quarta-feira, 6 de novembro de 2019

[0197] Porque não diminui mais radicalmente o nosso insucesso escolar?


Segundo o Ministério da Educação, as nossas escolas retiveram, no final de 2017-18, cerca de 50 mil alunos no Ensino Básico e outros 50 mil no Ensino Secundário. Trata-se de um insucesso escolar muito elevado, apesar de estes números terem sido notoriamente reduzidos em relação aos de há alguns anos atrás.

O nosso insucesso escolar é, segundo uma especialista ouvida pelo jornal «Público»:
massivo”, dado ser um dos mais altos entre os países membros na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico);
selectivo”, pois afecta, sobretudo, alunos provenientes de famílias com baixas qualificações escolares, com piores condições económicas e/ou envolvidas em movimentos migratórios;
precoce”, por se verificar desde os primeiros anos de escolaridade; e
cumulativo”, na medida em que os alunos que são retidos uma vez têm tendência a voltar a ser retidos.

O Ministério da Educação não se tem poupado no lançamento de medidas de combate a este insucesso. Só na última década, implementou a Autonomia e Flexibilidade Curricular e o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, reforçou a Acção Social Escolar e o Desporto Escolar, desafiou uma mão cheia de Agrupamentos de Escolas a integrar, durante três anos, o Projecto-Piloto de Inovação Pedagógica (“dando-lhes mais liberdade para delinear currículos, organizar turmas, estabelecer horários”) e lançou o Apoio Tutorial Específico (destinado aos alunos do 2º e do 3º Ciclos que acumulavam duas ou mais retenções).

Mas não foi apenas o Ministério da Educação a querer estar envolvido neste combate. Um número considerável de instituições financeiramente poderosas têm vindo a formular os seus próprios projectos e a propor apoio às escolas que a eles aderirem: casos, por exemplo, da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Referindo-se aos seus projectos, o Ministro da Educação salientou, recentemente, “que o princípio base destas estratégias é o envolvimento de cada comunidade na construção de soluções mais participadas e mais adequadas ao seu contexto.” O que todos os outros promotores de projectos para que as escolas resolvam o problema do insucesso escolar também se têm apressado a salientar, em relação às suas próprias iniciativas.

É com esta profunda auto-indulgência que o Estado e os Privados têm encarado a Educação nas últimas décadas: estando convencidos de serem quem sabe o que é necessário fazer, concedem às comunidades, às escolas, aos professores e aos alunos a oportunidade de se envolverem e de participarem no que, prévia e superiormente, decidiram por eles. E, pensado assim, e agindo em conformidade, não põem em causa as mais profundas razões para o insucesso escolar:
·      a Uniformidade dos Currículos, pois a flexibilidade curricular apenas permite a implementação do mesmo currículo, de modo a ser avaliado pelo mesmo exame; ela não autoriza a construção de currículos radicalmente diferentes, baseados, por exemplo, nas expressões e nas solidariedades; temos um currículo predominantemente racionalista, e essa é uma das origens do nosso insucesso escolar;
·      o Poder Absoluto dos Directores: num inquérito feito a 25 mil professores pela Federação Nacional de Professores, 93 % não concordaram com a manutenção do actual modelo de gestão das escolas, porque ele concede a uma única pessoa a possibilidade de decidir acerca de quase tudo – que envolvimento e que participação das escolas podem resultar deste controlo dos docentes?
·      o Silêncio das Outras Culturas: as famílias com baixas qualificações escolares, com piores condições económicas e/ou envolvidas em movimentos migratórios também têm uma cultura e, se por vezes não sabem ler, também têm voz para contar o que sabem; aprender a ler e criar hábitos de leitura é importante, é sempre importante, mas é ainda mais importante fazê-lo para se poder afirmar; tal como testemunhou o actor e dramaturgo Ivam Cabral (na mensagem «0193»), “Eu sou filho de uma costureira e de um pedreiro analfabeto que tiveram seis filhos. Éramos muito pobres, vivíamos no interior do país. Mas tudo o que o Ivam não precisava enquanto criança e adolescente era ser incluído. Precisava de acesso a bons livros, a boas escolas, a cultura. Há uma diferença muito grande entre inclusão e acessibilidade. A inclusão contrapõe-se à exclusão. E isso é terrível. Quando se inclui alguém, em geral, apenas se inclui. A acessibilidade dá acesso ao ir e vir. A acessibilidade está numa linha horizontal. Eu dou a possibilidade de alguém conhecer a minha cultura e o que penso, mas quero também conhecer o que ele pensa. Um português que emigrou para Paris nos anos 1970 teve de ser incluído, porque o parisiense não queria saber da cultura dele. Não havia troca. Raramente assimilamos a cultura de alguém que tentamos incluir.

Com esta falta de questionamento, o insucesso escolar pode ir diminuindo … mas tão devagar … e tão tristemente!

Fontes: artigos jornalísticos de Pereira (2019) e de Silva (2019); e entrevistas a Cabral, por Pinto (2019), e a Rodrigues, por Pereira (2019)

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