quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

[0355] Crise na Cozinha: as medidas de volume são um terror!

Quanto mais o Natal se aproxima mais aumentam, na cozinha, os momentos de desespero relacionados com a interpretação de receitas onde é reclamada a utilização de submúltiplos do litro! Eis dois exemplos dos instrumentos que provocam estas crises laborais:



Estes desesperos parecem estar associados a diversas questões nestes instrumentos:
(1) Onde está a indicação de que o volume é um litro?
(2) Que significam aquelas letras a seguir aos números?
(3) Que têm estes números a ver uns com os outros?

Comentário à questão (1)

Na ferramenta da esquerda não está explícita a altura a que corresponde o «litro».
E na ferramenta da direita apenas está escrito «1/2 L», pelo que dois volumes destes equivalerão ao «litro».
Utilizando uma ideia que era usada nas escolas há umas décadas atrás, podemos imaginar um litro como equivalendo ao volume de um cubo com os lados iguais a 10 centímetros (mais ou menos meio palmo de um adulto).
Mas sabê-lo ainda não nos ajuda a usar as ferramentas cujas imagens estão mostradas acima.

Comentário à questão (2)

Podemos deduzir que dentro do cubo com 10 centímetros de lado existem mil cubinhos, cada um com um só centímetro de lado, pois uma aresta do cubo tem 10 cubinhos; uma face do cubo tem x 10 = 100 cubinhos; e o cubo todo tem 10 faces, portanto 10 x 100 = 1000 cubinhos:



Isto permite-nos expressar os submúltipos do «litro» de dois modos distintos mas equivalentes:
F Se partirmos do cubinho e lhe chamarmos «centímetro cúbico» (símbolo: «cm3»; ou, à inglesa, «ccm»), as quatro figuras acima correspondem a «1 cm3», a «10 cm3», a 100 cm3» e a «1000 cm3»; então ficamos a saber que «1 litro = 1000 cm3» (isto é, igual a «1 decímetro cúbico», simbolizado por «1 dm3»);
F Se partirmos do cubo grande (ou seja, do «litro»), a sua face tem dez vezes menos cubinhos (sendo por isso designada por «decilitro», cujo símbolo é «dl»); a sua aresta é cem vezes mais pequena (o «centilitro», ou «cl») e o cubinho isolado é-o mil vezes (o «mililitro, ou «ml»).

Note-se que, na base destas duas linguagens está o «mililitro», equivalente ao «centímetro cúbico». Sabendo-o, podemos estabelecer equivalências de volumes entre os dois instrumentos figurados acima

Comentário à questão (3)

Os instrumentos que ajudam quem trabalha na cozinha com volume inferiores ao litro dispõem de indicações para ajudar a determinar onde se situa o nível desejado.
No entanto podem surgir embaraços interpretativos se a receita que estamos a consultar usa uma linguagem (por exemplo a dos « cm3») e o instrumento de que dispomos usa outra (por exemplo, «1/2» de litro, «1/4» de litro, etc.).
Para os ajudar a superar estes embaraços aqui vai uma tabela que estabelece algumas equivalências (e que facilmente pode ser ampliada com mais linhas horizontais, copiada e colocada entre os livros de receitas):


A maioria dos volumes intermédios indicados pode ser determinada por simples adição das medidas indicadas nos instrumentos de cozinha, como, por exemplo:

400 ml = 200 ml + 200 ml

ou

8 dl = 5 dl + 2 dl + 1 dl.

Talvez fosse interessante ter nas cozinhas um ou mais azulejos que, em vez de serem brancos, como quase sempre são, dispusessem de indicações para ajudar quem cozinha a tomar algumas das decisões que exigem o domínio de conceitos matemáticos como os referidos atrás.
Por exemplo, este azulejo quadrado com15 centímetros de lado:



No século XVIII os jesuítas colocaram nas paredes de algumas das suas salas de aula (pelo menos em Évora e Lisboa) azulejos com ensinamentos básicos relacionados com a Astronomia, a Matemática e a Física (e outras disciplinas?), aos quais os seus estudiosos chamam, hoje, «azulejos didácticos» (há alguns desses azulejos expostos em Coimbra, no Museu Nacional de Machado de Castro: ver mensagem «108» deste blogue).
A ser experimentada com sucesso a produção de azulejos com ensinamentos práticos como os propostos acima, de modo a que figurem em locais chave do nosso dia-a-dia, poder-se-lhes-ia chamar «Novos Azulejos Didácticos», sendo de destacar que eles agora não figurariam em salas de aula, mas sim onde nós vivemos, trabalhamos e também aprendemos!


