terça-feira, 5 de junho de 2018

[0128] A eloquência dos modelos: a Vida da Terra reduzida a Um Dia


Apesar de já ter acontecido há muito tempo, lembro-me bem da estimulante actividade mental desencadeada pela leitura, algures, de uma comparação proporcional entre os momentos em que ocorreram alguns dos acontecimentos marcantes da Vida da Terra e os momentos de Um Dia.
Não era mais do que um modelo. A Matemática necessária para a sua construção era apenas uma ferramenta auxiliar. O essencial era o modo como se chamava a atenção para a lentidão dos processos geológicos e biológicos e, sobretudo, para a recentíssima (e portanto frágil) incorporação da humanidade nesse processo.

Como construir um modelo destes?

Em primeiro lugar, precisamos de conhecer qual a duração da Vida da Terra: 4 600 Ma (milhões de anos).

E precisamos de a reduzir a 24 horas, ou seja, a 24 x 60 x 60 segundos = 86 400 segundos.
Se os 4 600 Ma estão a ser comprimidos em 86 400 segundos, cada milhão de anos comprimido equivalerá, aproximadamente, a 18,78 segundos.
Este é o factor de conversão. Que, aplicado à conversão inversa, também nos diz que cada segundo de Um Dia equivalerá a um pouco mais de … 53 mil anos da Vida da Terra!

Em segundo lugar, precisamos de escolher alguns acontecimentos que sejam chave, pois adivinhamos que o leitor gosta de sentir que estão a falar daquilo que ele conhece e que lhe é caro. Uma hipótese é a seguinte:

·      Surgimento das primeiras células (ainda simples, comparadas com as de hoje): terá ocorrido há mais de 3 800 Ma – esta datação, tal como algumas das que se seguem, está sujeita a revisões resultantes de novas descobertas e dos respectivos debates;
·      Início da maior explosão e diversificação da vida (de acordo com o registo fóssil): ocorreu no início do Câmbrico, primeiro período da era Paleozoica, há 542 Ma;
·      Surgimento das árvores modernas (com um caule organizado em anéis concêntricos, cada qual correspondendo a um ano): a Archaeopteris é considerada a pioneira, surgida em meados da era Paleozóica, há 370 Ma; precedeu o Ginkgo e as Coníferas e deu origem a todas as árvores actuais (com excepção das Palmeiras e dos Fetos, que ainda trabalham como outrora);
·      Surgimento das plantas com flor (a evolução anterior trouxera as sementes): as primeiras flores seriam parecidas com as das actuais Magnólias e terão surgido na segunda metade da era Mesozoica, há uns 160 Ma; vieram estabelecer fortes relações de simbiose com os insectos e com as aves;
·      Choque do meteorito que quase extinguiu a vida na Terra (os dinossáurios deixaram de ser o grupo dominante, apenas deixando como vestígio um seu ramo especial, que evoluiu para as aves que hoje conhecemos): ocorreu há 65,5 Ma, correspondendo à transição da era Mesozoica para a Cenozoica;
·      Surgimento dos primatas superiores: a partir de primatas mais pequenos, evoluíram na floresta tropical africana, desde há uns 35 Ma, estando na origem do homem e dos primatas superiores mais recentes;
·      Surgimento do Homo sapiens: há cerca de 150 mil anos, talvez um pouco mais.

Por fim, precisamos de transformar os milhões de anos da Vida da Terra no seu equivalente em Um Dia e de apresentar convincentemente o resultado.

Uma primeira divisão, desenhada aproximadamente, em Pré-câmbrico e Fanerozoico (incluindo este o Paleozoico, o Mesozoico e o Cenozoico):


E uma segunda divisão, mais conhecida (pela abundância de fósseis), a do Fanerozoico, em eras:



Fontes bibliográficas: Atkins (2007; pp. 43 e 59); Carvalho (2007; p. 23); Coppens, entrevistado por Simonnet (2006; p. 101); Hublin & Seytre (2009; p. 17, cladograma da evolução do Homem); Pelt, entrevistado por Girardon (2000; pp. 40, 54 e 60-61)
Fontes na internet: sítio da International Stratigraphic Chart (consultado em 2007); Museu Nacional de História Natural (imagem da Terra em fusão); Wikipédia (imagem das trilobites)
Fonte jornalística: Serafim (2017; imagem da primeira flor, de Hervé Sauquet & Jürg Schönenberger)

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