quinta-feira, 31 de agosto de 2023

[0326] O planeta, a economia … e as pessoas



Há, neste cartoon, uma ponta de pessimismo.
Gostaria que o actor que nele está nele implícito, as «pessoas», fosse dotado de «alma».
Tal como está pressuposto no breve diálogo, as «pessoas» tanto podem consumir desenfreadamente, como podem recusar-se a fazê-lo. Se apenas procederem assim, a relação que estabelecem com a «economia» é ditada nos termos desta: «consumir». É pouco para as «pessoas»; pois podem fazer mais, e estão a tentar fazê-lo, exigindo que a economia seja outra, virada para aqueles que nela trabalham, e não para aqueles que dela lucram.

E há ainda, neste cartoon, duas relações que estão em falta: entre as «pessoas» e o «planeta»; e entre a «economia» e o «planeta»:

Era bom que não nos esquecêssemos de quanto a maioria de nós ainda gosta de viver neste planeta e que não perdêssemos de vista o modo destruidor com a actual «economia» (e os que dela lucram) o destrói.


Imagem: cartoon de Afonso (2023)

sábado, 26 de agosto de 2023

[0325] Que se escreveu, no «Estado da Nação» (de 2023), sobre a educação?

Este «diagnóstico da educação» foi redigido por Isabel Flores, do ISCTE.


Eis um selecção do que esta académica escreveu:

A grande meta do acesso está hoje alcançada e em Portugal muitos passos foram dados no sentido de garantir o direito à educação, como demonstra a permanência na escola até aos 18 anos e o indicador do abandono escolar. A qualidade das aprendizagens a nível médio é agora comparável com os parceiros internacionais revelando que a apropriação de conhecimento e sua mobilização tem tido também uma evolução positiva para a maioria dos que frequentam a escola.
Temos agora de virar as políticas para o cumprimento das restantes objetivos: desenvolvimento integral; direito à diferença; mobilidade social e oportunidades de construção de um espírito crítico. Portugal continua a ser um dos países em que o estatuto socioeconómico das famílias mais determina o sucesso das aprendizagens. Temos também uma larga percentagem de alunos que chega aos 15 anos com um nível demasiado baixo de competências.
Novos e complexos desafios aconselham a que o sistema de gestão escolar adote conceitos e modelos pedagógicos alternativos. O objetivo maior é construir uma escola em que cada aluno seja distinto. Uma escola potenciadora de uma sociedade mais rica, criativa e produtiva. A escola que queremos no futuro deve moldar as políticas públicas no presente. Em Portugal, pouco poder é ainda confiado às escolas e esta gestão muito centralizada, com políticas iguais para todos os contextos, tem dificuldade em criar mecanismos de adaptação rápida e resposta a necessidades específicas.
Os diretores das escolas portuguesas consideram que o seu poder é muito limitado […] De facto, os professores são colocados através de uma lista ordenada a nível nacional; os salários são tabelados; as rescisões de contrato são muito complicadas; a organização do número de docentes é calculada em função de um rígido número de turmas, com pequenas majorações de crédito horário, a gestão de outros recursos humanos está também fora da esfera dos diretores, o orçamento de uma escola esgota-se nos salários e pouco ou nada sobra para acrescentar outras despesas, e os alunos são colocados de acordo com critérios previamente definidos iguais para todas as escolas.
As áreas onde os diretores reconhecem alguma capa[1]cidade de decisão no seio da escola são partes do currículo e avaliação, no que se refere à avaliação interna.
Por contraste, na República Checa, Países Baixos e Reino Unido, 90% dos diretores declaram ter poder para contratar e despedir os seus professores, são inteiramente responsáveis pela gestão dos seus orçamentos e tomam decisões sobre o currículo e os critérios de avaliação dos alunos. Nestes países, a maioria das decisões que as escolas podem assumir estão inseridas em linhas diretrizes e são discutidas e analisadas a diversos níveis de governança – local, regional e nacional – permitindo chegar a soluções mais robustas e minimizando os riscos de disparidade entre escolas.
O exemplo dos Países Baixos é de realçar. Os diretores não têm de seguir uma regra em relação ao número de alunos por turma, estas podem ter configurações variáveis conforme os assuntos que estão a ser tratados. Os diretores podem delegar nas mãos dos docentes o planeamento das aulas e os conteúdos que são lecionados. A maioria dos docentes opta por não ter um manual e adapta‑se a cada grupo, por vezes lecionando conteúdos distintos a alunos que frequentam a mesma disciplina. O regime de avaliação interna obriga apenas à realização de um exame no final de ciclo. Os professores não estão obrigados a cobrir uma dada quantidade de matéria entre testes. O que é considerado relevante é que os alunos cheguem ao fim de um certo número de anos e consigam aplicar o conhecimento acumulado, sendo a sequência e a forma como são ensinados pouco relevantes, ainda que haja inspeções e as escolas devam responder pelas suas opções. O objetivo é que as escolas consigam olhar para si mesmas e melhorar as suas práticas. O desempenho médio nos testes internacionais é elevado e a relação entre estatuto socioeconómico e aprendizagem é pouco acentuada. A percentagem de comunidades imigrantes tem vindo a crescer nos últimos anos e, por agora, as escolas mostram‑se capazes de responder à diferença.
A evidência vai demonstrando que a decisão de proximidade, com responsabilização, permite respostas de maior qualidade e mais adequadas ao dinamismo dos contextos.

