segunda-feira, 16 de outubro de 2023

[0330] A Matemática e as Ludotecas (V): diferença entre «táctica» e «estratégia» nos jogos de reflexão

Para exemplificar o que distingue a «táctica» da «estratégia» podemos observar o que se passa no Jogo do Galo.

O Jogo do Galo é o parente mais simples de três outros jogos de alinhamento já referidos noutras mensagens, o Quatro em Linha (mensagem «265»), o Cinco em Linha (mensagem «4») e o Jogo do Moinho (mensagens «55», «296» e «315»).

Nos jogos de reflexão a táctica pode ser definida como o cálculo exacto de um pequeno número de lances; baseia-se, portanto, na lógica, e equivale, na Matemática, a uma demonstração. Já a estratégia não é exacta, tendo no entanto a vantagem de olhar para o médio e longo prazo; ela equivale a uma heurística (ver a mensagem «265»), um procedimento que se baseia na experiência e que não tem equivalente na Matemática formal.

Quem já jogou um bom número de vezes ao Jogo do Galo sabe que o único resultado razoável que há a esperar é o empate. Mas também sabe que há neste jogo algumas distrações que podem ser fatais. Por isso, o jogador experiente, e que não gosta de perder, costuma ter uma estratégia

Admitamos, meramente como exemplo, que a estratégia do primeiro jogador é: «jogar de modo a maximizar o potencial das peças que já jogou». E admitamos ainda que o segundo jogador escolhe os seus lances sem grande cuidado.
Ora, neste jogo, existem 8 alinhamentos de peças que ganham: cada uma das 3 linhas verticais, cada uma das 3 linhas horizontais e cada uma das 2 diagonais. E há três possibilidades de colocar a primeira peça no tabuleiro: ou num dos seus 4 vértices, ou no meio de um dos seus 4 lados, ou no seu centro.
Que decisão deve então tomar o primeiro jogador para seu lance inicial? Se jogar num vértice, dispõe de 3 alinhamentos ganhantes (um horizontal, um vertical e um diagonal); se jogar a meio de um dos lados apenas dispõe de 2 (um vertical e outro horizontal); e se jogar no centro do tabuleiro dispõe de 4 (um vertical, um horizontal e as duas diagonais. Joga, então, no centro do tabuleiro (a marca X no diagrama seguinte): ele não fez nenhum cálculo, apenas aplicou uma «estratégia» que achou ser prometedora e que já terá sido por ele experimentado, com sucesso, noutras ocasiões.
Como mínimo, ao jogar assim, o primeiro jogador já impediu que o segundo utilize com êxito 4 dos 8 alinhamentos ganhantes!

Face a este lance, o segundo jogador, que não pensa estrategicamente, tem duas possibilidades distintas, ou jogar num dos 4 vértices, ou jogar no meio de um dos 4 lados (marcas O no diagrama):


Em ambos os casos, restam ao primeiro jogador 3 alinhamentos ganhantes com a sua única peça (no primeiro caso, um vertical e dois diagonais; e, no segundo, um vertical, um horizontal e um diagonal).
Mas no primeiro caso ele pode calcular rigorosamente o que vai seguir-se: se jogar numa das três casas de cima, ou numa das três de baixo, ele tem a certeza de ganhar: apenas não tem a certeza de o conseguir se jogar na casa situada a meio do lado esquerdo. Dispõe, agora, de um lance táctico.
O próximo diagrama mostra o que acontece depois de o primeiro jogador jogar num dos vértices e de o segundo jogador apenas jogar para não perder de imediato:

Agora o segundo jogador não pode responder a duas ameaças de ganho do primeiro jogador e este ganhará com o seu quarto lance.
O leitor desta mensagem pode imaginar o que acontecerá se o segundo lance do primeiro jogador for outro.

E que acontecerá se o segundo jogador tiver escolhido uma das casas de vértice para seu primeiro lance?
Pensando de acordo com a sua estratégia, o primeiro jogador apenas deve recusar jogar na diagonal onde já se encontram uma peça de cada jogador, pois essa diagonal já não é ganhante para nenhum deles; qualquer outro lance do primeiro jogador alinha duas suas peças, estando a terceira casa ainda por preencher. O diagrama seguinte mostra o que sucede após um desses lances (ambos os jogadores, estando atentos, vêem-se obrigados a impedir que o outro coloque uma terceira peça alinhada):


É claro que o segundo jogador impede também esta última tentativa de alinhamento do primeiro jogador, terminando o jogo com um empate.

Se o segundo jogador usasse a estratégia do primeiro, nunca efectuaria o primeiro lance a meio de um lado do tabuleiro, casa que só lhe permite um alinhamento, mas sim num vértice, pois aí a peça jogada dispõe de dois alinhamentos potenciais.
Se os dois jogadores optassem por seguir esta estratégia, empatariam sempre!

E se o primeiro jogador decidisse jogar o seu segundo lance fora da sua estratégia, ou seja, alinhando três peças (duas dele e uma do adversário) na mesma diagonal?
Há também quem chame táctico a este lance, não lógico. É que o segundo jogador dispõe agora de dois maus lances (a meio de um lado) e de apenas um bom lance (num dos vértices), pelo que o seu modo descuidado de jogar o coloca em risco. O último diagrama mostra o que lhe sucede após uma das más escolhas:

E agora o segundo jogador não pode responder a duas ameaças de ganho do primeiro.

O leitor pode imaginar o que acontecerá se o segundo lance do segundo jogador for outro.
Nem sempre jogar com estratégia é o melhor lance …

A Lógica (e a Matemática) não explica(m) tudo nos Jogos de Reflexão.

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