domingo, 14 de julho de 2024

[0348] Sobre o décimo sexto Objectivo do Desenvolvimento Sustentável: Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 O 16º dos dezassete Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) é:


E, em https://unric.org/pt/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel, foi-nos apresentado assim:

Objetivo 16: Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade com ela relacionadas, em todos os lugares
Acabar com o abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra as crianças
Promover o Estado de Direito, ao nível nacional e internacional, e garantir a igualdade de acesso à justiça para todos
Até 2030, reduzir significativamente os fluxos ilegais financeiros e de armas, reforçar a recuperação e devolução de recursos roubados e combater todas as formas de crime organizado
Reduzir substancialmente a corrupção e o suborno em todas as suas formas
Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis
Garantir a tomada de decisão responsável, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis
Ampliar e fortalecer a participação dos países em desenvolvimento nas instituições de governação global
Até 2030, fornecer identidade legal para todos, incluindo o registo de nascimento
Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais
Fortalecer as instituições nacionais relevantes, inclusive através da cooperação internacional, para a construção de melhor capacidade de resposta em todos os níveis, em particular nos países em desenvolvimento, para a prevenção da violência e o combate ao terrorismo e ao crime
Promover e fazer cumprir leis e políticas não discriminatórias para o desenvolvimento sustentável.


Qualqur dos ODS é interpretado a seu modo por quem para eles quer contribuir.
Uma das instituições cuja missão é suposto contribuir para este objectivo para o 16º ODS é o Vaticano. E a encíclica
Fratelli tutti, do Papa Francisco, é um desses contributos. E foi assim divulgada pela «Vatican News»:
Fraternidade e amizade social são os caminhos indicados pelo Pontífice para construir um mundo melhor, mais justo e pacífico, com o compromisso de todos: pessoas e instituições. Reafirmado com vigor o não à guerra e à globalização da indiferença.
Quais são os grandes ideais mas também os caminhos concretos para aqueles que querem construir um mundo mais justo e fraterno nas suas relações quotidianas, na vida social, na política e nas instituições? Esta é a pergunta à qual pretende responder, principalmente, «Fratelli tutti»: o Papa define-a como uma «Encíclica Social» que toma o seu título das «Admoestações» de São Francisco de Assis, que usava essas palavras «para se dirigir a todos os irmãos e irmãs e lhes propor uma forma de vida com sabor do Evangelho»de social. No pano de fundo, há a pandemia da Covid-19 que - revela Francisco - «irrompeu de forma inesperada quando eu estava escrevendo esta carta». Mas a emergência sanitária global mostrou que «ninguém se salva sozinho» e que chegou realmente o momento de «sonhar como uma única humanidade», na qual somos "todos irmãos».
No primeiro de oito capítulos, intitulado «As sombras dum mundo fechado», o documento debruça-se sobre as muitas distorções da época contemporânea: a manipulação e a deformação de conceitos como democracia, liberdade, justiça; o egoísmo e a falta de interesse pelo bem comum; a prevalência de uma lógica de mercado baseada no lucro e na cultura do descarte; o desemprego, o racismo, a pobreza; a desigualdade de direitos e as suas aberrações como a escravatura, o tráfico de pessoas, as mulheres subjugadas e depois forçadas a abortar, o tráfico de órgãos. Estes são problemas globais que requerem ações globais, sublinha o Papa, apontando o dedo também contra uma «cultura de muros» que favorece a proliferação de máfias, alimentadas pelo medo e pela solidão.
A muitas sombras, porém, a Encíclica responde com um exemplo luminoso, o do bom samaritano, a quem é dedicado o segundo capítulo, «Um estranho no caminho». Nele, o Papa assinala que, numa sociedade doente que vira as costas à dor e é «analfabeta» no cuidado dos mais frágeis e vulneráveis, somos todos chamados a estar próximos uns dos outros, superando preconceitos e interesses pessoais. De fato, todos nós somos corresponsáveis na construção de uma sociedade que saiba incluir, integrar e levantar aqueles que sofrem. O amor constrói pontes e nós «somos feitos para o amor», acrescenta o Papa, exortando em particular os cristãos a reconhecerem Cristo no rosto de cada pessoa excluída. O princípio da capacidade de amar segundo «uma dimensão universal» é também retomado no terceiro capítulo, «Pensar e gerar um mundo aberto»: nele, Francisco exorta cada um de nós a «sair de si mesmo» para encontrar nos outros «um acrescentamento de ser», abrindo-nos ao próximo segundo o dinamismo da caridade que nos faz tender para a «comunhão universal»). Afinal – recorda a Encíclica - a estatura espiritual da vida humana é medida pelo amor que nos leva a procurar o melhor para a vida do outro. O sentido da solidariedade e da fraternidade nasce nas famílias que devem ser protegidas e respeitadas na sua «missão educativa primária e imprescindível».