Fotografia e desenhos: Pedro Esteves

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

[0354] Jogos para os quais há material em casa (XI): o «Leopardos e Vacas»

Este jogo, originário do Sri Lanka, simula o combate entre 2 Leopardos e 24 Vacas, pertencendo assim à família dos «jogos de caça» (como o «Raposa e Galinhas», que este blogue divulgou através da mensagem «0258») e dos «jogos de guerra» (como o «Assalto», aqui divulgado pela mensagem «0332»).
O tabuleiro onde se joga é o seguinte:




Trata-se de um jogo para dois jogadores, que se alternam a jogar.
Começa o que tem os Leopardos, colocando um deles em qualquer ponto (intersecção de linhas azuis) do tabuleiro. Depois, o outro jogador coloca uma Vaca, num ponto livre do tabuleiro. De seguida são colocados o último Leopardo e uma segunda Vaca. E a partir daqui as jogadas dos Leopardos consistem na movimentação de um deles; e as das Vacas na colocação das restantes vinte e duas, só então podendo ser movimentada uma delas quando for a sua vez de jogar.

O movimento de uma Vaca é feito entre dois pontos vizinhos do tabuleiro, ligados por uma linha, estando livre o ponto de chegada.
O movimento de um Leopardo é realizado de um de dois modos:
* ou deslocando-o entre dois pontos do tabuleiro, tal como se movem as Vacas;
* ou fazendo-o saltar sobre uma (ou mais) Vaca(s), como no jogo das Damas, retirando do tabuleiro a(s) Vaca(s) assim capturadas (este movimento só é possível se o ponto situado a seguir a uma Vaca a capturar estiver livre, podendo o Leopardo, após cada captura, mudar de direcção para capturar outra Vaca).

Para que o jogador que tem as Vacas não adopte uma atitude meramente defensiva, o seu objectivo deve ser o de encurralar os dois Leopardos, isto é, não lhes permitir realizar qualquer movimento (de deslocação, de captura); se não o conseguir, os Leopardos acabarão por capturar todas as Vacas.

Após terminar um jogo, os jogadores trocam de peças, jogando assim, rotativamente, tantas vezes quantas as que acordarem.

Para jogar o Leopardos e Vacas em casa, são portanto necessárias 2 peças para representar os Leopardos, 24 peças para representar as Vacas e um tabuleiro. Este pode ser obtido através da página Documentos deste blogue, aí clicando em Jogos de Reflexão e procurando na respectiva Drop Box o ficheiro sobre este jogo, o qual permite imprimir o tabuleiro ou ajudar a que se faça dele um paciente desenho.

Nem todas as fontes apresentam exactamente as mesmas regras para este jogo, e a té o mesmo tabuleiro. Um outra versão deste é semelhante à anterior, sem as 4 x 3 = doze casas mais afastadas do centro:




Fontes: regras divulgadas pela organização Oikos; livro de Guik (pp. 257-258)
Desenhos: Pedro Esteves

sábado, 7 de setembro de 2024

[0353] A Declaração Universal sobre os Arquivos

Em Novembro de 2011, na 36ª Conferência Geral da Unesco, realizada em Paris, foi aprovada a Declaração Universal sobre os Arquivos, através da qual se assumiu o valor dos documentos de arquivo como património e memória, bem como fundamento para muitas das decisões que são tomadas.

Tal como então foi recordado, «os arquivos não são imensas campas nas quais fiquem enterradas as experiências humanas e os seus dramas, mas ao contrário, os arquivos representam muitas das condições que permitem a formação de uma consciência humana» (Jaime Torres Bodet, Diretor-geral da Unesco, em discurso de 1948).


Declaração Universal sobre os Arquivos


Os Arquivos registam decisões, ações e memórias. Os Arquivos constituem um património único e insubstituível transmitido de geração em geração. Os documentos de arquivo são geridos desde a sua criação para preservar o seu valor e significado. Os Arquivos são fontes fiáveis de informação para uma governação responsável e transparente. Desempenham um papel essencial no desenvolvimento das sociedades ao contribuir para a constituição e salvaguarda da memória individual e coletiva. O livre acesso aos arquivos enriquece o conhecimento sobre a sociedade humana, promove a democracia, protege os direitos dos cidadãos e melhora a qualidade de vida. Por isso reconhecemos:

