O neurocientista António Damásio, em entrevista recente, fez considerações
importantes para pensar a educação.
Sobre a inteligência humana e os sentimentos:
As “coisas que governam ou desgovernam a nossa vida são
normalmente transmitidas por uma valência de bom ou mau; de agradável ou
desagradável, de recompensa ou punição.” São
elas “que constituem o grande personagem dos
sentimentos. Os sentimentos são representações do estado da nossa vida, mas
representações qualificadas. Um dos problemas que mais me inquietam é
essa impossibilidade que as pessoas têm tido de perceber que a inteligência –
ou a nossa mente – vai só até um certo ponto e a partir daí tem de ter uma
qualificação. Essa qualificação aparece em termos de agradável ou desagradável,
de bom ou de mau, e é isso que faz a grande distinção entre a inteligência
humana no sentido mais completo e a mente humana.”
Sobre
a inteligência humana e a inteligência artificial:
“À inteligência artificial, por exemplo, falta isso.
Infelizmente as pessoas não se têm dado conta. Sou um adepto de inteligência
artificial e tudo o que esse campo de tecnologia e de ciência nos tem trazido,
mas é pena que poucas pessoas dentro desse mundo tenham compreendido que a
inteligência artificial tal como é compreendida é uma pálida ideia daquilo que
é a inteligência humana no seu real.”
“O que a inteligência artificial faz, e muito bem, é uma
simulação, e com capacidades extraordinárias, muito superiores àquelas que
temos. A capacidade de inteligência [artificial] no sentido mais directo e
algorítmico que temos hoje em dia em matéria de memória, de estratégias de
raciocínio é extraordinária. Faltam é essas outras qualidades que temos na
nossa inteligência e que são absolutamente necessárias e extremamente
realistas, porque têm a ver com aquilo que a vida é. Enquanto a vida concebida
no sentido da inteligência artificial não tem nada a ver com aquilo que a vida
é. A vida é outra coisa.”
Sobre
a vida e as artes:
A vida
é “uma coisa venerável, confusa, efusiva. A
grande arte dá-nos isso e a grande literatura dá isso extraordinariamente.
Quando não se inclui essa componente de confusão, efusividade, aquilo que pode
ser qualificável de bom ou de mau, perde-se uma grande parte do que é a vida.”
“A literatura é o modo mais rico, de todos os que temos,
de entrar dentro da subjectividade de outra pessoa e de nos fazer perceber o
que pode ser a outra pessoa, muito mais do que o cinema, do que o teatro,
porque a situação em que estamos a ler é ... devemos estar sozinhos e com um
texto que podemos parar a qualquer altura. Pode ler um parágrafo e parar e
pensar e retomar e reler.”
“É muito curioso, quando se olha para as humanidades de
uma forma geral, e para as artes vê-se como têm sido laboratórios de estudos.
As pessoas não se aperceberam ainda de que uma boa parte do que se passa no
mundo da grande arte é uma espécie de prefácio para o estudo científico dos
seres humanos.”
Sobre
a vida e a educação:
Freud
chamou a atenção para “uma coisa que é muito
real e que as pessoas muitas vezes querem esquecer: a ideia de que somos
capazes de violência. E há uma ideia que é consequente a essa e tem a ver com a
educação, com o facto de que a única maneira de resolver o problema da nossa
violência natural e de como naturalmente as pessoas querem estar com aqueles
que são parecidos e não com os diferentes. Tem de haver um plano de educação
extraordinário, uma espécie de super-plano de investimento global que não tem
sido feito por razões que são também históricas e sociopolíticas.”
Fonte: Damásio, entrevistado por Lucas (2017)
Fotografia (que acompanhou o texto da entrevista): Rui Gaudêncio
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