O direito a viver com dignidade não pode ser negado a ninguém, afirma ainda o Papa, e uma vez que os direitos são sem fronteiras, ninguém pode ser excluído, independentemente do local onde nasceu. Deste ponto de vista, o Papa lembra também que é preciso pensar numa «ética das relações internacionais», porque cada país é também do estrangeiro e os bens do território não podem ser negados àqueles que têm necessidade e vêm de outro lugar. O direito natural à propriedade privada será, portanto, secundário em relação ao princípio do destino universal dos bens criados. A Encíclica também coloca uma ênfase específica na questão da dívida externa: embora se mantenha o princípio de que toda a dívida legitimamente contraída deve ser paga, espera-se, no entanto, que isto não comprometa o crescimento e a subsistência dos países mais pobres.
Ao tema das migrações é, ao invés, dedicado em parte o segundo e todo o quarto capítulo, «Um coração aberto ao mundo inteiro»: com as suas «vidas dilaceradas», em fuga das guerras, perseguições, catástrofes naturais, traficantes sem escrúpulos, arrancados das suas comunidades de origem, os migrantes devem ser acolhidos, protegidos, promovidos e integrados. Nos países destinatários, o justo equilíbrio será entre a proteção dos direitos dos cidadãos e a garantia de acolhimento e assistência aos migrantes. Especificamente, o Papa aponta algumas «respostas indispensáveis» especialmente para aqueles que fogem de «graves crises humanitárias»: incrementar e simplificar a concessão de vistos; abrir corredores humanitários; oferecer alojamento, segurança e serviços essenciais; oferecer possibilidade de trabalho e formação; favorecer a reunificação familiar; proteger os menores; garantir a liberdade religiosa. O que é necessário acima de tudo - lê-se no documento -, é uma legislação (governance) global para as migrações que inicie projetos a longo prazo, indo além das emergências individuais, em nome de um desenvolvimento solidário de todos os povos.
O tema do quinto capítulo é «A política melhor», ou seja, a que representa uma das formas mais preciosas da caridade porque está ao serviço do bem comum e conhece a importância do povo, entendido como uma categoria aberta, disponível ao confronto e ao diálogo. Este é o popularismo indicado por Francisco, que se contrapõe ao «populismo» que ignora a legitimidade da noção de «povo», atraindo consensos a fim de instrumentalizar ao serviço do seu projeto pessoal. Mas a melhor política é também a que protege o trabalho, «uma dimensão indispensável da vida social» e procura assegurar que cada um tenha a possibilidade de desenvolver as suas próprias capacidades. A verdadeira estratégia contra a pobreza, afirma a Encíclica, não visa simplesmente conter os necessitados, mas a promovê-los na perspectiva da solidariedade e da subsidiariedade. A tarefa da política, além disso, é encontrar uma solução para tudo o que atenta contra os direitos humanos fundamentais, tais como a exclusão social; tráfico de órgãos, e tecidos humanos, armas e drogas; exploração sexual; trabalho escravo; terrorismo e crime organizado. Forte o apelo do Papa para eliminar definitivamente o tráfico de seres humanos, «vergonha para a humanidade», e a fome, porque é «criminosa» porque a alimentação é «um direito inalienável».
A política da qual há necessidade, sublinha ainda Francisco, é aquela centrada na dignidade humana e que não está sujeita à finança porque «o mercado por si só, não resolve tudo»: os «estragos» provocados pela especulação financeira mostraram-no. Assumem, portanto, particular relevância os movimentos populares: verdadeiros «torrentes de energia moral», devem ser envolvidos na sociedade, de uma forma coordenada. Desta forma - afirma o Papa -, pode-se passar de uma política «para» os pobres para uma política «com» e «dos» pobres. Outro desejo presente na Encíclica diz respeito à reforma da ONU: perante o predomínio da dimensão económica, de fato, a tarefa das Nações Unidas será dar uma real concretização ao conceito de «família de nações», trabalhando para o bem comum, a erradicação da pobreza e a proteção dos direitos humanos. Recorrendo incansavelmente à «negociação, aos mediadores e à arbitragem» - afirma o documento pontifício - a ONU deve promover a força da lei sobre a lei da força.