A OCDE encontra resultados mais elevados nos testes PISA nos países onde as escolas têm poder de decisão sobre os currículos, os critérios de avaliação e as metodologias de ensino. A diferença encontrada é particularmente expressiva quando a autonomia vem acompanhada de responsabilização e prestação de contas.

A gestão de recursos é a responsabilidade que se mantém mais concentrada nas mãos do Ministério da Educação, especialmente no que se refere à contratação, remuneração e cessação de contratos de professores.”
“A colocação por lista ordenada tem cumprido o seu objetivo primário – ter professores distribuídos pelo intricado tecido de escolas e percursos de aprendizagem. A questão coloca-se para o futuro num ambiente de mudança e modernização. Os sindicatos, na sua competência como representantes dos professores, não aceitam que esse poder passe para a mão das escolas ou de outras estruturas locais, ainda que apenas parcialmente. As tensões nesta área são muitas e capazes de trazer uma classe inteira para a rua.

Em relação à autonomia curricular, avaliativa e pedagógica, onde se consegue encontrar maiores ligações com o desempenho das aprendizagens, Portugal tem feito algum progresso. As tentativas políticas de caminhar para um quadro de autonomia têm surgido nas agendas de diversos governos nas últimas três décadas, sendo suportadas por partidos à direita ou à esquerda. Esta é uma área onde é menos visível a contestação por parte dos sindicatos, mas que gera insegurança e medo a nível dos professores que a devem aplicar.
No passado, a autonomia curricular assumiu a figura de disciplinas sem currículo pré-estabelecido, como foi o caso da Área de Projeto. Desde 2017, as escolas foram desafiadas a aderir a um novo projeto de descentralização curricular, Autonomia e Flexibilidade Curricular (AFC), que faz parte de um plano alargado que visa colocar a escola no centro de decisão, tentando quebrar com o modelo prescritivo em vigor. A legislação prevê a autorização para a gestão flexível e contextualizada do currículo, podendo as escolas criar novos domínios ou disciplinas e também desenvolver novas práticas avaliativas. No âmbito da regulamentação, o governo elaborou um despacho que rege esta autonomia de forma bastante detalhada, balizando as possibilidades de autonomia, constituindo‑se como um menu de escolhas alternativas. Este projeto foi iniciado como um projeto-piloto de adesão voluntária e como tal continua a ser: só as escolas que se sentem preparadas ou que encontram vantagens neste modelo se abalançam a acolhê‑lo.
O governo tentou num segundo momento redesenhar o modelo, que em 2019 foi estendido a todas as escolas que o desejassem implementar, tendo sido então lançado um projeto mais exigente – os planos de inovação contratualizados, cuja autonomia de redesenho curricular podiam ser mais originais, podendo as escolas submeter currículos ao Ministério da Educação para aprovação. Arrancou com 83 escolas/agrupamentos em 2019 e neste momento já chegou a 240. Estes planos podem ter uma abrangência muito distinta (apenas uma turma ou o agrupamento inteiro) e a duração pode também ser variável, pelo que é ainda difícil compreender os impactos da sua implementação.

