domingo, 11 de outubro de 2020

[0240] Pensamentos humanos versus processamentos informáticos

Por definição, uma ferramenta é uma criação humana destinada a prolongar o nosso corpo. Se as mais antigas ferramentas nos prolongaram as mãos e os braços, muitas outras foram sendo criadas até hoje - e cada vez mais variadas: para a deslocação de pessoas e de objectos; para vermos e ouvirmos melhor; para calcularmos depressa e sem erros; e, até, para dispormos de um parceiro com que jogar.


As ferramentas que jogam Xadrez têm sido usadas para compreender em que são melhores as ferramentas informáticas do que os humanos e em que somos nós melhores do que elas.

Segundo o matemático britânico Roger Penrose, o funcionamento do cérebro humano poderá estar dependente de fenómenos quânticos que lhe permitem resolver problemas que os actuais computadores não podem. Para salientar esta diferença, Penrose criou a seguinte posição que, apesar de bastante bizarra, pode ocorrer durante um jogo de Xadrez:

As peças negras dispõem de uma vantagem material esmagadora: uma Dama, duas Torres, três Bispos e cinco Peões contra quatro. No entanto, a posição em que as peças se encontram no tabuleiro também conta …

 

Que pensa desta posição um jogador humano mediamente experiente a jogar Xadrez (como eu)? Muito plausivelmente algo equivalente a:

·      O grupo de peças negras situado à esquerda está completamente imobilizado pelos quatro Peões brancos (todos em casas brancas);

·      Os três Bispos negros (dois deles resultaram da promoção de Peões) só podem mover-se pelas casas negras, pelo que não podem tomar os Peões brancos, se estes se mantiverem onde actualmente se encontram;

·      Dois dos Peões brancos têm a possibilidade de tomar peças negras mas, se o fizerem, poderão ser imediatamente tomados e o grupo de peças negras aprisionadas liberta-se;

·      O Peão branco mais avançado pode tentar a sua sorte mas, para se promover, terá de contar com a vigilância dos Bispos negros e até do próprio Rei negro (mal avance para a casa «c7» o Rei negro pode deslocar-se para a casa «b7»);

·      Se nada se alterar na parte esquerda do tabuleiro, o Rei branco pode deslocar-se à vontade pelas casas brancas (excepto por «b7»), dado os Bispos negros só controlarem as casas negras;

·      Se as peças brancas mantiverem o grupo das negras aprisionadas, os Bispos negros nada podem fazer para ganhar o jogo;

·      Poderá o Rei branco ajudar o seu Peão mais avançado a promover-se e, assim, ganhar o jogo para as brancas?

 

Como funciona uma boa ferramenta informática, em particular perante esta posição?

Talvez assim:

·      A sua fabulosa memória (a «base de dados») não dispõe de posições parecidas com a criada por Penrose, pelo que de nada lhe serve neste caso;

·      A sua incrível capacidade de cálculo vai dispersar-se a prever todas as sequências de lances possíveis, até não poder mais: se não contarmos com os dois Peões brancos que podem tomar as Torres negras, há quatro possíveis primeiros movimentos do Rei branco, mais um do outro Peão branco, o que deve ser multiplicado por dezanove possíveis primeiros movimentos dos Bispos negros (5 x 19 = 95); se a média das possibilidades por lance for de 100 = 102, calcular dois lances exigirá prever 104 posições, três exigirá 106, etc. (N lances exigirão 102N);

·      As instruções que lhe deram para analisar e para decidir o que jogar não costumam incluir o reconhecimento de que o empate é o melhor desfecho em determinadas posições (penso que isso se deve à quase impossibilidade de tipificar muitas destas situações).

 

Então que sucede quando um humano tem a paciência de defronta a ferramenta informática a partir desta posição?

Numa próxima mensagem voltarei a esta questão.

 

Fonte: artigo de Doggers (2017)

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