quarta-feira, 29 de maio de 2019

[0176] Sobre o quarto Objectivo do Desenvolvimento Sustentável: Educação de Qualidade


Na mensagem «0080» foram genericamente apresentados os dezassete Objectivos de Desenvolvimento Sustentável que as Nações Unidas propuseram aos governos e aos cidadãos do mundo cumprir entre 2015 e 2030.
Na mensagem «0154» foi apresentado o primeiro desses objectivos, erradicar a pobreza, na «0157» o segundo, erradicar a fome, e na «0169» o terceiro, saúde de qualidade.

O quarto desses objectivos foi-nos apresentado assim em https://unric.org/pt/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel:


Objetivo 4: Educação de qualidade


Até 2030, garantir que todas as meninas e meninos completam o ensino primário e secundário que deve ser de acesso livre, equitativo e de qualidade, e que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes
Até 2030, garantir que todas as meninas e meninos tenham acesso a um desenvolvimento de qualidade na primeira fase da infância, bem como cuidados e educação pré-escolar, de modo que estejam preparados para o ensino primário
Até 2030, assegurar a igualdade de acesso para todos os homens e mulheres à educação técnica, profissional e superior de qualidade, a preços acessíveis, incluindo à universidade
Até 2030, aumentar substancialmente o número de jovens e adultos que tenham habilitações relevantes, inclusive competências técnicas e profissionais, para emprego, trabalho decente e empreendedorismo
Até 2030, eliminar as disparidades de género na educação e garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação e formação profissional para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com deficiência, povos indígenas e crianças em situação de vulnerabilidade
Até 2030, garantir que todos os jovens e uma substancial proporção dos adultos, homens e mulheres, sejam alfabetizados e tenham adquirido o conhecimento básico de matemática
Até 2030, garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de género, promoção de uma cultura de paz e da não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável
Construir e melhorar instalações físicas para educação, apropriadas para crianças e sensíveis às deficiências e à igualdade de género, e que proporcionem ambientes de aprendizagem seguros e não violentos, inclusivos e eficazes para todos
Até 2020, ampliar substancialmente, a nível global, o número de bolsas de estudo para os países em desenvolvimento, em particular os países menos desenvolvidos, pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países africanos, para o ensino superior, incluindo programas de formação profissional, de tecnologia da informação e da comunicação, técnicos, de engenharia e programas científicos em países desenvolvidos e outros países em desenvolvimento
Até 2030, aumentar substancialmente o contingente de professores qualificados, inclusive por meio da cooperação internacional para a formação de professores, nos países em desenvolvimento, especialmente os países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares em desenvolvimento

Não é fácil definir o que é qualidade da educação. Mas é possível fazer uma ideia sobre onde ela existe, e em que grau, pensando no critério implícito no seguinte poema:

É tão bom ser pequenino
Ter pai, ter mãe, ter avós
Ter esperança no destino
E ter quem goste de nós

Fonte: o poema é de Barbosa e foi escolhido pelo fadista Carlos do Carmo para figurar numa das introduções ao 1º CD da colecção «100 anos de Fado (1904-2004)» editada pelo jornal «Público»

segunda-feira, 27 de maio de 2019

[0175] Um estudo sobre o estado crítico da nossa relação com a Natureza

A Intergovernmental Platform for Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES) divulgou no início de Maio um relatório sobre o estado actual da relação entre as Sociedades Humanas e a Natureza.
Entre as muitas conclusões preocupantes figura a descrição dos grupos de espécies em risco de extinção:




Selecionando os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável mais associados às questões naturais e, para cada um deles, alguns indicadores que descrevem como tem evoluído a sua concretização, as conclusões do relatório são também preocupantes.
Eis o que aí é resumido relativamente aos três primeiros objectivos (referidos nas mensagens «0154», «0157» e «0169» deste blogue):





Fonte: sítio da Intergovernmental Platform for Biodiversity and Ecosystem Services

quinta-feira, 23 de maio de 2019

0174] Um novo Renascimento, um novo Iluminismo?

Deve ter sido em 1959-60, ou em 1960-61, que ouvi numa aula de Português o professor Vergílio Ferreira (1916 - 1996) dizer à minha turma: há actualmente condições para que venha a acontecer um novo Renascimento.
Eu e os meus colegas já tínhamos uma ideia, vinda das aulas de História, sobre o que fora o primeiro Renascimento, pelo que o anúncio de que um segundo era possível significou (para pelo menos alguns de nós) uma chamada de atenção para as mudanças em que as sociedades permanentemente estão envolvidas: e esta, se acontecesse, seria particularmente interessante. Um miúdo com cerca de 14 anos não o esquece.

Acabei há poucas semanas de ler um livro do biólogo Edward O. Wilson (nascido em 1929), Homo Creator, onde ele afirma que “a humanidade ainda é arrastada por paixões animais num mundo digitalizado e global”; e como nós “estamos em conflito entre aquilo que somos e aquilo em que nos queremos tornar” e “submersos por informação” mas faltando com a “sabedoria” em falta, “seria apropriado colocar de novo a filosofia na sua primitiva posição de destaque, desta vez como centro de uma ciência humanista e de humanidades científicas.




