Paulus Gerdes (1952-2014), que já referi a propósito do
conceito de etnomatemática (mensagem «0010»), descreveu num dos seus livros os «desenhos
na areia» dos cokwe,
um povo de caçadores que vive no nordeste de Angola, que também se dedica à
agricultura e que é famoso pela sua arte.
Para que os jovens cokwe aprendam com a sabedoria dos mais
velhos, estes traçam um sona na areia (assim são designados aqueles
desenhos na língua local) e contam uma história. Uma dessas histórias (que toda
a gente associará a uma outra da nossa cultura) é a seguinte:
“O
galo Kanga e o raposo Mukuza pretendiam a mesma mulher. Pediram-na em casamento
ao pai dela, que exigiu de ambos pagamento adiantado. Eles concordaram
prontamente.
De
repente, correu o boato de que a prometida havia falecido. Kanga rompeu num
choro inconsolável, enquanto Mukuza apenas lamentava ter perdido o pagamento
adiantado. Então o pai, que de propósito tinha espalhado o boato para ver quem
merecia a sua filha, entregou-a ao galo, que revelou ter bom coração.”
Uma importante diferença entre uma
«cultura» e as «etnociências» que ela pode encerrar, é que estas tendem a dividir
a realidade em fatias, à semelhança do que acontece com as «ciências» na
«civilização ocidental» (haverá então uma «etnociência» para cada «ciência»),
enquanto que as «culturas» tendem a integrar diversos aspectos da realidade (a
memória ética, os modelos interpretativos, …).
Sob um ponto de vista ocidental,
este desenho tanto evoca a geometria (por exemplo, para o estudo das simetrias)
como a topologia (por exemplo, para o estudo dos percursos numa cidade).
Referência bibliográfica: Gerdes (2013; p. 10)
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