos.

O Ministério da Educação não se tem poupado no lançamento de medidas de combate a este insucesso. Só na última década, implementou a Autonomia e Flexibilidade Curricular e o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, reforçou a Acção Social Escolar e o Desporto Escolar, desafiou uma mão cheia de Agrupamentos de Escolas a integrar, durante três anos, o Projecto-Piloto de Inovação Pedagógica (“dando-lhes mais liberdade para delinear currículos, organizar turmas, estabelecer horários”) e lançou o Apoio Tutorial Específico (destinado aos alunos do 2º e do 3º Ciclos que acumulavam duas ou mais retenções).

Mas não foi apenas o Ministério da Educação a querer estar envolvido neste combate. Um número considerável de instituições financeiramente poderosas têm vindo a formular os seus próprios projectos e a propor apoio às escolas que a eles aderirem: casos, por exemplo, da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Referindo-se aos seus projectos, o Ministro da Educação salientou, recentemente, “que o princípio base destas estratégias é o envolvimento de cada comunidade na construção de soluções mais participadas e mais adequadas ao seu contexto.” O que todos os outros promotores de projectos para que as escolas resolvam o problema do insucesso escolar também se têm apressado a salientar, em relação às suas próprias iniciativas.

É com esta profunda auto-indulgência que o Estado e os Privados têm encarado a Educação nas últimas décadas: estando convencidos de serem quem sabe o que é necessário fazer, concedem às comunidades, às escolas, aos professores e aos alunos a oportunidade de se envolverem e de participarem no que, prévia e superiormente, decidiram por eles. E, pensado assim, e agindo em conformidade, não põem em causa as mais profundas razões para o insucesso escolar:
·      a Uniformidade dos Currículos, pois a flexibilidade curricular apenas permite a implementação do mesmo currículo, de modo a ser avaliado pelo mesmo exame; ela não autoriza a construção de currículos radicalmente diferentes, baseados, por exemplo, nas expressões e nas solidariedades; temos um currículo predominantemente racionalista, e essa é uma das origens do nosso insucesso escolar;
·      o Poder Absoluto dos Directores: num inquérito feito a 25 mil professores pela Federação Nacional de Professores, 93 % não concordaram com a manutenção do actual modelo de gestão das escolas, porque ele concede a uma única pessoa a possibilidade de decidir acerca de quase tudo – que envolvimento e que participação das escolas podem resultar deste controlo dos docentes?
·      o Silêncio das Outras Culturas: as famílias com baixas qualificações escolares, com piores condições económicas e/ou envolvidas em movimentos migratórios também têm uma cultura e, se por vezes não sabem ler, também têm voz para contar o que sabem; aprender a ler e criar hábitos de leitura é importante, é sempre importante, mas é ainda mais importante fazê-lo para se poder afirmar; tal como testemunhou o actor e dramaturgo Ivam Cabral (na mensagem «0193»), “Eu sou filho de uma costureira e de um pedreiro analfabeto que tiveram seis filhos. Éramos muito pobres, vivíamos no interior do país. Mas tudo o que o Ivam não precisava enquanto criança e adolescente era ser incluído. Precisava de acesso a bons livros, a boas escolas, a cultura. Há uma diferença muito grande entre inclusão e acessibilidade. A inclusão contrapõe-se à exclusão. E isso é terrível. Quando se inclui alguém, em geral, apenas se inclui. A acessibilidade dá acesso ao ir e vir. A acessibilidade está numa linha horizontal. Eu dou a possibilidade de alguém conhecer a minha cultura e o que penso, mas quero também conhecer o que ele pensa. Um português que emigrou para Paris nos anos 1970 teve de ser incluído, porque o parisiense não queria saber da cultura dele. Não havia troca. Raramente assimilamos a cultura de alguém que tentamos incluir.

Com esta falta de questionamento, o insucesso escolar pode ir diminuindo … mas tão devagar … e tão tristemente!

Fontes: artigos jornalísticos de Pereira (2019) e de Silva (2019); e entrevistas a Cabral, por Pinto (2019), e a Rodrigues, por Pereira (2019)