A aldeia da Nave do Barão situa-se no barrocal algarvio, na freguesia de Salir, concelho de Loulé.
O livro em que os actuais residentes partilham as memórias
centenárias desta comunidade inclui três dos desafios matemáticos que João Serra
redigiu num caderninho que deixou à sua filha e que colocava a crianças e a jovens
da aldeia.
Eis esses desafios:
1. Quanto ovos
se partiram?
Uma camponesa foi à praça de Loulé vender ovos mas
um polícia sem querer fez cair o cesto num encontrão e os ovos que tinha lá
dentro partiram-se todos.
A senhora disse para o polícia … tenha paciência mas vai ter que pagar os ovos
com outros tantos ovos.
O polícia perguntou-lhe … então quantos ovos tinha no cesto?
Ela respondeu: Eu sei que contando de dois em dois sobra um, contando de três
em três sobram dois, contando de quatro em quatro sobram três, contando de
cinco em cinco sobram quatro, contando de seis em seis sobram cinco e contando
de sete em sete sobram seis.
Quantos ovos estavam no cesto?
2. Onde
se cruzam os carros?
Partiram dois carros ao mesmo tempo para fazer um percurso de 320 km. Um partiu
de Lisboa a 120 km à hora e o outro do Algarve a 80 km. Supondo que mantinham a
mesma velocidade onde se irão encontrar?
3. O cão galgo e
a lebre
Um caçador foi à caça com seu cão, levantou-se uma
lebre e o cão correu atrás da lebre. A distância do cão à lebre era 40 saltos
do cão, enquanto o cão dava 7 saltos a lebre dava 9 saltos, 3 saltos do cão
valia como 5 da lebre. Quantos saltos deu o cão para apanhar a lebre?
Quais as razões pelas quais pessoas que não usam profissionalmente a
Matemática gostam de uns «problemas» (e não de outros) e os fazem circular
entre amigos e conhecidos?
E que nos dizem essas razões sobre o modo como a Matemática poderá, um dia, ser
«melhor» ensinada?
SOLUÇÕES DOS TRÊS PROBLEMAS DE JOÃO SERRA:
No caderninho doado à sua filha João Serra também registou os métodos pelos quais
resolveu os problemas que colocou. Não há neles preocupações com formalidades
matemáticas, que plausivelmente o autor não dominaria, mas sim uma tendência
para aquilo que pode ser designado por «método experimental». Esta é uma
escolha não chocaria muitos dos que, ao longo da História, estiveram na origem
dos progressos da Matemática …
Problema dos ovos.
O método experimental recorre à comparação dos diferentes conjuntos enunciados
pela camponesa.
Se contarmos «de dois em dois» de modo a sobrar sempre «um», teremos o conjunto
dos ímpares (excepto o «1»): 3, 5, 7, 9, 11, etc.;
Se contarmos «de três em três» de modo a sobrar sempre «dois», teremos o
conjunto 5, 8, 11, etc.; este conjunto tem em comum com o anterior o número
«11»:
Contando «de quatro em quatro» de modo a sobrar sempre «três», geramos o
conjunto 7, 11, 15, etc.; tal como no caso anterior, ele tem o «11» em comum
com os conjuntos já descritos;
Se contarmos «de cinco em cinco» de modo a sobrar sempre «quatro», geramos o
conjunto 9, 14, 19, etc.; para descobrirmos um número em comum com os conjuntos
anteriores será necessário prolongarmos todos eles até chegarem ao «59»;
Se contarmos «de seis em seis» de modo a sobrar sempre «cinco», geramos o
conjunto 11, 17, 23, 29, 35, 41, 47, 53, 59, etc.; até aqui todos estes
conjuntos têm em comum o «59»;
A contagem «de sete em sete», de modo a sobrar sempre «seis», é um desafio maior,
pois será necessário prolongar todos os conjuntos até «419» (o leitor
interessado pode verificar que este número cumpre as condições descritas pela
camponesa).
Mas há algo mais a esclarecer: além do «419», também o «839», o «1259», etc.
(números separados por «420») cumprem essas condições, pelo que é preciso
explicar a «razão» de haver «uma só solução» - ninguém levaria «num cesto» mais
do que um número limitado de ovos!
Problema dos dois carros.
A soma das velocidades é 200 km por hora. A esta velocidade, são necessários 96
minutos para percorrer 320 km. Então o carro mais rápido contribuiu com 192 km
e o mais lento com 128 km.
Problema do Galgo e da Lebre.
As comparações entre a «dimensão dos saltos» do Galgo e da Lebre (3 do primeiro
equivalem a 5 da segunda) e o «ritmo a que os saltos são feitos» (7 do Galgo
duram tanto como 9 da Lebre) são difíceis de equacionar matematicamente:
O autor do problema simplificou-o ao admitir que o salto do Galgo é de 2 metros
e que o salto da Lebre é de 1,20 metros (a proporção está correcta: 3 x 2
metros = 5 x 1,20 metros).
Mas o que vai decidir a corrida é o ritmo a que Galgo e Lebre correm (o
primeiro é mais rápido do que a segunda): a cada 7 saltos do Galgo
(equivalentes a 7 x 2 metros = 14 metros corridos) a Lebre corresponde com 9
saltos (equivalentes a 9 x 1,2 metros = 10,8 metros corridos); portanto, em
cada «unidade de tempo», o Galgo recupera 14 – 10,8 = 3,2 metros do seu atraso
inicial em relação à Lebre.
Então, para recuperar esse atraso, que era de 40 dos seus saltos (ou seja, 40 x
2 metros = 80 metros), o Galgo precisa de 80 : 3,2 «unidades de tempo», o que
dá 25 «unidades de tempo». Como em cada uma delas o Galgo dá 7 saltos, o número
total de saltos de que precisa para apanhar a Lebre é de 25 x 7 = 175 saltos!
A distância corrida pelo Galgo será de 175 x 2 metros = 350 metros. E a
distância corrida pela Lebre será de 25 x 9 x 1,2 = 270 metros, precisamente
menos 80 metros do que a do Galgo.
COMENTÁRIO:
Há filósofos da Matemática que defendem que esta disciplina é quasi-experimental:
a educação, sobretudo no Ensino Básico, deveria tê-lo em conta!
No testemunho Nº 5 do blogue «Aprendizagens» (ver https://aprendizagens2023.blogspot.com/2023/01/005-o-interesse-pela-resolucao-de.html)
há alguns exemplos de problemas trazidos para as aulas por alunos do Ensino
Básico.
Fonte (capa e problemas): livro coordenado por Joaquim
Guerreiro (p. 107)
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