O relatório nacional de avaliação externa da autonomia e flexibilidade curricular identifica novas dinâmicas pedagógicas e alteração do discurso, dando primazia aos interesses do aluno. Recomenda que este processo seja continuado mantendo o apoio de especialistas, incrementando a formação de professores e mantendo a confiança nas escolas. As opções adotadas são ainda as mais fáceis, como a da organização de calendário por semestres, mas já é possível identificar práticas alternativas e disciplinas que acrescentam ou substituem o currículo tradicional, como por exemplo a criação da disciplina de Ciências da Terra que substitui Ciências Naturais, Geografia e Físico‑química no 7.º ano, ideia dos professores numa escola de Sintra. O Ministério da Educação criou um site para partilha de experiências em autonomia curricular, onde surgem atividades diversas tais como aprender ciências no meio envolvente, criar estufas de experimentação ou explorar informação em forma analógica e digital.

Dois comentários muito breves a este diagnóstico:

Parecem certeiras as escolhas da «qualidade» e, para a atingir, da «flexibilidade».

Portanto, não é compreensível que não seja questionado o papel que os «directores» têm nas escolas, onde são um dos principais obstáculos à «flexibilidade» e à «qualidade», por reduzirem a «democracia» e a «participação».

Citações e imagem: Flores (PDF de 2023)

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

[0324] O décimo segundo Objectivo do Desenvolvimento Sustentável: Produção e Consumo Sustentáveis

Este objectivo é assim apresentado em https://unric.org/pt/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel:


Objetivo 12: Produção e Consumo Sustentáveis

Implementar o Plano Decenal de Programas sobre Produção e Consumo Sustentáveis, com todos os países a tomar medidas, e os países desenvolvidos assumindo a liderança, tendo em conta o desenvolvimento e as capacidades dos países em desenvolvimento.
Até 2030, alcançar a gestão sustentável e o uso eficiente dos recursos naturais.
Até 2030, reduzir para metade o desperdício de alimentos per capita a nível mundial, de retalho e do consumidor, e reduzir os desperdícios de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo os que ocorrem pós-colheita.
Até 2020, alcançar a gestão o ambientalmente saudável dos produtos químicos e todos os resíduos, ao longo de todo o ciclo de vida destes, de acordo com os marcos internacionais acordados, e reduzir significativamente a libertação destes para o ar, água e solo, para minimizar seus impactos negativos sobre a saúde humana e o meio ambiente.
Até 2030, reduzir substancialmente a geração de resíduos por meio da prevenção, redução, reciclagem e reutilização.
Incentivar as empresas, especialmente as de grande dimensão e transnacionais, a adotar práticas sustentáveis e a integrar informação sobre sustentabilidade nos relatórios de atividade.
Promover práticas de compras públicas sustentáveis, de acordo com as políticas e prioridades nacionais.
Até 2030, garantir que as pessoas, em todos os lugares, tenham informação relevante e consciencialização para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida em harmonia com a natureza.
Apoiar países em desenvolvimento a fortalecer as suas capacidades científicas e tecnológicas para mudarem para padrões mais sustentáveis de produção e consumo.
Desenvolver e implementar ferramentas para monitorizar os impactos do desenvolvimento sustentável para o turismo sustentável, que gera empregos, promove a cultura e os produtos locais.
Racionalizar subsídios ineficientes nos combustíveis fósseis, que encorajam o consumo exagerado, eliminando as distorções de mercado, de acordo com as circunstâncias nacionais, inclusive através da reestruturação fiscal e da eliminação gradual desses subsídios prejudiciais, caso existam, para refletir os seus impactos ambientais, tendo plenamente em conta as necessidades específicas e condições dos países em desenvolvimento e minimizando os possíveis impactos adversos sobre o seu desenvolvimento de uma forma que proteja os pobres e as comunidades afetadas.


O seguinte texto de opinião, de Vítor Belanciano, O mundo da obsolescência programada, ajuda-nos a perceber um dos obstáculos que o cumprimento deste objectivo enfrenta:

 Quando a qualidade e durabilidade são inimigas da produção de grande escala, da economia e do lucro.