Do sexto capítulo, «Diálogo e amizade social», emerge também o conceito de vida como «a arte do encontro» com todos, também com as periferias do mundo e com os povos originais, porque «de todos se pode aprender alguma coisa, ninguém é inútil, ninguém é supérfluo». Particular, então, a referência do Papa ao «milagre da amabilidade», uma atitude a ser recuperada porque é «uma estrela na escuridão» e uma «libertação da crueldade, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída» que prevalecem em época contemporânea. Reflete sobre o valor e a promoção da paz, o sétimo capítulo, intitulado «Percursos dum novo encontro», no qual o Papa sublinha que a paz é «proativa» e visa formar uma sociedade baseada no serviço aos outros e na busca da reconciliação e do desenvolvimento mútuo. A paz é uma «arte» em que cada um deve desempenhar o seu papel e cuja tarefa nunca termina. Ligado à paz está o perdão: devemos amar todos sem exceção - lê-se na Encíclica -, mas amar um opressor significa ajudá-lo a mudar e não permitir que ele continue a oprimir o seu próximo. Perdão não significa impunidade, mas justiça e memória, porque perdoar não significa esquecer, mas renunciar à força destrutiva do mal e da vingança. Nunca esquecer «horrores» como a Shoah, os bombardeamentos atómicos em Hiroshima e Nagasaki, perseguições e massacres étnicos - exorta o Papa - devem ser sempre recordados, novamente, para não nos anestesiarmos e manterem viva a chama da consciência coletiva. E também é importante fazer memória do bem.
Parte do sétimo capítulo se detém, então, sobre a guerra: «uma ameaça constante», que representa a «negação de todos os direitos», «o fracasso da política e da humanidade», «a vergonhosa rendição às forças do mal». Além disso, devido às armas nucleares, químicas e biológicas que afetam muitos civis inocentes, hoje já não podemos pensar, como no passado, numa possível «guerra justa», mas temos de reafirmar fortemente «Nunca mais a guerra!» A eliminação total das armas nucleares é «um imperativo moral e humanitário»; em vez disso - sugere o Papa - com o dinheiro do armamento deveria ser criado um Fundo Mundial para acabar de vez com a fome. Francisco expressa uma posição igualmente clara sobre a pena de morte: é inadmissível e deve ser abolida em todo o mundo. «O homicida não perde a sua dignidade pessoal - escreve o Papa – e o próprio Deus Se constitui seu garant. Ao mesmo tempo, a necessidade de respeitar «a sacralidade da vida» é reafirmada onde «partes da humanidade parecem sacrificáveis», tais como os nascituros, os pobres, os deficientes, os idosos.
No oitavo e último capítulo, o Pontífice se detém sobre «Religiões ao serviço da fraternidade no mundo» e reitera que o terrorismo não se deve à religião, mas a interpretações erradas de textos religiosos, bem como a políticas de fome, pobreza, injustiça e opressão. Um caminho de paz entre a religiões é, portanto, possível; por isso, é necessário garantir a liberdade religiosa, direito humano fundamental para todos os crentes. Uma reflexão, em particular, a Encíclica faz sobre o papel da Igreja: ela não relega a sua missão à esfera privada e, embora não fazendo política, não renuncia à dimensão política da existência, à atenção ao bem comum e à preocupação pelo desenvolvimento humano integral, segundo os princípios evangélicos.
Enfim, Francisco cita o «Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum», assinado por ele mesmo em 4 de fevereiro de 2019 em Abu Dhabi, junto com o Grande Imã de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyib: desta pedra miliar do diálogo inter-religioso, o Pontífice retoma o apelo para que, em nome da fraternidade humana, o diálogo seja adoptado como caminho, a colaboração comum como conduta, e o conhecimento mútuo como método e critério.


Neste blogue, os dezassete Objectivos do Desenvolvimento Sustentável foram genericamente apresentados na mensagem «0080».
Depois foi feita uma apresentação específica, com um comentário, aos seguintes objectivos: erradicar a pobreza (mensagens «0154», «0196» e «0206»), erradicar a fome («0157»), saúde de qualidade («0169»), educação de qualidade («0176»), igualdade de género («0178»), água potável e saneamento  («0239»), energias renováveis e acessíveis («0244»), trabalho digno e crescimento económico («0267»), indústria, inovação e infraestruturas («0275»), reduzir as desigualdades («0294»), cidades e comunidades sustentáveis («0314»), produção e consumo sustentáveis («0324»), acção climática («0334»), proteger a vida marinha e proteger a vida terrestre («0339»).




Fonte: além da referida acima (ONU), ainda a notícia, publicada em 4 de outubro de 2020 na Vatican News, https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-10/a-nova-enciclica-social-fratelli-tutti.html

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