Segundo este novo anúncio sobre o futuro, ou tão só desejo que ele aconteça, não estaríamos na eminência de um Renascimento, mas sim necessitados de uma Filosofia que desempenhasse o papel que já desempenhou em dois outros surtos de criatividade a que a “civilização ocidental” assistiu, tendo cada um deles durado cerca de 150 anos, e que ocorreram, citando Anthony Gottlieb, “O primeiro na Atenas de Sócrates, Platão e Aristóteles, de meados do século V até finais do século IV a.C.. O segundo foi no Norte da Europa, no seguimento das guerras de religião e da ascensão da ciência de Galileu. Estendeu-se desde a década de 1630 até às vésperas da Revolução Francesa, no final do século XVIII. Nesse período de tempo relativamente curto, Descartes, Hobbes, Espinosa, Locke, Leibniz, Hume, Rousseau e Voltaire - isto é, a maioria dos filósofos modernos mais conhecidos – deixaram a sua marca.”
Para Wilson, serão os “cientistas e os estudiosos das humanidades” que fundamentarão esta “nova filosofia”, de que “resultará o Terceiro Iluminismo. Ao contrário dos primeiros dois, este pode perdurar. Se isso acontecer, aproximará a nossa espécie da oração pela razão inscrita por Diógenes, e ainda visível na sua forma original no Pórtico de Oinoanda, na antiga região grega da Lícia.
Em especial aqueles que são chamados estrangeiros, e que na realidade não são estrangeiros. Porque, apesar de as várias regiões da Terra atribuírem a pessoas diferentes um país diferente, em toda a parte as pessoas têm um único país – a Terra inteira – e uma só casa – o mundo.

A preocupação subjacente a este augúrio de Wilson, tal como ao do meu saudoso professor, é a mesma. Mas eu prefiro claramente a de Vergílio Ferreira, talvez porque a imagino mais aberta à participação de todos, e menos baseada na Ciência, que proporciona «conhecimento», mas não «valores» (que só os colectivos de cidadãos podem definir).

Fonte: livro de Wilson (2018; pp. 191-194)

quinta-feira, 16 de maio de 2019

[0173] A inauguração dos Estudos Gerais Livres por Agostinho da Silva


O Diário de Lisboa de 4 de Maio de 1989 presenteou-nos, na página 7, com a seguinte reportagem, escrita por Maria Antónia Martinho e ilustrada com uma fotografia de Francisco Paraíso:


Eis o que essa reportagem nos contou:

«As nossas escolas são como Academias Militares onde recebemos ordens, andamos a passo e transportamos prontamente os nossos equipamentos». Por fundo (profundo) o «horizonte do sonho e do ideal». Por tema, os Estudos Gerais, o ensino … até a Universidade. A mediação, essa «aventura enorme da epopeia lusíada» exposta como só um «inapto para estas coisas dos protocolos» ousa conseguir. Agostinho da Silva, como sempre, prendeu o auditório, fez da palavra metáfora, brincou com a história fazendo rodar estórias como um imenso caleidoscópio. Sobretudo «subverteu» … o que é natural para quem quer «mudar o eixo do centro do mundo». Aconteceu ontem, no auditório (repleto) do Museu Nacional de Arte Antiga. Estava dado o primeiro passo do ciclo de conferências dessa outra «subversão» institucional: os Estudos Gerais Livres».
Chamemos-lhe «cerimónia» … Mário Soares esteve lá.

A cultura portuguesa face ao desenvolvimento da genericamente designada «europeia», os mares e os barcos por onde navegaram, deram a Agostinho da Silva todos os caminhos possíveis para percorrer esse outro que se situa ao nível do que é isso de ser ou ter sido português na história mais alargada do pensamento e filosofia ocidentais.
Tema de fundo, tantas vezes tratado de forma subtil, quase sarcástica, mas a que o auditório correspondeu numa cumplicidade de entendimentos aparentemente gerada, o modo de se encarar «o que é isso da cultura», e de que meios «ela» se socorre para ser transmitida.
Uma outra tradição, uma outra forma de manifestação de saber, do Saber, um poder de comunicação mais que no gesto, sobretudo na palavra, teve em Agostinho da Silva um exemplar tradutor, que (felizmente) se mantem à margem de certo tipo de «iniciações» vigentes.
Falar de «Estudos Gerais» deve custar sem preencher na memória esse espaço da história dos reis de um povo ocupado pelo «Lavrador», também poeta, de nome Dinis.
E foi justamente tomando um poema do rei que Agostinho da Silva, dedicando-o ao prof. Viegas Guerreiro – mentor e presidente da direcção dos «Estudos Gerais Livres» - começou por «dissertar» mais que a sua nostalgia de um tempo algo perdido, sobretudo a sua imensa força de falar das coisas.
«Vai como eu queria ao povo» … as palavras do rei, o desejo de Agostinho projectado na intenção dos «Estudos».
Essa «realeza aberta» - como o mestre caracterizou o reinado de D. Dinis – teve o eco, e os olhos postos do auditório, na gargalhada do «príncipe», o Presidente, (ainda) mais de aquém que de além mares.
A passagem pela cultura e filosofia gregas, acrescentada com a extensa evocação de Camões, ajudaram a trazer o brilho à atitude dos portugueses pelo seu «desenvolvimento daquilo que os antigos tinham realizado», Tal como os gregos, no fundo, também os portugueses «foram educados para a vida pelo prazer de aprender da vida» … mas «com mais liberdade».
«Sempre nos educámos mais na vida que na escola», sustentou Agostinho da Silva, sublinhando o papel da modificação da Europa, fortemente marcada pelos Descobrimentos Portugueses, por esse «andar de mãos dadas» da aventura e da ciência» que sempre caracterizou os «lusíadas».