•  o caráter único dos arquivos como provas autênticas das atividades administrativas, culturais e intelectuais e como um reflexo da evolução das sociedades;
•  o papel essencial dos arquivos para garantir uma gestão eficaz, responsável e transparente, para proteger os direitos dos cidadãos, assegurar a memória individual e coletiva, e para compreender o passado, documentar o presente com vista a orientar o futuro;
•  a diversidade dos arquivos permite documentar todas as áreas da atividade humana;
•  a multiplicidade de suportes e formatos em que os documentos são produzidos e conservados, incluindo papel, eletrónico, audiovisual e outros;
•  o papel dos arquivistas, profissionais qualificados, com formação inicial e contínua, ao serviço da sociedade, apoiando o processo de produção dos documentos, a sua avaliação, seleção e conservação, e a respetiva disponibilização;
•  a responsabilidade coletiva, envolvendo, cidadãos, decisores públicos, proprietários ou detentores de arquivos públicos ou privados, arquivistas e outros profissionais da informação, na gestão de arquivos.

 Por isso comprometemo-nos a trabalhar em conjunto, para que:

•  sejam adotadas e aplicadas políticas e legislação arquivística adequadas;
•  todos os organismos públicos ou privados que produzem e utilizam documentos para o exercício das suas atividades valorizem e exerçam eficazmente a gestão dos seus arquivos;
•  sejam disponibilizados os recursos necessários para apoiar a adequada gestão dos arquivos, inclusive a contratação de profissionais qualificados;
• os arquivos sejam geridos e conservados de forma a garantir a sua autenticidade, fiabilidade, integridade e utilização;
•  os arquivos sejam acessíveis a todos, respeitando a legislação em vigor sobre esta matéria e sobre os direitos dos cidadãos, dos produtores, dos proprietários e dos utilizadores;
•  os arquivos sejam utilizados de modo a contribuir para a promoção de uma cidadania responsável.



Fonte: Direcção-Geral de Arquivos (2011)

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

[0352] A omnipresença da Geometria no Mosteiro de Santa Cruz (Coimbra)

Pode ser que qualquer ideologia, ao aspirar à interpretação perfeita do mundo, procure e apure uma linguagem simples para o expressar.

Esta hipotética relação entre o que é complexo e a sua formulação depurada parece explicar a força com que os padrões geométricos estruturam os espaços construídos com uma intenção ideológica.

Assim o senti no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra:

Nas formas exteriores


Nas formas interiores

Nas estruturas

Nos pavimentos

Nas paredes e nos tectos

Nos revestimentos

No mobiliário


Fotografias (em 21 de Agosto de 2024): Pedro Esteves (segunda, terceira e última); Eva Maria Blum (restantes)

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

[0351] Um ilusionismo baseado na Partição de Perigal

É na Partição de Perigal que se baseia uma das demonstrações mais estéticas do Teorema de Pitágoras.

Este teorema, que tanto pode ser enunciado de forma algébrica (a célebre lengalenga da «soma dos quadrados dos catetos» ser igual ao «quadrado da hipotenusa») como de forma geométrica (os anteriores «quadrados», a x a, b x b e c x c, passam a ser interpretados como «áreas de quadrados»), foi elegantemente demonstrado no século XIX pelo matemático inglês Henry Perigal (1801 – 1898).
Qual foi o seu método?

A partir do desenho de qualquer triângulo rectângulo (escolhi um com catetos 3 x 5 cm, a verde no desenho) desenhamos três quadrados que têm como um dos lados os seus catetos e a sua hipotenusa (não estão coloridos no desenho). O resultado é este:




A interpretação geométrica do Teorema de Pitágoras diz-nos que a área do quadrado pequeno (à esquerda) mais a área do quadrado médio (em baixo) é igual à área do quadrado grande (em cima à direita). Como demonstrou Perigal esta afirmação?

Primeiro é preciso cortar o quadrado médio duas vezes, de tal modo que os dois cortes se cruzem no seu centro, sendo um deles paralelo e o outro perpendicular à hipotenusa (ou seja, cada um deles é paralelo a dois lados do quadrado grande).
Decidi colorir (a amarelo) os quatro quadriláteros resultantes e colorir também (a azul) o quadrado pequeno:



A Partição de Perigal é o resultado dos cortes que deram os quatro quadriláteros amarelos.
Agora, Perigal, dispondo de cinco polígonos (o azul e os quatro amarelos) com uma área total igual à área dos dois quadrados mais pequenos, «compôs» (que é o inverso de «partir») com eles o quadrado grande. E obteve isto:



É claro que Perigal ainda não tinha acabado a sua demonstração, mas o que falta já não interessa para perceber o que se passa no «ilusionismo» referido no título desta mensagem.



