Resumi assim a ideia que
considerei ser central no livro cuja capa mostro mais abaixo:
No dia 25 de Abril de 1974 um grupo de militares
derrubou o regime político ditatorial vigente em Portugal desde 1926, abrindo
assim caminho à instauração de um regime democrático.
Nos anos que se seguiram, a diminuição dos controlos sociais associada a esta
mudança permitiu que muitas iniciativas basistas introduzissem interessantes
mudanças em diversos sectores da vida social, desde a educação à saúde. O livro O conflito sobre as escolas: participação versus
hierarquização, publicado em 2023,
testemunha, pela voz de um professor, o que se passou nas escolas portuguesas
durante os quase cinquenta anos que decorreram após aquela mudança.
Tomando como eixo narrativo as suas memórias fortes, e mobilizando outras, quer
pessoais, quer documentais, que o ajudaram a compreender a complexidade dos
processos que descreve, o autor mostra como foram possíveis, em escolas e em
museus, com o apoio do renascido associativismo docente, iniciativas basistas
de enriquecimento dos currículos, quer formais, quer informais. E, depois,
mostra como esse movimento de participação foi declinando, sobretudo a partir
de meados da década de 90, contrariado pela imposição de novos controlos
sociais.
O autor mostra ainda como, subjacente a este duplo movimento, esteve a
interação entre dois fenómenos: Por um lado, o enorme aumento e diversificação
dos atores educativos. Além dos que naturalmente estão envolvidos nas escolas
(alunos, professores e pais), surgiram em Portugal os museus, os especialistas,
os comentadores públicos, as empresas, as fundações e os municípios, tendo-se
também multiplicado as mais diversas e influentes instituições internacionais,
como o Banco Mundial, a OCDE, a UNESCO e a União Europeia. Por outro lado, a
chegada dos agora omnipresentes atores educativos foi acompanhada pela
hierarquização da sua voz e das suas iniciativas. O que se reflecte, através de
avaliações uniformizantes, na hierarquização das escolas e dos alunos.
Este livro é, portanto, um contributo para a memória das escolas e dos professores da região onde o autor trabalhou, para a reflexão sobre a educação nos últimos cinquenta anos e para a compreensão do que aconteceu ao Portugal social após 1974.
Ainda antes do 25 de Abril, começou a ser experimentado o
que hoje é corrente em qualquer museu: o «serviço educativo».
Os municípios ganharam protagonismo na vida escolar logo após o 25 de Abril, inicialmente
através do seu papel nos «transportes escolares», depois, até hoje, ampliando-o
a ponto de alguns serem pequenos «ministérios da educação» no respectivo
concelho:
O número de especialistas em educação aumentou, nos últimos cinquenta anos,
tanto ou mais que o número de instituições do ensino superior onde trabalham.
As empresas, com a diversificação da economia, passaram a ter oportunidades nas
escolas que antes não possuíam, desde os materiais didácticos e dos centros de
estudo às refeições escolares.
Os comentadores da educação instalaram-se nos órgãos de comunicação, acompanhando
a promoção das diversas reformas, que antes eram pontuais e hoje são
permanentes.
Diversas fundações, maioritariamente associadas a empresas, custeiam estudos
sobre aspectos da educação e, algumas, promovem projectos de intervenção nas
escolas.
E as mais diversas e influentes instituições internacionais, como o Banco
Mundial, a Organização Mundial da Saúde, a OCDE, a UNESCO e a União Europeia,
pela voz dos seus responsáveis políticos, ou através de encomendas a
especialistas, promovem estudos comparativos e emitem recomendações que, não poucas
vezes, assumem um carácter oficioso.
Também entre os actores directos na educação (alunos, professores, pais) houve
profundas mudanças ao longo destas cinco décadas, umas associadas ao renascido
sindicalismo, outras às diversas formas de associativismo.
Assim, a educação está a tornar-se, potencialmente, um assunto de «todos», que
para ela mobilizam muito mais pessoas e recursos: O que deveria ser um motivo
de esperança.
No entanto, a realidade mostra que os problemas da educação persistem, em
particular nas escolas.
Três interrogações que servem de pistas para pensar este paradoxo: (1ª) serão adequadas
as intervenções de cada um destes actores? (2ª) estará a correr bem a relação
entre todos eles? e, consequentemente, (3ª) será possível que tantos e tão diversificados
actores se estejam a coordenar adequadamente?
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