Segundo o Ministério da Educação,
as nossas escolas retiveram, no final de 2017-18, cerca de 50 mil alunos no
Ensino Básico e outros 50 mil no Ensino Secundário. Trata-se de um insucesso
escolar muito elevado, apesar de estes números terem sido notoriamente reduzidos
em relação aos de há alguns anos atrás.
O nosso insucesso escolar é, segundo uma especialista
ouvida pelo jornal «Público»:
“massivo”, dado ser um dos mais altos entre os países membros na
OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico);
“selectivo”, pois afecta, sobretudo, alunos provenientes de
famílias com baixas qualificações escolares, com piores condições económicas e/ou
envolvidas em movimentos migratórios;
“precoce”, por se verificar desde os primeiros anos de
escolaridade; e
“cumulativo”, na medida em que os alunos que são retidos uma vez têm
tendência a voltar a ser retidos.
O Ministério da Educação não se tem poupado no
lançamento de medidas de combate a este insucesso. Só na última década, implementou
a Autonomia e Flexibilidade Curricular e o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, reforçou a Acção Social Escolar
e o Desporto
Escolar, desafiou uma mão cheia
de Agrupamentos de Escolas a integrar, durante três anos, o Projecto-Piloto
de Inovação Pedagógica (“dando-lhes mais liberdade para delinear currículos, organizar
turmas, estabelecer horários”) e lançou o Apoio Tutorial Específico (destinado aos alunos do 2º e do 3º Ciclos que acumulavam
duas ou mais retenções).
Mas não foi apenas o Ministério
da Educação a querer estar envolvido neste combate. Um número considerável de instituições
financeiramente poderosas têm vindo a formular os seus próprios projectos e a
propor apoio às escolas que a eles aderirem: casos, por exemplo, da Fundação Calouste
Gulbenkian e da Fundação Francisco
Manuel dos Santos.
Referindo-se aos seus projectos, o Ministro da Educação
salientou, recentemente, “que o princípio base
destas estratégias é o envolvimento de cada comunidade na construção de
soluções mais participadas e mais adequadas ao seu contexto.” O que todos os outros promotores de projectos para que as escolas resolvam o problema
do insucesso escolar também se têm apressado a salientar, em relação às
suas próprias iniciativas.
É com esta profunda
auto-indulgência que o Estado e os Privados têm encarado a Educação nas últimas
décadas: estando convencidos de serem quem sabe o que é necessário fazer,
concedem às comunidades, às escolas, aos professores e aos alunos a oportunidade
de se envolverem e de participarem no que, prévia e superiormente, decidiram
por eles. E, pensado assim, e agindo em conformidade, não põem em causa as mais
profundas razões para o insucesso escolar:
·
a Uniformidade dos Currículos, pois a flexibilidade curricular apenas permite a
implementação do mesmo currículo, de modo a ser avaliado pelo mesmo exame; ela
não autoriza a construção de currículos radicalmente diferentes, baseados, por
exemplo, nas expressões e nas solidariedades; temos um currículo predominantemente
racionalista, e essa é uma das origens do nosso insucesso escolar;
·
o Poder Absoluto dos
Directores: num inquérito feito a 25 mil
professores pela Federação Nacional de
Professores, 93 % não concordaram com a manutenção do actual modelo de gestão
das escolas, porque ele concede a uma única pessoa a possibilidade de decidir acerca
de quase tudo – que envolvimento e
que participação das escolas podem
resultar deste controlo dos docentes?
·
o Silêncio das Outras
Culturas: as famílias com baixas
qualificações escolares, com piores condições económicas e/ou envolvidas em
movimentos migratórios também têm uma cultura e, se por vezes não sabem ler,
também têm voz para contar o que sabem; aprender a ler e criar hábitos de
leitura é importante, é sempre importante, mas é ainda mais importante fazê-lo
para se poder afirmar; tal como testemunhou o actor e dramaturgo Ivam
Cabral (na mensagem «0193»), “Eu sou filho de uma
costureira e de um pedreiro analfabeto que tiveram seis filhos. Éramos muito
pobres, vivíamos no interior do país. Mas tudo o que o Ivam não precisava
enquanto criança e adolescente era ser incluído. Precisava de acesso a bons
livros, a boas escolas, a cultura. Há uma diferença muito grande entre inclusão
e acessibilidade. A inclusão contrapõe-se à exclusão. E isso é terrível. Quando
se inclui alguém, em geral, apenas se inclui. A acessibilidade dá acesso ao ir
e vir. A acessibilidade está numa linha horizontal. Eu dou a possibilidade de
alguém conhecer a minha cultura e o que penso, mas quero também conhecer o que
ele pensa. Um português que emigrou para Paris nos anos 1970 teve de ser
incluído, porque o parisiense não queria saber da cultura dele. Não havia
troca. Raramente assimilamos a cultura de alguém que tentamos incluir.”
Com esta falta de questionamento,
o insucesso escolar pode ir diminuindo … mas tão devagar … e tão tristemente!
Fontes: artigos
jornalísticos de Pereira (2019) e de Silva (2019); e entrevistas a Cabral, por
Pinto (2019), e a Rodrigues, por Pereira (2019)
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