O referido «ilusionismo» surgiu-me através de um vídeo divulgado por uma das chamadas «redes sociais» (acessível através de https://www.facebook.com/reel/1012762403394683).
Que é nele mostrado?
Numa moldura de madeira, quadrangular, encontram-se encaixados quatro quadriláteros que imediatamente lembram os da Partição de Perigal, parecendo «bem ajustados» à moldura.
Após serem retirados de lá, é-nos mostrado um quadradinho, bastante pequeno, que é colocado no centro da moldura. Por fim, cada um dos quatro quadriláteros regressam à moldura, preenchendo todo o espaço deixado livre pelo quadradinho.
Com foi possível a moldura ter estado totalmente preenchida pelos quatro quadriláteros e, afinal, ainda permitir, com outra disposição, acolher mais um quadradinho?



Comentários:

Há outras «magias» baseadas no efeito usado nesta: existe uma pequena folga numa das configurações, enquanto na outra configuração não existe qualquer folga.
Neste caso, a folga estava na primeira configuração, e ela corresponde à área do quadradinho que surge na segunda configuração, mas distribuída por todo o perímetro da moldura.
Para o entender, basta considerar as fases da demonstração de Perigal: se o cateto mais pequeno for mesmo muito pequeno (equivalente ao «quadradinho»), o quadrado médio vai ser quase do tamanho do quadrado grande. Se a moldura tiver a dimensão do quadrado grande, a colocação dos quatro quadriláteros quase o preenche por completo, criando a ilusão visual de não haver espaço vazio ...

Este truque ilusionista é, no fundo, um pouco parecido com as demonstrações do Teorema de Pitágoras que são feitas nas escolas: quando se chega ao momento de ver tudo em pormenor (medidas dos lados e dos ângulos, etc.), que é onde a demonstração se consolida, tudo se precipita e a lição está terminada.

Tal «c.q.d.» («como queríamos demonstrar»)


Desenhos: Pedro Esteves
Fotografia: pesquisa via Google

terça-feira, 30 de julho de 2024

[0350] Um instrumento portátil para medir comprimentos: o nosso corpo

Na seguinte imagem estão representadas, artisticamente, quatro unidades de comprimento que usam como referência o nosso corpo:


São elas o Cúbito (à esquerda), o Palmo (ao centro), a Polegada (em cima) e, apenas parcialmente, a Braça (à direita)
Esta última está plenamente representada nesta outra imagem:


De onde vieram estas imagens? Da actual decoração de um edifício  situado em Frankfurt am Main, que outrora se destinava à comercialização dos produtos fabricados pelos padeiros, o Weckmarkt («Weck» é o nome pelo qual as nossas «Bolinhas» são conhecidas no Sul da Alemanha; e «Markt» significa «Mercado»).

Eis como se aparentava esse edifício há dez anos atrás:


Havia, nas proximidades deste edifício, outros destinados à comercialização de frutas, de legumes, de carnes, etc..

Ás quatro unidades de comprimento referidas acima poder-se-iam também juntar outras como o e o Passo, igualmente baseadas no nosso corpo. E, se nos contentassemos com as alegorias, poderíamos ainda recordar o uso quotidiano de expressões como Por um cabelo e Por uma unha negra ...



Fotografias Eva Maria Blum (5 Setembro 2014)

quarta-feira, 24 de julho de 2024

[0349] Magia: uma tragédia onde todos escapam!

No blogue «Aprendizagens» é referido um interessante truque de magia que, sob o ponto de vista de um dos espectadores, pode ser descrito assim (com uns desenhos meus a ajudar):

O mágico deu a cada um de nós uma peça de jogo e uma folha com a planta de uma escola. E disse-nos:

- A vossa peça representa-vos. Coloquem-na ou na Sala de Professores, ou no Bar, ou no Refeitório, ou na Biblioteca. Esse será o lugar onde vocês estão agora na escola.

Cada um colocou a sua peça no espaço que quis. Eu coloquei a minha na Biblioteca.

- Já estão prontos? – perguntou o mágico. Como estávamos ele prosseguiu:
- Então cada um de vocês vai deslocar-se pela escola, atravessando, sucessivamente, quatro portas, à vossa escolha!
Nós fizemos como ele disse. Ouvi o tique tique tique das peças a deslocarem-se pela escola. Eu dei uma volta e parei no Refeitório.
- Muito bem. – disse o mágico – Agora vai acontecer o primeiro acto da tragédia que vos anunciei, o Laboratório de Ciências foi invadido por ratazanas! Pintem de vermelho esse espaço!
Distribui-nos uns lápis vermelhos. E nós pintalgámos o Laboratório de Ciências.

