sábado, 28 de outubro de 2017

[0080] Os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas

Em 2000 as Nações Unidas aprovaram oito Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, que pretendiam ver cumpridos até 2015. Ao terminar este prazo, produziram um relatório onde reconheceram terem sido realizados progressos na concretização desses objectivos, mas também ter havido diversos fracassos.

A reflexão então feita transformou-os em dezassete Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, uma “nova agenda de ação”, para mais quinze anos, até 2030. Segundo a declaração que a acompanhou, ela resultou do “trabalho conjunto de governos e cidadãos de todo o mundo para criar um novo modelo global para acabar com a pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar de todos, proteger o ambiente e combater as alterações climáticas.”


Este é um esforço a que todos somos chamados, para que assim possamos fazer um mundo melhor. E esse esforço tem de começar em qualquer família, em qualquer escola.

Se a preocupação ética é indiscutível, o caminho que ela trilha pode e deve ser analisado criticamente.
E não me parece que o conceito de «sustentabilidade» que, desde 2015, procura dar coerência global a estes dezassete objectivos tenha sido uma boa escolha.

Um argumento usado pelo economista Ha-Joon Chang ilustra o essencial da crítica a que deve ser submetido o uso impensado e indiscriminado da palavra «sustentabilidade». Imaginando o dia em que repara que o seu filho não se sustenta a si próprio, escreve: “Ele é sustentado por mim, mas é bem capaz de ganhar a vida. Forneço-lhe alojamento, alimentação, educação e cuidados de saúde. Porém, milhões de crianças da sua idade já têm emprego. (…). Actualmente ele vive numa redoma económica sem noção do valor do dinheiro. Não tem a mínima noção dos esforços que a sua mãe e eu fazemos por ele, subsidiando a sua existência ociosa e afastando-o da dura realidade. Ele está superprotegido e precisa de ser exposto à concorrência, de modo a tornar-se uma pessoa mais produtiva. (…). Deveria tirá-lo da escola e arranjar-lhe emprego. (…). Já oiço o leitor a pensar que devo estar louco. Que sou míope. Cruel. Que o que tenho de fazer é proteger e criar a criança.”

O nosso planeta deve ser sustentável; e haverá outras unidades que também o deverão ser. Mas não é possível aplicar este conceito à maioria das unidades que nos passam pela cabeça: a solidariedade (entre os que têm e podem mais e os que têm e podem menos) é talvez o conceito que melhor descreve aquilo em que todos nós gostaríamos de nos envolver.

O relatório de 2015 pode ser descarregado (em inglês e em francês) da página «Documentos».

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

[0079] Argumentos sobre a ligação entre os Jogos de Reflexão e a Matemática

Argumento de Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716):

Não há homens mais inteligentes do que aqueles que são capazes de inventar jogos. É aí que o seu espírito se manifesta mais livremente. Seria desejável que existisse um curso de jogos tratados matematicamente.


Argumento de Godfrey Harold Hardy (1877-1947), já referido na mensagem «0002»:

Segundo J. P. Neto e J. N. Silva: “Hardy, um dos maiores matemáticos do século passado, dizia que a diferença entre um teorema matemático e um problema de xadrez reside somente na relevância de cada um. Nada os distingue, a não ser a importância das respectivas aplicações. Os jogos abstractos e a matemática pura são idênticos …


Mas o «jogo» não pressupõe forçosamente a «competição».
E a «competição» pode ser encarada como uma associada menor da «cooperação».
Sobre isso argumentarei eu em breve.

Fontes: Leibniz (citado pela editora Gradiva, na contracapa da sua colecção «Prazer da Matemática»; Neto & Silva (2004; p. 21)

sábado, 21 de outubro de 2017

[0078] Com um modelo e algumas medidas: a descoberta através da dedução (parte I)

Uma parte do nosso conhecimento é construída por dedução, a partir do que já se conhece e dos modelos usados nesse conhecimento.

Um exemplo: se a Terra tem um movimento de translação em torno do Sol, a que velocidade se desloca?


O modelo (simplificado): o movimento de translação da Terra é circular.
As medidas (aproximadas): a distância média da Terra ao Sol (equivalente ao raio da translação) é de 149 x 106 km; a translação dura 365,25 dias (um ano).