 Está ligada num quartel de bombeiros de uma pequena cidade californiana, Livermore, desde 1901. É uma lâmpada. Pode ser vista a qualquer hora no sítio da Internet BulbCam. Trata-se de um pequeno e vulgar exemplar, com cerca de 120 anos, criado por um dos pioneiros da electricidade, Adolphe Chaillet, o que no mundo actual onde as lâmpadas se fundem com assiduidade, se tornou numa curiosidade exótica. Naquela época toda a gente queria o durável. Agora valoriza-se o novo.

Há dias, quando tentei pôr a arranjar um electrodoméstico não muito usado, e do outro lado do balcão ouvi duas frases recorrentes em situações análogas, lembrei-me disso: “Sabe, há muitos fabricantes que fazem isto assim para resistir apenas um certo tempo”. E, logo de seguida: «Olhe, sai-lhe mais barato agora comprar um novo do que pôr isso a arranjar». Bem-vindos ao fenómeno da obsolescência que é projectada.

Nunca ouviremos um fabricante assumir que o objecto por si executado foi estrategicamente delineado para ter um ciclo de vida menor do que poderia ter, mas a verdade é que esses períodos parecem cada vez mais reduzidos, forçando os consumidores a adquirirem assiduamente novos produtos. Longe vão os tempos em que havia objectos, como a lâmpada de Livermore, que duravam uma vida. Hoje quando ouvimos os gurus das diversas indústrias — com destaque para a tecnologia — em nenhum momento escutamos que aspiram a aumentar a qualidade dos produtos através da duração ou até da perenidade. Essa hipotética conquista resultaria em excedente de produção e diminuição de vendas e ganhos.

A obsolescência técnica planificada é a confirmação de que a estrutura produtiva, na maioria dos casos, não satisfaz as necessidades humanas, criando uma gigante indústria que se esforça por estimular necessidades artificiais, para satisfazer esse mesmo sistema produtivo e a finança. Para além da técnica, existe a obsolescência cognitiva ou simbólica, que consiste em considerar determinado utensílio — os telemóveis são um bom exemplo — como desactualizado, apesar de funcionar na perfeição. Não é o objecto que é inútil, é o sujeito que se sente invalidado se não tiver um novo modelo, mais de acordo com os seus padrões sociais.

A estratégia não é, evidentemente, nova. A ideia de criar produtos que precisem de ser eternamente substituídos tem barbas — por falar nelas, as máquinas de barbear têm muito que se lhe diga — com inúmeras perversões à mistura, como aquelas grandes empresas que limitam o direito de reparação ao consumidor, com sistemas operacionais que impedem interferências ou acesso a componentes. Para já não falar dos sistemas operacionais actualizados que não comportam aparelhos sem a mesma actualização. Essas multinacionais acabam por deter o monopólio das receitas com a assistência técnica de aparelhos que ajudaram a tornar ultrapassados, alterando o princípio de propriedade. Resultado? Já não se tenta reparar, na época em que todos falam em reciclar. Ao menor incidente com um aparelho o que se tenta de imediato é a sua troca.

Vivemos numa era de fé cega na tecnologia. Olhamos para ela como forma de salvar o futuro de problemas que a nossa relação com a mesma tecnologia acaba por criar. Como o exemplo da lâmpada demonstra, há mais de 100 anos os produtos fabricados tinham maior longevidade, apesar de a tecnologia ser menos avançada. Eis, então, o paradoxo. No mundo actual, a qualidade e durabilidade são inimigas da produção de grande escala, da economia e do lucro, com todas as questões de ordem social, ambiental e comportamental, com relações interpessoais cada vez mais descartáveis, que tais assuntos também transportam. Faça-se luz.


Neste blogue, os dezassete Objectivos do Desenvolvimento Sustentável foram genericamente apresentados na mensagem «0080».
Depois foi feita uma apresentação específica, com um comentário, aos seguintes objectivos: erradicar a pobreza (mensagens «0154», «0196» e «0206»), erradicar a fome («0157»), saúde de qualidade («0169»), educação de qualidade («0176»), igualdade de género («0178»), água potável e saneamento  («0239»), energias renováveis e acessíveis («0244»), trabalho digno e crescimento económico («0267»), indústria, inovação e infraestruturas («0275»), reduzir as desigualdades («0294») e cidades e comunidades sustentáveis («0314»)

Fontes: opinião publicada em jornal por Belanciano (2020 [?])