Em 2008 foram encontrados na gruta de Hohle Fels, na região
da Suábia (Alemanha), doze pedaços de uma flauta. Havia sido esculpida num osso
de um abutre (da espécie Gyps fulvus) e, depois de reconstituída, tinha 21,8
centímetros de comprimento e 0,8 cm de diâmetro, com cinco orifícios para o
posicionamento dos dedos e, numa das pontas, uma abertura em V, provavelmente
para a saída do som.
Datada de cerca de 35 mil anos (o Paleolítico Superior
situou-se entre os 40 mil e os 10 mil anos a.C.), passou a ser o mais antigo
instrumento musical fabricado pelo homem, de que havia conhecimento, sendo os
anteriores um grupo de 22 flautas datadas de 30 mil anos, descobertas na
França, e uma flauta de aproximadamente 20 mil anos, descoberta na Áustria.
Segundo um dos autores do artigo que divulgou esta
descoberta (publicado na revista «Nature»), o arqueólogo Nicolas Conard, da
Universidade de Tübingen (Alemanha), o que mais chamou a atenção da equipa que
estudou esta flauta foi a sua semelhança com as flautas modernas.
George Steiner, professor de Literatura Comparada, observou,
recentemente, que os três mitos gregos “que se debruçam sobre a origem e o
impacto da música”, o mito de Orfeu e as lendas de Mársias e das Sereias, são
profundamente enigmáticos. E pergunta: “O que
acontece com a razão, com a nossa vontade, a nossa temperança psicológica e
moral quando ouvimos música?”
E depois lembra “o profundo desconforto em relação à música
na teoria política e na arte de governação do Platão da maturidade”: “A música
é a força anárquica que subverte a razão humana e o domínio sobre si da psique.
Por isso, ela constitui uma ameaça direta à disciplina moral e mental,
indispensável à ordem privada e cívica.” Que o leva a propor (na «República» e nas
«Leis») que a música se submeta aos fins políticos, tal como os modelos totalitários
posteriores fizeram.
E no entanto … não se conhece uma única “comunidade humana
onde não exista a música.” Ela é “perfeita”, “inútil”, “intraduzível”, misteriosa,
“nem verdadeira nem falsa”. Ela cura ou inflama. “O
modus operandi da experiência
musical, a força vital da sua inutilidade, o domínio irrefreável que ela pode
exercer sobre os nossos espíritos e corpos permanecem tão inapreensíveis quanto
a própria música.”
Será que o medo de dar mais
espaço à música na educação revela a tendência para o totalitarismo dos
currículos e da organização escolar?
Fontes: Marcolini (2009), para a flauta; Steiner (2016; pp. 48-57), para os
comentários sobre a música
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