- Estão todos a salvo? – inquiriu o mágico.
Todos dissemos que sim, um pouco surpresos por ninguém ter estado no Laboratório.
- Ah! Ainda bem. Então atravessem agora três portas, por favor. Já está? A segunda desgraça acontece neste momento: há uma intoxicação no Refeitório; pintem-no de vermelho!
Eu tinha ido até ao Laboratório de Física, escapando por um triz ao acidente no Refeitório!

Começávamos a perceber que íamos passar o tempo a fugir de problemas, se não fossemos apanhados por eles. Pintámos de vermelho o Refeitório e aguardámos.
- Agora atravessem mais duas portas, à vossa escolha.
O mágico aguardou um pouco e continuou:
- Já o fizeram? Eis a terceira peça da tragédia: as prateleiras da Biblioteca desabaram. Pintem de vermelho a Biblioteca!

Eu fora do Laboratório de Física para o de Química, por pouco não regressara à Biblioteca!
E a coisa prosseguiu: a seguir cada um de nós atravessou mais três portas (eu fui para a Sala de Professores, talvez por pensar que aí nunca poderia acontecer nada).
Desta vez simultaneamente, aconteceram mais duas desgraças: as Casas de Banho inundaram-se e deu-se uma explosão no Laboratório de Química! Incrível, eu tinha escapado! E os outros também não se queixaram quando o mágico nos perguntou se estávamos todos bem!

- Óptimo! Vocês têm uma intuição magnífica para evitar desastres! Agora, atravessem mais três portas. Já está? Oh, mais um problema, rebentou um incêndio na Sala de Professores, pintem-na de vermelho!

Eu tinha saído precisamente da Sala de Professores e regressado ao Laboratório de Física. Tal como todos os outros estava estava bem, estávamos todos bem! Recebemos então mais uma intrução, atravessar uma só porta.
Fui para o Bar e quando lá cheguei recebemos a notícia de duas novas tragédias: o tecto do Polivalente tinha desabado e havia uma fuga de gás no Laboratório de Física!

- Onde é que cada um de vocês está? – perguntou um tanto alarmado o mágico, como que disposto a socorrer-nos, custasse o que custasse.
- No Bar ... – foi a nossa invariável resposta.
Estávamos todos no Bar!!!
- Uhm, se calhar não é a vossa intuição, - disse o mágico –Talvez seja apenas sorte. Bom, já que estão todos aí, pago-vos uma bebida!



Fundamentação:

Se se pode aceitar uma pessoa com sorte, por não estar em nenhum dos espaços no momento em que se deu nele um acidente, já não é nada provável que tal tenha acontecido a todos os participantes, nem que todos se encontrassem no Bar quando aconteceram os últimos desastres.

Decidi chamar à base teórica deste truque Geometria do Rei de Xadrez: se a planta da escola fosse um tabuleiro de Xadrez 3 x 3 e cada um dos participantes se pudesse movimentar nele como o Rei no jogo do Xadrez (cada movimento desloca-o da casa onde está para uma das casas laterais, ou a de cima, ou a de baixo, ou a da esquerda, ou a da direita), sendo preta a casa inicial, após um número ímpar de movimentos o Rei está noutra casa preta; e após um número par de movimentos ele está numa casa branca:

O mágico começou por dar uma instrução que colocou todos os participantes em «casas pretas» (se os espaços da escola fossem como o tabuleiro do exemplo dado atrás) e sitou o primeiro acidente numa casa branca: ninguém lá estava!
Depois repetiu o processo, cuidando de não deixar as casas ainda não acidentados sem acesso ao Bar, pois era esse o destino que tinha imaginado para todos!


Muitos truques de magia têm uma base «teórica» muito simples, tal como este tem. Mas manter a simplicidade na «prática» pode dar muito trabalho (inventar uma boa história; preparar a interacção com os participantes; produzir o material necessário).