A «inocência», o «imediato» e o «imprevisto»

Se algo pode, irreversivelmente, marcar essa «forma de ser e de estar» dos portugueses, é, na perspectiva de Agostinho da Silva, aquilo que «mais tratámos de desenvolver dentro de cada um de nós: a resposta do imediato, a busca da imprevisibilidade, a espera e o desejo que aconteça o imprevisível».
«Portugal é o único país onde ainda se alberga a inocência. O português é lírico, pois é … mas o que rima com lírico é pragmático».
E é entre estas duas dimensões que Agostinho da Silva joga a sua «aposta», preenche o seu imaginário (?): «viver alegre e tranquilamente numa sociedade desorganizada como jamais se conseguiu no mundo da organização» … o nosso.
«A vida seria insuportável se tudo acontecesse como se já tivesse acontecido. Era uma enorme chatice se existisse a fórmula matemática do acaso!»
Percorre a alegria do Brasil (um outro Portugal?! … então a nossa «pátria» não é a língua portuguesa?) e a sua (deles) tendência para a «desorganização», essa que «até dá um jeito pr`o samba», que «espera que a desorganização se desorganize mais».
«É cada vez mais necessário pensar numa política do eixo do centro do mundo … o que eu acho que está mal é o eixo do centro do mundo. Alterado este, poderemos enfim contemplar o horizonte do nosso sonho e do nosso ideal».
A dispersão, aparente, do discurso de Agostinho da Silva, centraliza-se nesse outro horizonte que comunga e de que faz parte: o problema da alteração da transmissão da cultura e a suposta necessidade de, para a fazer chegar «a todos, ao povo», passar para além das «malhas» que a instituição tece.
Estamos no mundo do ensino instaurado «numa economia de mercado».

Uma escola para os «desempregados»

A contraposição de um certo ensino vigente nas nossas Universidades e da proposta dos Estudos Gerais Livres – o levar de uma forma absolutamente gratuita o ensino a todos quantos estejam desejosos de aprender, por professores e mestres nas mais variadas matérias e sem provas de admissão ou aproveitamento – foi o momento «mais alto» da conferência de Agostinho da Silva que inaugurou o ciclo de sessões desta «associação de estudiosos».
«O mundo tem uma multidão de crianças que já nascem desempregadas, mas que se vêem na iminência de ter que aprender na escola uma profissão que nunca vão ter na vida».
«Sabendo que não vão ter um emprego, prosseguiu o mestre, estes meninos nunca mais vão querer aprender as respostas para a vida, mas antes as perguntas para aquilo que entendem ser verdadeiramente importante para a vida».
A «brincadeira» serviu a Agostinho da Silva para frisar «essa coisa extraordinária que Viegas Guerreiro e seus companheiros estão a realizar com os Estudos Gerais Livres, trazendo a todos aquilo que só é acessível a alguns nas Universidades».
A «necessidade de que este projecto se estenda a todo o país» tem igualmente em linha de conta o facto das nossas universidades continuarem a não dar resposta a muitos dos problemas que se colocam, em termos de ensino, aos portugueses em geral. São, por um lado, tal como sustentam os animadores dos Estudos Gerais Livres, as questões de natureza legal, mas pesam aqui também as desigualdades sociais que não permitem o acesso ao ensino – sobretudo universitário – igual para todos.

«É triste termos a Universidade sujeita às leis do mercado», afirmou Agostinho da Silva. «É um absurdo saber que a matemática e a física têm um preço, tal como a maçã, e que a filosofia e a teologia sejam vendidas como carne de porco!».

A ideia de lançar os Estudos Gerias Livres, e o modo como Agostinho da Silva alargadamente os encarou, são historicamente muito interessantes. Mas hoje, dispondo de mais 40 anos de vida em comum, impõe-se que o encaremos sob um ponto de vista crítico. Porquê?!

Fonte
: sítio da Casa Comum (onde é possível consultar todos os números do «Diário de Lisboa»)