domingo, 31 de outubro de 2021

[0294] O décimo Objectivo do Desenvolvimento Sustentável: reduzir as desigualdades

Na mensagem «0080» foram genericamente apresentados os dezassete Objectivos de Desenvolvimento Sustentável que as Nações Unidas propuseram aos governos e aos cidadãos do mundo cumprir entre 2015 e 2030.

O 10º desses objectivos é:


Em https://unric.org/pt/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel este objectivo foi-nos apresentado assim:

 

Objetivo 10: Reduzir as desigualdades

Até 2030, progressivamente alcançar, e manter de forma sustentável, o crescimento do rendimento dos 40% da população mais pobre a um ritmo maior do que o da média nacional
Até 2030, empoderar e promover a inclusão social, económica e política de todos, independentemente da idade, género, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição económica ou outra
Garantir a igualdade de oportunidades e reduzir as desigualdades de resultados, inclusive através da eliminação de leis, políticas e práticas discriminatórias e da promoção de legislação, políticas e ações adequadas a este respeito
Adotar políticas, especialmente ao nível fiscal, salarial e de proteção social, e alcançar progressivamente uma maior igualdade
Melhorar a regulamentação e monitorização dos mercados e instituições financeiras globais e fortalecer a implementação de tais regulamentações
Assegurar uma representação e voz mais forte dos países em desenvolvimento em tomadas de decisão nas instituições económicas e financeiras internacionais globais, a fim de produzir instituições mais eficazes, credíveis, responsáveis e legítimas
Facilitar a migração e a mobilidade das pessoas de forma ordenada, segura, regular e responsável, inclusive através da implementação de políticas de migração planeadas e bem geridas
Implementar o princípio do tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento, em particular para os países menos desenvolvidos, em conformidade com os acordos da Organização Mundial do Comércio
Incentivar a assistência oficial ao desenvolvimento e fluxos financeiros, incluindo o investimento externo direto, para os Estados onde a necessidade é maior, em particular os países menos desenvolvidos, os países africanos, os pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países em desenvolvimento sem litoral, de acordo com seus planos e programas nacionais
Até 2030, reduzir para menos de 3% os custos de transação de remessas dos migrantes e eliminar os mecanismos de remessas com custos superiores a 5%

 

Temos, no entanto, razões para estar preocupados acerca da implementação deste objectivo.
Sérgio Aires, sociólogo, que entre 2012 e 2018 esteve à frente da Rede Europeia Anti Pobreza, cuja fundação foi impulsionada pela Comissão Europeia em 1990, afirmou: “O modelo económico é sempre o mesmo. O tipo de crescimento não produz riqueza, produz ricos. A redistribuição não acontece, a desigualdade cresce.

Quando esta entrevista foi realizada a pandemia ainda não tinha começado. E já se sabe que ela contribuiu para o aumento das desigualdades. Numa notícia jornalística de 2021 escreveu-se:

 

O vírus da desigualdade

Foram precisos apenas nove meses para que as fortunas dos mil multimilionários mais ricos voltassem ao nível pré-pandemia, enquanto para os mais pobres pode demorar mais de uma década.
O aumento da riqueza dos dez multimilionários mais ricos desde o início da crise é mais do que suficiente para impedir qualquer pessoa no mundo de cair numa situação de pobreza por causa do vírus e para pagar uma vacina contra a covid-19 para todos.
Nos EUA, perto de 22 mil pessoas latinas e negras ainda estariam vivas em Dezembro de 2020 se a mortalidade por covid-19 destas comunidades fosse a mesma da das pessoas brancas.
Cento e doze milhões de mulheres não estariam em grande risco de perder os seus rendimentos ou empregos se os empregos de homens e mulheres estivessem igualmente representados nos sectores afectados negativamente pela crise da covid-19.
Em Setembro de 2020, Jeff Bezos poderia ter pago a todos os empregados da Amazon um bónus de 105 mil dólares (86.967 mil euros) e continuar tão rico como era antes da pandemia.


Neste blogue, a apresentação dos anteriores Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, e respectivos comentários, foi feita nas seguintes mensagens: erradicar a pobreza (mensagens «0154», «0196» e «0206»), erradicar a fome («0157»), saúde de qualidade («0169»), educação de qualidade («0176»), igualdade de género («0178»), água potável e saneamento  («0239»), energias renováveis e acessíveis («0244»), trabalho digno e crescimento económico («0267») e indústria, inovação e infraestruturas («0275»).