Fonte: José Paulo Viana em 1994, no 4º Encontro Regional de Professores de Matemática de Almada e Seixal, cuja memória foi registada em https://aprendizagens2023.blogspot.com/2024/07/081-o-nucleo-da-apm-em-1993-94.html; a história contada acima é da minha responsabilidade (não assisti à apresentação do Zé Paulo)

domingo, 14 de julho de 2024

[0348] Sobre o décimo sexto Objectivo do Desenvolvimento Sustentável: Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 O 16º dos dezassete Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) é:


E, em https://unric.org/pt/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel, foi-nos apresentado assim:

Objetivo 16: Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade com ela relacionadas, em todos os lugares
Acabar com o abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra as crianças
Promover o Estado de Direito, ao nível nacional e internacional, e garantir a igualdade de acesso à justiça para todos
Até 2030, reduzir significativamente os fluxos ilegais financeiros e de armas, reforçar a recuperação e devolução de recursos roubados e combater todas as formas de crime organizado
Reduzir substancialmente a corrupção e o suborno em todas as suas formas
Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis
Garantir a tomada de decisão responsável, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis
Ampliar e fortalecer a participação dos países em desenvolvimento nas instituições de governação global
Até 2030, fornecer identidade legal para todos, incluindo o registo de nascimento
Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais
Fortalecer as instituições nacionais relevantes, inclusive através da cooperação internacional, para a construção de melhor capacidade de resposta em todos os níveis, em particular nos países em desenvolvimento, para a prevenção da violência e o combate ao terrorismo e ao crime
Promover e fazer cumprir leis e políticas não discriminatórias para o desenvolvimento sustentável.


