Tenho uma certa inveja dos professores do 1º Ciclo: terem uma turma em exclusivo, conhecerem os seus alunos como nunca mais nenhum professor os irá conhecer e … ouvir as mais interessantes perguntas que um educador pode ouvir …
Talvez por isso me imaginei, em Novembro, professor do 1º
Ciclo.
A malta da minha turma entra na sala e logo uma das miúdas e um dos miúdos correm
para me dizer:
Professor, lá na nossa rua os pássaros andam malucos!
Já vamos falar nisso …, acalmei-os eu.
Depois de toda a turma estar arrumada, e algumas rotinas
despachadas, regressei ao assunto:
Então expliquem o que se passa na vossa rua …
Há muitos, muitos pássaros pretos nas árvores! fazem
muito barulho, saltam de um lado para o outro,
disse o rapaz.
O meu pai disse que pareciam Melros, mas minha avó
disse que não eram Melros,
disse a menina.
Falámos um pouco sobre isso com a turma e combinámos que precisávamos de mais informações: como eram os pássaros (seriam possível tirarem umas fotografias?), que tamanho tinham (eram todos como os Melros?), o que faziam (andavam pelas árvores ou discutiam uns com os outros?), em que altura apareciam eles (de manhã, à tarde, em qualquer altura do dia?).
Dois dias depois, assim o imaginei, eis as fotografias que eles me trouxeram:
Depois do primeiro passo (o espanto com que a notícia havia
sido trazida dois dias antes) tínhamos o segundo passo: observações mais
detalhadas (neste caso, fotográficas). Podíamos então dar o terceiro passo: dispor de
mais informações para identificar as aves e … a árvore, pois parecia que o
interesse da passarada era, aquelas bagas visíveis nos seus bicos (fotografias
1 e 4).
Enviei um grupo à Biblioteca para trazer o que lá houvesse que nos pudesse
ajudar a identificar aves e árvores. E dei a chave do nosso armário a outro
grupo, pois também lá havia qualquer coisa que nos podia ser útil. E os restantes
foram para a internet, onde já
tínhamos alguns sítios preparados para estudar a fauna e a flora.
Os miúdos estiveram uns três dias a pesquisar, a debater
comigo e a escrever o que descobriram - e as dúvidas com que ficaram.
Não ficámos com a certeza acerca de quem
é quem nas fotografias: na segunda trata-se de um grupo de Mainatos (têm um alto na cabeça, andam
em bandos), uma espécie exótica, originária da Índia; na terceira trata-se de
um Melro (o bico amarelo, as penas
muito escuras); nas duas outras, precisamente aquelas em que as aves se
preparam para engolir as bagas, tanto se pode tratar de Estorninhos Pretos ou de Melros (o Melro tem cauda mais comprida; o
Estorninho desloca-se em bandos).
Ah! e as bagas?
Tratam-se dos frutos do Lodão-bastardo, uma das árvores mais usadas para
dar vida às nossas ruas. Formam-se na Primavera, podendo atingir um centímetro
de diâmetro. Permanecem nas árvores durante o Verão, com a sua cor verde. E no
Outono começam a amadurecer, primeiro amarelas, depois castanhas, estando nos
finais de Novembro quase vermelhas. Umas caem, outras são comidas pelos Melros
e debicadas pelas Pardais, até que os bandos de Mainatos e de Estorninhos a
descobrem e assaltam e várias vagas diárias … até que a chuva e o vento as fazem
cair todas.
São chamadas Ginginhas-do-rei,
nome por vezes também atribuído à sua árvore
Que haja ginjinhas para todos!
Fotografias (tiradas em Novembro e Dezembro de 2020): Eva Maria Blum (a primeira) e Pedro Esteves (as outras três)
Fonte: livro de Svensson (2012; pp. 296-297, 370-371 e 425) e Bingre & outros (2007; pp. 300)
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