No
blogue «Aprendizagens» é referido um interessante truque de magia que, sob o
ponto de vista de um dos espectadores, pode ser descrito assim (com uns
desenhos meus a ajudar):
“O mágico deu a cada um de nós uma peça de jogo e uma
folha com a planta de uma escola. E disse-nos:
- A vossa peça representa-vos. Coloquem-na ou na Sala de
Professores, ou no Bar, ou no Refeitório, ou na Biblioteca. Esse será o lugar
onde vocês estão agora na escola.
Cada um colocou a sua peça no espaço que quis. Eu coloquei a minha na
Biblioteca.
- Já estão prontos? – perguntou o mágico. Como estávamos ele
prosseguiu:
- Então cada um de vocês vai deslocar-se pela escola, atravessando,
sucessivamente, quatro portas, à vossa escolha!
Nós fizemos como ele disse. Ouvi o tique tique tique das peças a deslocarem-se
pela escola. Eu dei uma volta e parei no Refeitório.
- Muito bem. – disse o mágico – Agora vai acontecer o primeiro acto da tragédia
que vos anunciei, o Laboratório de Ciências foi invadido por ratazanas! Pintem
de vermelho esse espaço!
Distribui-nos uns lápis vermelhos. E nós pintalgámos o Laboratório de Ciências.
- Estão todos a salvo? – inquiriu o mágico.
Todos dissemos que sim, um pouco surpresos por ninguém ter estado no
Laboratório.
- Ah! Ainda bem. Então atravessem agora três portas, por favor. Já está? A
segunda desgraça acontece neste momento: há uma intoxicação no Refeitório;
pintem-no de vermelho!
Eu tinha ido até ao Laboratório de Física, escapando por um triz
ao acidente no Refeitório!
Começávamos a perceber que íamos passar o tempo a fugir de
problemas, se não fossemos apanhados por eles. Pintámos de vermelho o
Refeitório e aguardámos.
- Agora atravessem mais duas portas, à vossa escolha.
O mágico aguardou um pouco e continuou:
- Já o fizeram? Eis a terceira peça da tragédia: as prateleiras da Biblioteca
desabaram. Pintem de vermelho a Biblioteca!
Eu fora do Laboratório de Física para o de Química, por pouco
não regressara à Biblioteca!
E a coisa prosseguiu: a seguir cada um de nós atravessou mais três portas (eu fui
para a Sala de Professores, talvez por pensar que aí nunca poderia acontecer
nada).
Desta vez simultaneamente, aconteceram mais duas desgraças: as Casas de Banho
inundaram-se e deu-se uma explosão no Laboratório de Química! Incrível, eu tinha
escapado! E os outros também não se queixaram quando o mágico nos perguntou se
estávamos todos bem!
- Óptimo! Vocês têm uma intuição magnífica para evitar
desastres! Agora, atravessem mais três portas. Já está? Oh, mais um problema,
rebentou um incêndio na Sala de Professores, pintem-na de vermelho!
Eu tinha saído precisamente da Sala de Professores e regressado
ao Laboratório de Física. Tal como todos os outros estava estava bem, estávamos
todos bem! Recebemos então mais uma intrução, atravessar uma só porta.
Fui para o Bar e quando lá cheguei recebemos a notícia de duas novas tragédias:
o tecto do Polivalente tinha desabado e havia uma fuga de gás no Laboratório de
Física!
- Onde é que cada um de vocês está? – perguntou um tanto
alarmado o mágico, como que disposto a socorrer-nos, custasse o que custasse.
- No Bar ... – foi a nossa invariável resposta.
Estávamos todos no Bar!!!
- Uhm, se calhar não é a vossa intuição, - disse o mágico –Talvez seja apenas
sorte. Bom, já que estão todos aí, pago-vos uma bebida!”
Fundamentação:
Se se pode aceitar uma pessoa com sorte, por não estar em nenhum dos espaços no
momento em que se deu nele um acidente, já não é nada provável que tal tenha
acontecido a todos os participantes, nem que todos se encontrassem no Bar
quando aconteceram os últimos desastres.
Decidi chamar à base teórica deste truque Geometria do Rei de Xadrez: se a planta da
escola fosse um tabuleiro de Xadrez 3 x 3 e cada um dos participantes se
pudesse movimentar nele como o Rei no jogo do Xadrez (cada movimento desloca-o
da casa onde está para uma das casas laterais, ou a de cima, ou a de baixo, ou
a da esquerda, ou a da direita), sendo preta a casa inicial, após um número
ímpar de movimentos o Rei está noutra casa preta; e após um número par de movimentos
ele está numa casa branca:
O mágico
começou por dar uma instrução que colocou todos os participantes em «casas pretas»
(se os espaços da escola fossem como o tabuleiro do exemplo dado atrás) e sitou
o primeiro acidente numa casa branca: ninguém lá estava!
Depois repetiu o processo, cuidando de não deixar as casas ainda não
acidentados sem acesso ao Bar, pois era esse o destino que tinha imaginado para
todos!
Muitos truques de magia têm uma base «teórica» muito simples, tal como este
tem. Mas manter a simplicidade na «prática» pode dar muito trabalho (inventar
uma boa história; preparar a interacção com os participantes; produzir o
material necessário).
Fonte: José Paulo Viana em
1994, no 4º Encontro Regional de Professores de Matemática de Almada e Seixal,
cuja memória foi registada em https://aprendizagens2023.blogspot.com/2024/07/081-o-nucleo-da-apm-em-1993-94.html;
a história contada acima é da minha responsabilidade (não assisti à
apresentação do Zé Paulo)