Qualqur dos ODS é interpretado a seu modo por quem para eles quer contribuir.
Uma das instituições cuja missão é suposto contribuir para este objectivo para o 16º ODS é o Vaticano. E a encíclica
Fratelli tutti, do Papa Francisco, é um desses contributos. E foi assim divulgada pela «Vatican News»:
Fraternidade e amizade social são os caminhos indicados pelo Pontífice para construir um mundo melhor, mais justo e pacífico, com o compromisso de todos: pessoas e instituições. Reafirmado com vigor o não à guerra e à globalização da indiferença.
Quais são os grandes ideais mas também os caminhos concretos para aqueles que querem construir um mundo mais justo e fraterno nas suas relações quotidianas, na vida social, na política e nas instituições? Esta é a pergunta à qual pretende responder, principalmente, «Fratelli tutti»: o Papa define-a como uma «Encíclica Social» que toma o seu título das «Admoestações» de São Francisco de Assis, que usava essas palavras «para se dirigir a todos os irmãos e irmãs e lhes propor uma forma de vida com sabor do Evangelho»de social. No pano de fundo, há a pandemia da Covid-19 que - revela Francisco - «irrompeu de forma inesperada quando eu estava escrevendo esta carta». Mas a emergência sanitária global mostrou que «ninguém se salva sozinho» e que chegou realmente o momento de «sonhar como uma única humanidade», na qual somos "todos irmãos».
No primeiro de oito capítulos, intitulado «As sombras dum mundo fechado», o documento debruça-se sobre as muitas distorções da época contemporânea: a manipulação e a deformação de conceitos como democracia, liberdade, justiça; o egoísmo e a falta de interesse pelo bem comum; a prevalência de uma lógica de mercado baseada no lucro e na cultura do descarte; o desemprego, o racismo, a pobreza; a desigualdade de direitos e as suas aberrações como a escravatura, o tráfico de pessoas, as mulheres subjugadas e depois forçadas a abortar, o tráfico de órgãos. Estes são problemas globais que requerem ações globais, sublinha o Papa, apontando o dedo também contra uma «cultura de muros» que favorece a proliferação de máfias, alimentadas pelo medo e pela solidão.
A muitas sombras, porém, a Encíclica responde com um exemplo luminoso, o do bom samaritano, a quem é dedicado o segundo capítulo, «Um estranho no caminho». Nele, o Papa assinala que, numa sociedade doente que vira as costas à dor e é «analfabeta» no cuidado dos mais frágeis e vulneráveis, somos todos chamados a estar próximos uns dos outros, superando preconceitos e interesses pessoais. De fato, todos nós somos corresponsáveis na construção de uma sociedade que saiba incluir, integrar e levantar aqueles que sofrem. O amor constrói pontes e nós «somos feitos para o amor», acrescenta o Papa, exortando em particular os cristãos a reconhecerem Cristo no rosto de cada pessoa excluída. O princípio da capacidade de amar segundo «uma dimensão universal» é também retomado no terceiro capítulo, «Pensar e gerar um mundo aberto»: nele, Francisco exorta cada um de nós a «sair de si mesmo» para encontrar nos outros «um acrescentamento de ser», abrindo-nos ao próximo segundo o dinamismo da caridade que nos faz tender para a «comunhão universal»). Afinal – recorda a Encíclica - a estatura espiritual da vida humana é medida pelo amor que nos leva a procurar o melhor para a vida do outro. O sentido da solidariedade e da fraternidade nasce nas famílias que devem ser protegidas e respeitadas na sua «missão educativa primária e imprescindível».
O direito a viver com dignidade não pode ser negado a ninguém, afirma ainda o Papa, e uma vez que os direitos são sem fronteiras, ninguém pode ser excluído, independentemente do local onde nasceu. Deste ponto de vista, o Papa lembra também que é preciso pensar numa «ética das relações internacionais», porque cada país é também do estrangeiro e os bens do território não podem ser negados àqueles que têm necessidade e vêm de outro lugar. O direito natural à propriedade privada será, portanto, secundário em relação ao princípio do destino universal dos bens criados. A Encíclica também coloca uma ênfase específica na questão da dívida externa: embora se mantenha o princípio de que toda a dívida legitimamente contraída deve ser paga, espera-se, no entanto, que isto não comprometa o crescimento e a subsistência dos países mais pobres.
Ao tema das migrações é, ao invés, dedicado em parte o segundo e todo o quarto capítulo, «Um coração aberto ao mundo inteiro»: com as suas «vidas dilaceradas», em fuga das guerras, perseguições, catástrofes naturais, traficantes sem escrúpulos, arrancados das suas comunidades de origem, os migrantes devem ser acolhidos, protegidos, promovidos e integrados. Nos países destinatários, o justo equilíbrio será entre a proteção dos direitos dos cidadãos e a garantia de acolhimento e assistência aos migrantes. Especificamente, o Papa aponta algumas «respostas indispensáveis» especialmente para aqueles que fogem de «graves crises humanitárias»: incrementar e simplificar a concessão de vistos; abrir corredores humanitários; oferecer alojamento, segurança e serviços essenciais; oferecer possibilidade de trabalho e formação; favorecer a reunificação familiar; proteger os menores; garantir a liberdade religiosa. O que é necessário acima de tudo - lê-se no documento -, é uma legislação (governance) global para as migrações que inicie projetos a longo prazo, indo além das emergências individuais, em nome de um desenvolvimento solidário de todos os povos.
O tema do quinto capítulo é «A política melhor», ou seja, a que representa uma das formas mais preciosas da caridade porque está ao serviço do bem comum e conhece a importância do povo, entendido como uma categoria aberta, disponível ao confronto e ao diálogo. Este é o popularismo indicado por Francisco, que se contrapõe ao «populismo» que ignora a legitimidade da noção de «povo», atraindo consensos a fim de instrumentalizar ao serviço do seu projeto pessoal. Mas a melhor política é também a que protege o trabalho, «uma dimensão indispensável da vida social» e procura assegurar que cada um tenha a possibilidade de desenvolver as suas próprias capacidades. A verdadeira estratégia contra a pobreza, afirma a Encíclica, não visa simplesmente conter os necessitados, mas a promovê-los na perspectiva da solidariedade e da subsidiariedade. A tarefa da política, além disso, é encontrar uma solução para tudo o que atenta contra os direitos humanos fundamentais, tais como a exclusão social; tráfico de órgãos, e tecidos humanos, armas e drogas; exploração sexual; trabalho escravo; terrorismo e crime organizado. Forte o apelo do Papa para eliminar definitivamente o tráfico de seres humanos, «vergonha para a humanidade», e a fome, porque é «criminosa» porque a alimentação é «um direito inalienável».
