quinta-feira, 9 de novembro de 2017

[0083] Algumas considerações de António Damásio

O neurocientista António Damásio, em entrevista recente, fez considerações importantes para pensar a educação.

Sobre a inteligência humana e os sentimentos:

As “coisas que governam ou desgovernam a nossa vida são normalmente transmitidas por uma valência de bom ou mau; de agradável ou desagradável, de recompensa ou punição.” São elas “que constituem o grande personagem dos sentimentos. Os sentimentos são representações do estado da nossa vida, mas representações qualificadas. Um dos problemas que mais me inquietam é essa impossibilidade que as pessoas têm tido de perceber que a inteligência – ou a nossa mente – vai só até um certo ponto e a partir daí tem de ter uma qualificação. Essa qualificação aparece em termos de agradável ou desagradável, de bom ou de mau, e é isso que faz a grande distinção entre a inteligência humana no sentido mais completo e a mente humana.

Sobre a inteligência humana e a inteligência artificial:

À inteligência artificial, por exemplo, falta isso. Infelizmente as pessoas não se têm dado conta. Sou um adepto de inteligência artificial e tudo o que esse campo de tecnologia e de ciência nos tem trazido, mas é pena que poucas pessoas dentro desse mundo tenham compreendido que a inteligência artificial tal como é compreendida é uma pálida ideia daquilo que é a inteligência humana no seu real.

O que a inteligência artificial faz, e muito bem, é uma simulação, e com capacidades extraordinárias, muito superiores àquelas que temos. A capacidade de inteligência [artificial] no sentido mais directo e algorítmico que temos hoje em dia em matéria de memória, de estratégias de raciocínio é extraordinária. Faltam é essas outras qualidades que temos na nossa inteligência e que são absolutamente necessárias e extremamente realistas, porque têm a ver com aquilo que a vida é. Enquanto a vida concebida no sentido da inteligência artificial não tem nada a ver com aquilo que a vida é. A vida é outra coisa.

Sobre a vida e as artes:

A vida é “uma coisa venerável, confusa, efusiva. A grande arte dá-nos isso e a grande literatura dá isso extraordinariamente. Quando não se inclui essa componente de confusão, efusividade, aquilo que pode ser qualificável de bom ou de mau, perde-se uma grande parte do que é a vida.

A literatura é o modo mais rico, de todos os que temos, de entrar dentro da subjectividade de outra pessoa e de nos fazer perceber o que pode ser a outra pessoa, muito mais do que o cinema, do que o teatro, porque a situação em que estamos a ler é ... devemos estar sozinhos e com um texto que podemos parar a qualquer altura. Pode ler um parágrafo e parar e pensar e retomar e reler.

É muito curioso, quando se olha para as humanidades de uma forma geral, e para as artes vê-se como têm sido laboratórios de estudos. As pessoas não se aperceberam ainda de que uma boa parte do que se passa no mundo da grande arte é uma espécie de prefácio para o estudo científico dos seres humanos.

Sobre a vida e a educação:


Freud chamou a atenção para “uma coisa que é muito real e que as pessoas muitas vezes querem esquecer: a ideia de que somos capazes de violência. E há uma ideia que é consequente a essa e tem a ver com a educação, com o facto de que a única maneira de resolver o problema da nossa violência natural e de como naturalmente as pessoas querem estar com aqueles que são parecidos e não com os diferentes. Tem de haver um plano de educação extraordinário, uma espécie de super-plano de investimento global que não tem sido feito por razões que são também históricas e sociopolíticas.






















Fonte: Damásio, entrevistado por Lucas (2017)
Fotografia (que acompanhou o texto da entrevista): Rui Gaudêncio

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