 

Fontes: entrevista de Sérgio Aires a Ana Cristina Pereira (2018) e notícia de Maria João Guimarães (2011), ambas no jornal Público

domingo, 24 de outubro de 2021

[0293] Um azulejo pentagonal do século XV

Tal como os azulejos com três peixes da mensagem anterior, este azulejo com forma pentagonal (e dimensões ortogonais de 14 cm e de 18 cm) também se encontra exposto no Museu Berardo Estremoz: 


José Meco, no catálogo do museu, situa a sua produção no Império Timúrida, provavelmente em Samarcanda, por volta de 1425-1475, e contextualiza assim a sua origem:

A produção iraniana de cerâmica e de azulejos ganhou acentuado incremento no período Il-Khanid (1256-1335), durante o qual a capital esteve instalada em Tabriz (Azerbaijão), tendo-se então destacado o centro cerâmico de Kashan, pela excecional qualidade dos seus produtos e, especialmente, pela utilização de magníficos ornatos dourados. […]. As várias incursões mongóis que a Pérsia sofreu durante este período culminaram com a invasão de Tamerlão, em 1370, que deu origem ao império Timúrida, ou Mongol, o qual se estendeu pela maior parte da Ásia, deslocando a capital para Samarcanda, no atual Uzbequistão. Alguns centros cerâmicos da Pérsia foram destruídos durante este processo, como Ray e Saveh, mas Kashan manteve uma produção de excecional qualidade. Foi contudo Samarcanda, com o afluxo de artistas vindos de todo o império Timúrida, que se tornou o seu mais destacado centro cerâmico, e onde os revestimentos arquitetónicos ganharam extraordinário desenvolvimento, com o uso de mosaicos alicatados, de elaboradas placas relevadas ou de azulejos de formas variadas, decorados em corda seca, por vezes combinados com tijolos moldados e esmaltados, nomeadamente nas monumentais madrassas da cidade e nos esplendorosos mausoléus da necrópole de Shah Zindah. Os azulejos de corda seca, como o exemplar pentagonal […], eram feitos de barro vermelho, com a superfície sulcada pelas ranhuras preenchidas com manganês e gordura, separando os vários esmaltes opacos, de cores diversificadas, permitindo desenhos mais livres e variados.

Trata-se, portanto, de um azulejo anterior em algumas décadas aos «azulejo mogol» (ver mensagem «0207»).

Se se admitir que este azulejo poderia ter feito parte de um painel constituído por azulejos semelhantes, que padrão (ou que padrões) teria ele ajudado a formar?
Seria interessante colocar este desafio aos alunos de uma escola (porque não de Estremoz?!). Ou, ainda melhor, deixar que a sua curiosidade os leve a formulá-lo.

Dispondo de uma boa e adequadamente dimensionada fotografia, como a do catálogo, o primeiro passo poderia ser: medir os cinco ângulos e os cinco lados, para verificar se as medidas obtidas dizem algo.
Eu fi-lo. E, apesar da dificuldade de precisar os vértices do azulejo, cheguei à conclusão de que deve ter havido a intenção de que quatro dos lados fossem iguais, que dois ângulos fossem rectos e que os outros três medissem 120º:


O segundo passo poderia ser: reproduzir vários exemplares em papel deste azulejo, para que os alunos possam fazer experiências de constituição de padrões.
Eu obtive dois, mas deve haver muitos mais. Em ambos os casos será necessário uma segunda forma de azulejo para que o painel fique completo.

Eis o primeiro caso (falta-lhe um azulejo em forma de losango):


E eis o segundo caso (falta-lhe um azulejo com a forma de um hexágono regular):


O terceiro passo, o mais interessante matematicamente, poderia ser: verificar geometricamente que as soluções para os padrões são rigorosas (é necessário considerar os ângulos internos do pentágono e analisar cada um dos vértices deste padrão).
A este passo deverá estar associada a classificação matemática destes dois painéis (usando o organigrama da mensagem «0123»):
no primeiro caso, a menor rotação é de 180º e existem eixos de simetria axial, em duas direcções, estando todos os centros de rotação sobre eles, pelo que o seu tipo é «pmm»;
no segundo caso, a menor rotação é de 60º e existem simetrias axiais, pelo que corresponde ao tipo «p6m».

