A flexibilização
curricular, no contexto da autonomia
das escolas, foi experimentada no Ensino Básico no início deste século, em
todas as escolas portuguesas, durante quase uma década.
Depois de uma interrupção devida a uma mudança de política
educativa, que introduziu as metas
curriculares e muitos mais exames,
ela vai agora ser retomada, alargando-se ao Ensino Secundário e assim abarcando
todo o ensino obrigatório.
Quando ela começou a ser preparada, em meados da década de
1990, expressei as minhas reservas a alguns dos seus principais impulsionadores.
Mas quando foi implementada fiz o possível para que tivesse sucesso. Apesar de
este esforço ter sido partilhado por muitos outros professores, a primeira
tentativa de flexibilização foi definhando, até ser travada e substituída pela
outra política.
Em abstracto, a flexibilização curricular é interessante. No
entanto as condições concretas desta nova tentativa, comparadas com as da
anterior, apesar de uma ou outra melhoria, mostram sobretudo importantes
motivos para preocupação:
(1) Aumentaram
imenso as possibilidades de flexibilização: cada escola pode escolher
partes importantes do currículo e organizar, a seu modo, o trabalho lectivo
(ver, nos «Documentos», o Despacho nº 5908).
(2) As competências,
que se supunha orientarem o trabalho dos professores durante a primeira
tentativa de flexibilização, foram substituídas por um perfil do aluno, que se pretende
seja atingido no final da escolaridade obrigatória (ver, nos «Documentos», o
Despacho nº 6478).
(3) A principal
origem para a perversão da primeira tentativa de flexibilização curricular, a avaliação
para a classificação, continuará a marcar todo o trabalho lectivo,
pois será lembrada no final de cada ano escolar e por cada exame.
(4) As experiências de
aprendizagem, consideradas na primeira tentativa como indispensáveis
para que as competências
fossem desenvolvidas, e logo de seguida esquecidas por toda a gente, dentro e
fora das escolas, desapareceram da segunda tentativa; mas elas são fundamentais,
juntamente com as competências / perfil, pois fornecem aos professores das
diferentes disciplinas uma linguagem comum, que lhes permite, gradualmente, entenderem-se
e cooperarem.
(5) A primeira
tentativa de flexibilização
foi experimentada nalgumas escolas, escolhidas a dedo, e só depois,
subitamente, generalizada; a generalização foi a segunda razão para a sua perversão;
nesta segunda tentativa cada escola decide se entra ou não no primeiro ano
(2017-18), supondo-se que só o fará se tiver equipas de professores motivadas
para tal; mas nada é dito sobre o que acontecerá nos anos seguintes, isto é,
sobre como enfrentar a perversão da generalização; não deverá esta ser feita
apenas nos casos em que houver equipas motivadas? não deverão ser concebidas
outras experiências, paralelas, que correspondam a outros interesses e
necessidades de alunos e pais e a outras motivações dos professores?
(6) A autonomia
das escolas era muito fraca aquando da primeira tentativa; agora não existe
(dizem-no os directores das escolas); os professores foram entretanto manietados
por toda a espécie de regras e burocracias, a maioria está profundamente
desmotivada; portanto, metade do que está pressuposto na designação deste
projecto é uma ficção.
(7) A opinião
pública foi pressionada nos últimos anos no sentido de confundir a qualidade da
educação com os seus resultados quantitativos mais primários (o dos
exames e dos rankings das escolas e
internacionais); este ambiente não irá favorecer que se trabalhe em função de os
alunos atingirem o perfil que se deseja que atinjam no final da
escolaridade obrigatória, mas sim que continuem a obter boas notas para acesso ao ensino
superior.
(8) O próprio perfil
(ver, nos «Documentos», o «Perfil dos Alunos»), tal como já aconteceu com as competências,
é discutível; deverá poder mudar, em função de um debate público que não está prometido;
de igual modo, não se sabe como irá ser feito o acompanhamento desta segunda
tentativa de flexibilização.
Acesso aos documentos referidos: na página com este nome, clicar na pasta «Ministério
da Educação»
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