A política da qual há necessidade, sublinha ainda Francisco, é aquela centrada na dignidade humana e que não está sujeita à finança porque «o mercado por si só, não resolve tudo»: os «estragos» provocados pela especulação financeira mostraram-no. Assumem, portanto, particular relevância os movimentos populares: verdadeiros «torrentes de energia moral», devem ser envolvidos na sociedade, de uma forma coordenada. Desta forma - afirma o Papa -, pode-se passar de uma política «para» os pobres para uma política «com» e «dos» pobres. Outro desejo presente na Encíclica diz respeito à reforma da ONU: perante o predomínio da dimensão económica, de fato, a tarefa das Nações Unidas será dar uma real concretização ao conceito de «família de nações», trabalhando para o bem comum, a erradicação da pobreza e a proteção dos direitos humanos. Recorrendo incansavelmente à «negociação, aos mediadores e à arbitragem» - afirma o documento pontifício - a ONU deve promover a força da lei sobre a lei da força.
Do sexto capítulo, «Diálogo e amizade social», emerge também o conceito de vida como «a arte do encontro» com todos, também com as periferias do mundo e com os povos originais, porque «de todos se pode aprender alguma coisa, ninguém é inútil, ninguém é supérfluo». Particular, então, a referência do Papa ao «milagre da amabilidade», uma atitude a ser recuperada porque é «uma estrela na escuridão» e uma «libertação da crueldade, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída» que prevalecem em época contemporânea. Reflete sobre o valor e a promoção da paz, o sétimo capítulo, intitulado «Percursos dum novo encontro», no qual o Papa sublinha que a paz é «proativa» e visa formar uma sociedade baseada no serviço aos outros e na busca da reconciliação e do desenvolvimento mútuo. A paz é uma «arte» em que cada um deve desempenhar o seu papel e cuja tarefa nunca termina. Ligado à paz está o perdão: devemos amar todos sem exceção - lê-se na Encíclica -, mas amar um opressor significa ajudá-lo a mudar e não permitir que ele continue a oprimir o seu próximo. Perdão não significa impunidade, mas justiça e memória, porque perdoar não significa esquecer, mas renunciar à força destrutiva do mal e da vingança. Nunca esquecer «horrores» como a Shoah, os bombardeamentos atómicos em Hiroshima e Nagasaki, perseguições e massacres étnicos - exorta o Papa - devem ser sempre recordados, novamente, para não nos anestesiarmos e manterem viva a chama da consciência coletiva. E também é importante fazer memória do bem.
Parte do sétimo capítulo se detém, então, sobre a guerra: «uma ameaça constante», que representa a «negação de todos os direitos», «o fracasso da política e da humanidade», «a vergonhosa rendição às forças do mal». Além disso, devido às armas nucleares, químicas e biológicas que afetam muitos civis inocentes, hoje já não podemos pensar, como no passado, numa possível «guerra justa», mas temos de reafirmar fortemente «Nunca mais a guerra!» A eliminação total das armas nucleares é «um imperativo moral e humanitário»; em vez disso - sugere o Papa - com o dinheiro do armamento deveria ser criado um Fundo Mundial para acabar de vez com a fome. Francisco expressa uma posição igualmente clara sobre a pena de morte: é inadmissível e deve ser abolida em todo o mundo. «O homicida não perde a sua dignidade pessoal - escreve o Papa – e o próprio Deus Se constitui seu garant. Ao mesmo tempo, a necessidade de respeitar «a sacralidade da vida» é reafirmada onde «partes da humanidade parecem sacrificáveis», tais como os nascituros, os pobres, os deficientes, os idosos.
No oitavo e último capítulo, o Pontífice se detém sobre «Religiões ao serviço da fraternidade no mundo» e reitera que o terrorismo não se deve à religião, mas a interpretações erradas de textos religiosos, bem como a políticas de fome, pobreza, injustiça e opressão. Um caminho de paz entre a religiões é, portanto, possível; por isso, é necessário garantir a liberdade religiosa, direito humano fundamental para todos os crentes. Uma reflexão, em particular, a Encíclica faz sobre o papel da Igreja: ela não relega a sua missão à esfera privada e, embora não fazendo política, não renuncia à dimensão política da existência, à atenção ao bem comum e à preocupação pelo desenvolvimento humano integral, segundo os princípios evangélicos.
Enfim, Francisco cita o «Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum», assinado por ele mesmo em 4 de fevereiro de 2019 em Abu Dhabi, junto com o Grande Imã de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyib: desta pedra miliar do diálogo inter-religioso, o Pontífice retoma o apelo para que, em nome da fraternidade humana, o diálogo seja adoptado como caminho, a colaboração comum como conduta, e o conhecimento mútuo como método e critério.


Neste blogue, os dezassete Objectivos do Desenvolvimento Sustentável foram genericamente apresentados na mensagem «0080».
Depois foi feita uma apresentação específica, com um comentário, aos seguintes objectivos: erradicar a pobreza (mensagens «0154», «0196» e «0206»), erradicar a fome («0157»), saúde de qualidade («0169»), educação de qualidade («0176»), igualdade de género («0178»), água potável e saneamento  («0239»), energias renováveis e acessíveis («0244»), trabalho digno e crescimento económico («0267»), indústria, inovação e infraestruturas («0275»), reduzir as desigualdades («0294»), cidades e comunidades sustentáveis («0314»), produção e consumo sustentáveis («0324»), acção climática («0334»), proteger a vida marinha e proteger a vida terrestre («0339»).




Fonte: além da referida acima (ONU), ainda a notícia, publicada em 4 de outubro de 2020 na Vatican News, https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-10/a-nova-enciclica-social-fratelli-tutti.html