Por fim, o quinto passo, talvez mais adequado para os alunos do Secundário, poderia ser: procurar informações sobre os painéis de azulejo mogóis do século XV e sobre os painéis uzbeques de hoje – que outros usos foram e são feitos de azulejos pentagonais?

 

Adoraria ser aluno num projecto destes!

 

Fonte (texto e imagem inicial): catálogo do Museu Berardo Estremoz (pp. 224 e 226), texto assinado por José Meco (pp. 219-744)

domingo, 17 de outubro de 2021

[0292] Fariam estes dois azulejos parte de um padrão?

No Museu Berardo Estremoz encontram-se expostos estes dois azulejos:


José Meco, no catálogo da exposição, situa a sua origem em Teerão, na segunda metade do século XIX, em plema dinastia Kajar (1779 - 1925).

Estes dois azulejos estariam isolados, ou fariam parte de um padrão, ou como friso, ou como painel?

Se se tratasse de um friso, podemos imaginá-lo assim:


O organigrama da mensagem «0148» permite-nos classificá-lo matematicamente: não existe uma simetria de eixo vertical; não existe um centro de rotação de 180º; não existe uma simetria de eixo horizontal; e também não existe uma simetria deslizante.
Então, trata-se de um friso do tipo «11».

E se se tratasse de um painel, em que o lado de cada azulejo coincidisse com o lado dos azulejos seus vizinhos, ele produzir-nos-ia uma impressão semelhante a esta:


Seguindo o organigrama da mensagem «0123»: não existe uma família de centros de rotação; não existe uma família de simetrias axiais; e também não existe uma família de simetrias deslizantes.
Trata-se, portanto, de um painel do tipo «p1».

 

Fonte (texto e imagem inicial): catálogo do Museu Berardo Estremoz (pp. 225-226), texto assinado por José Meco (pp. 219-744)

domingo, 10 de outubro de 2021

[0291] As palavras que dizemos (IV): «tecnologia»

António Betâmio de Almeida, meu colega nos estudos universitários, …


… explicou assim, no jornal Público, as razões pelas quais considera que A «tecnologia» é também uma palavra:

 

“As palavras ganham.”
(P. Eluard e A. Breton, 1938)

No Verão de 1962, Martin Heidegger proferiu a conferência com o título “Língua de tradição e língua técnica”, o qual não designava apenas uma oposição. Fazia alusão a um perigo que ameaçaria a humanidade no mais íntimo da sua essência. Com o texto seminal “A questão da técnica” (conferência proferida em 1953 na Escola Superior Técnica de Munique), Heidegger confronta-nos com a essência da técnica e o ser do Homem. Na sua obra, analisa o que designa por fase tardia da modernidade, a era da técnica. Um período da história que o filósofo descreve como o do fim da metafísica. Em 2021, Heidegger falaria de uma era da tecnologia?

Meditar exige palavras e há palavras que suscitam questionamento e meditação. Como estudante no Instituto Superior Técnico (IST ou o Técnico), o nome do Massachusetts Institute of Technology (MIT) dos EUA fez-me questionar: qual era a diferença entre técnica e tecnologia? A resposta à época era simples: resultaria da cultura anglo-saxónica e da desvalorização nela do termo técnico. A nível da engenharia seria então tecnologia para a América e técnica para a Europa continental. Coisas das línguas e das culturas, pensei eu. Aconteceu, entretanto, a invasão de palavras e ideias que, como magia, criaram usos e significados novos. Tecnologia foi uma delas e o questionamento voltou a justificar-se.

Sabemos que o saber-fazer para atingir objectivos e para nos protegermos e sobrevivermos é a característica milenar da técnica. O termo deriva de uma palavra grega que designa o que pertence à “techné”. O significado etimológico da palavra tecnologia é conhecimento da técnica, como ocorre com biologia, sociologia ou pedagogia. O termo foi utilizado na Europa pelo menos desde o século XVII, mas em meados do século XIX o seu uso decaiu, em especial na Alemanha. K. