quarta-feira, 24 de julho de 2024

[0349] Magia: uma tragédia onde todos escapam!

No blogue «Aprendizagens» é referido um interessante truque de magia que, sob o ponto de vista de um dos espectadores, pode ser descrito assim (com uns desenhos meus a ajudar):

O mágico deu a cada um de nós uma peça de jogo e uma folha com a planta de uma escola. E disse-nos:

- A vossa peça representa-vos. Coloquem-na ou na Sala de Professores, ou no Bar, ou no Refeitório, ou na Biblioteca. Esse será o lugar onde vocês estão agora na escola.

Cada um colocou a sua peça no espaço que quis. Eu coloquei a minha na Biblioteca.

- Já estão prontos? – perguntou o mágico. Como estávamos ele prosseguiu:
- Então cada um de vocês vai deslocar-se pela escola, atravessando, sucessivamente, quatro portas, à vossa escolha!
Nós fizemos como ele disse. Ouvi o tique tique tique das peças a deslocarem-se pela escola. Eu dei uma volta e parei no Refeitório.
- Muito bem. – disse o mágico – Agora vai acontecer o primeiro acto da tragédia que vos anunciei, o Laboratório de Ciências foi invadido por ratazanas! Pintem de vermelho esse espaço!
Distribui-nos uns lápis vermelhos. E nós pintalgámos o Laboratório de Ciências.

- Estão todos a salvo? – inquiriu o mágico.
Todos dissemos que sim, um pouco surpresos por ninguém ter estado no Laboratório.
- Ah! Ainda bem. Então atravessem agora três portas, por favor. Já está? A segunda desgraça acontece neste momento: há uma intoxicação no Refeitório; pintem-no de vermelho!
Eu tinha ido até ao Laboratório de Física, escapando por um triz ao acidente no Refeitório!

Começávamos a perceber que íamos passar o tempo a fugir de problemas, se não fossemos apanhados por eles. Pintámos de vermelho o Refeitório e aguardámos.
- Agora atravessem mais duas portas, à vossa escolha.
O mágico aguardou um pouco e continuou:
- Já o fizeram? Eis a terceira peça da tragédia: as prateleiras da Biblioteca desabaram. Pintem de vermelho a Biblioteca!

Eu fora do Laboratório de Física para o de Química, por pouco não regressara à Biblioteca!
E a coisa prosseguiu: a seguir cada um de nós atravessou mais três portas (eu fui para a Sala de Professores, talvez por pensar que aí nunca poderia acontecer nada).
Desta vez simultaneamente, aconteceram mais duas desgraças: as Casas de Banho inundaram-se e deu-se uma explosão no Laboratório de Química! Incrível, eu tinha escapado! E os outros também não se queixaram quando o mágico nos perguntou se estávamos todos bem!

- Óptimo! Vocês têm uma intuição magnífica para evitar desastres! Agora, atravessem mais três portas. Já está? Oh, mais um problema, rebentou um incêndio na Sala de Professores, pintem-na de vermelho!

Eu tinha saído precisamente da Sala de Professores e regressado ao Laboratório de Física. Tal como todos os outros estava estava bem, estávamos todos bem! Recebemos então mais uma intrução, atravessar uma só porta.
Fui para o Bar e quando lá cheguei recebemos a notícia de duas novas tragédias: o tecto do Polivalente tinha desabado e havia uma fuga de gás no Laboratório de Física!

- Onde é que cada um de vocês está? – perguntou um tanto alarmado o mágico, como que disposto a socorrer-nos, custasse o que custasse.
- No Bar ... – foi a nossa invariável resposta.
Estávamos todos no Bar!!!
- Uhm, se calhar não é a vossa intuição, - disse o mágico –Talvez seja apenas sorte. Bom, já que estão todos aí, pago-vos uma bebida!



Fundamentação:

Se se pode aceitar uma pessoa com sorte, por não estar em nenhum dos espaços no momento em que se deu nele um acidente, já não é nada provável que tal tenha acontecido a todos os participantes, nem que todos se encontrassem no Bar quando aconteceram os últimos desastres.

Decidi chamar à base teórica deste truque Geometria do Rei de Xadrez: se a planta da escola fosse um tabuleiro de Xadrez 3 x 3 e cada um dos participantes se pudesse movimentar nele como o Rei no jogo do Xadrez (cada movimento desloca-o da casa onde está para uma das casas laterais, ou a de cima, ou a de baixo, ou a da esquerda, ou a da direita), sendo preta a casa inicial, após um número ímpar de movimentos o Rei está noutra casa preta; e após um número par de movimentos ele está numa casa branca:

O mágico começou por dar uma instrução que colocou todos os participantes em «casas pretas» (se os espaços da escola fossem como o tabuleiro do exemplo dado atrás) e sitou o primeiro acidente numa casa branca: ninguém lá estava!
Depois repetiu o processo, cuidando de não deixar as casas ainda não acidentados sem acesso ao Bar, pois era esse o destino que tinha imaginado para todos!


Muitos truques de magia têm uma base «teórica» muito simples, tal como este tem. Mas manter a simplicidade na «prática» pode dar muito trabalho (inventar uma boa história; preparar a interacção com os participantes; produzir o material necessário).


Fonte: José Paulo Viana em 1994, no 4º Encontro Regional de Professores de Matemática de Almada e Seixal, cuja memória foi registada em https://aprendizagens2023.blogspot.com/2024/07/081-o-nucleo-da-apm-em-1993-94.html; a história contada acima é da minha responsabilidade (não assisti à apresentação do Zé Paulo)

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