quinta-feira, 28 de março de 2024

[0343] As invulgares colunas da Igreja do Convento de Jesus, em Setúbal

Eis as colunas a que me refiro, num desenho delas feito por João Vaz (1859 - 1931):


À distância, cada uma destas colunas parece ser formada por um enrolamento de colunas mais pequenas. Como se cada coluna fosse uma «trança», ou uma «corda», ou um grupo de «gavinhas» determinadas a unir a terra e o cèu.
Trata-se de uma ilusão. De facto, ao nos aproximarmos, é possível verificar que estas colunas são constituídas pela sobreposição vertical de «tambores», sendo cada «tambor» uma peça única.
Na fotografia seguinte vê-se um desses «tambores», situado perto da base de uma das colunas. Como a pedra usada (nas colunas e noutros elementos decorativos desta igreja) é um conglomerado (chamado «brecha da Arrábida»), observam-se nela alguns dos calhaus rolados que a formaram; e constata-se que na fronteira entre as duas «gavinhas» visíveis nesta imagem algumas das pedras fazem parte de ambas (há uma terceira «gavinha», por detrás destas duas, pois cada coluna é constituída por três):


Podemos portanto imaginar que os blocos de conglomerado cortados numa pedreira da Serra da Arrábida para com eles esculpir cada um dos «tambores» terão sido inicialmente talhados como cilindros, todos com a mesma altura e com o mesmo diâmetro.
E, baseados no que se constata no «tambor» de uma coluna mais pequena (em exibição no museu associado a esta igreja), podemos ainda admitir que estabilização entre dois «tambores» consecutivos foi conseguida por um duplo encaixe no centro das suas faces em contacto, um em forma de prato e outro, mais pequeno e mais fundo, onde era colocado um objecto de metal, ambos destinados a impedir os deslocamentos horizontais:

Esta igreja foi contruída nos finais do século XV e resistiu
a sismos importantes, nomeadamente ao de 1755

Mas, como seria concretizada a última fase escultórica dos «tambores», ou seja, como seriam esculpidas as «gavinhas» que parecem constituir estas colunas?

Não sei. Mas posso conjecturar que o processo terá começado pelo desenho, na base inferior do primeiro cilindro de pedra, de três circunferências, iguais e tangentes entre si, seguindo-se o desenho das mesmas três circunferências, mas rodadas de 90º (por exemplo) no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio (ainda por exemplo) na sua base superior.
Depois (e esta á a parte que eu não arrisco conjecturar) era necessário esculpir este bloco, de modo que de cilíndrico passasse a ser um tronco de «corda» (será que os escultores terão usado grossas cordas como modelos?).

Com todos os outros cilindros terá seguido exactamente o mesmo processo, havendo apenas o cuidado de, no momento de formar a coluna, sobrepor adequadamente a base inferior de um cilindro sobre a base superior do anterior!



Considera-se que esta Igreja, construída na década de 1490, foi o primeiro ensaio do estilo manuelino.


Fotografias (recortadas): Eva Maria Blum
Desenho: Pedro Esteves

quinta-feira, 14 de março de 2024

[0342] As Araucárias, no espaço e no tempo

As Araucárias são uma pequena família de plantas (que agrupa 3 géneros e, nestes, 33 espécies), autóctones no Hemisfério Sul e particularmente representadas na Nova Caledónia.

Em Portugal estas árvores são exóticas, sendo ornamentalmente usadas em parques e jardins públicos. Em Lisboa, são particularmente interessantes os exemplares existentes nos Jardins Botânicos da Ajuda, do Palácio do Monteiro-Mor e da Rua da Escola Politécnica, todos eles com a respectiva identificação. No concelho de Almada existem muitos exemplares em jardins privados, sendo por vezes um tanto incómodos por terem sido plantados demasiado próximo da respectiva habitação; e no Parque da Paz (Cova da Piedade) foram plantados alguns exemplares, há talvez vinte e poucos anos, portanto ainda bastante jovens, sendo de um deles as seguintes duas fotografias: 

Jovem exemplar (2013)

Folhas (2013)

São características gerais das Araucárias: a grande dimensão do tronco (pode atingir os 50 metros de altura); os ramos dispostos em andares, a partir de um vértice; as folhas aciculadas (embora, nalguns casos, sejam largas e espalmadas); a não produção de flores; e as pinhas grandes (nalgumas espécies podem atingir um diâmetro de 20 centímetros), que se desfazem quando maduras.
Nos locais onde estas árvores se reproduzem espontaneamente, os seus pinhões são utilizados como alimento; e a sua madeira é usada na construção naval.

O nome dado a esta família lembra um povo indígena da América do Sul, os Araucanos (uma das suas espécies, a Araucária-do-Chile, é característica das montanhas que ligam o Chile e a Argentina).

Os mais antigos fósseis de Araucárias foram datados do Triássico (temporalmente situado há entre 250 e 200 milhões de anos), sendo dos mais antigos das Coníferas (ordem que também inclui as famílias dos Pinheiros, das Sequóias e dos Abetos).
No Triássico, todas as massas terrestres estavam ligadas num único supercontinente, a Pangea, que, há cerca de 200 milhões de anos, se começou a fragmentar em dois grandes continentes, a Sul o Gondwana e a Norte a Laurásia. As Araucárias ficaram ligadas ao Sul e os Pinheiros ao Norte, explicando a actual distinta prevalência geográfica das espécies que delas descendem:

Supercontinente Pangea

Um caso curioso: uma Araucária cujo troco se subdividiu em dois (ligeiramente abaixo do telhado da vivenda), tendo-se um deles, por sua vez, subdividido noutros dois (por altura do telhado):

Araucária subdividida e de novo subdividida (2024)

E um caso enganador: a primeira vez que vi, à distância, a «árvore» que surge na seguinte fotografia (tirada na Tapada da Ajuda, em Lisboa), pensei tratar-se de uma Araucária:

Falsa Araucária (2017)

Mas não é uma Araucária: trata-se de uma antena da rede de telemóveis, disfarçada de Araucária (para poder passar desapercebida na Tapada?)!


Fonte: Bingre & outros (2007; pp. 40-41 e 133-134); Willis & McElwain (2002; p. 148)
Fotografias: Eva Maria Blum e Pedro Esteves
Imagem (Pangea): Knoow.net