Então:
(1) o caminho percorrido pela Terra durante um ano é igual a
2 x pi x raio = 6,28 x 149 x 106 km = aprox. 93 572 x 104 km;
(2) o tempo que a Terra leva a percorrer esse caminho é igual a
365,25 x 24 x 60 x 60 segundos = 315 576 x 102 segundos;
(3) a velocidade média da translação é igual à distância a dividir pelo tempo, isto é
93 572 x 104 km : 315 576 x 102 segundos = aprox. 30 km por segundo!

Fonte das medidas: Bakouline, Kononovitch & Moroz (1975; anexos)

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

[0077] Um comentário do filósofo Karl Popper sobre a educação

Há quase trinta anos o filósofo Karl Popper, num debate com o etólogo Konrad Lorenz, afirmou que “a nossa pedagogia consiste em sobrecarregar as crianças com respostas, sem que elas tenham colocado questões, e às perguntas que fazem não se presta atenção”.
E depois, resumindo-o:

Esta é a pedagogia habitual: respostas sem perguntas e perguntas sem respostas.

Karl Popper

Fonte: Popper (1990; p. 49)

sábado, 14 de outubro de 2017

[0076] A função social da literatura, segundo Vargas Llosa

Afirmou este escritor peruano à jornalista Natália Faria, quando esta o entrevistou, em 2014:



A literatura não é apenas uma fonte maravilhosa de prazer. Cumpre, além disso, uma função social e histórica de primeira ordem que é a de desenvolver nos leitores um espírito crítico. Depois de termos lido uma grande obra literária, um grande romance, um grande poema, um ensaio, regressamos ao mundo real convencidos de que a realidade está mal feita, que está muito aquém daquela ficção que somos capazes de inventar através da fantasia e da palavra. Isso faz-nos olhar para a nossa envolvência social, cultural e política com olhos muito críticos. E creio que essa é a razão pela qual a literatura, ao longo de toda a História, foi sempre vista com muita desconfiança e com muito temor pelos governos autoritários, pelas ditaduras, por todos os regimes que, no fundo, tratam de controlar a vida e querem demonstrar aos cidadãos que o mundo está bem feito. É essa a razão da censura. E efectivamente a literatura é um perigo para esse tipo de regimes porque tem sempre uma atitude muito crítica face ao mundo tal como ele é.

O problema é que a literatura hoje em dia vive uma crise muito profunda, converteu-se sobretudo em entretenimento, perdeu a sua pugnacidade, a sua beligerância crítica, e busca sobretudo entreter. E o entretimento também é uma espécie de adormecimento, uma maneira de desmobilizar criticamente os cidadãos. Creio que essa crise da cultura, que é muito profunda na minha opinião, pode ter um efeito gravíssimo na vigência da democracia e da liberdade. Pela primeira vez na história, o pesadelo de [George] Orwell, de uma ditadura tecnológica, com um absoluto controlo sobre a vida das pessoas, um mundo de cidadãos convertidos em autómatos, já é possível. Isso acontece por causa da degradação da cultura no nosso tempo.

Fonte: Llosa (2014)

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

[0075] Um padrão geométrico tridimensional

Este vaso meleiro foi fabricado entre os séculos IV e II antes de Cristo e encontrado em Arrifes do Poço, podendo ser agora apreciado pelos visitantes do Museu Municipal de Aljezur:


A intenção de lhe dar uma forma regular já está nele bem concretizada (as rodas de oleiro eram usadas neste extremo da Europa há umas centenas de anos) mas a perfeição da decoração ainda está longe do que se faz actualmente.

Apesar das imperfeições decorativas deste vaso, é clara a intenção de a padronizar. E esses padrões podem ser descritos por duas transformações geométricas:

Rotação (de 90º, e dos seus múltiplos, em torno de um eixo vertical):


Reflexão (em relação a dois pares de espelhos verticais, sendo os de cada par perpendiculares entre si):


Fotografias: Pedro Esteves (no Museu Municipal de Aljezur, em Outubro de 2017)

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

[0074] As viagens e a admiração

Para quem sempre viveu na costa Oeste da Península Ibérica, ou da Escandinávia, o Sol nasce em terra e põe-se no mar:


Mas se um dia viajar para a costa Leste das ilhas britânicas, ou da Grécia, verifica que, aí, o Sol nasce no mar e se põe em terra. Por um momento, sentirá que algo de estranho está a acontecer.
O mesmo acontecerá a quem viajar pela primeira vez entre, por exemplo, as costas longitudinalmente opostas de África, ou das Américas …

Cada viagem é uma descoberta sobre as mudanças de contexto: elas tanto são deslumbrantes como irrelevantes.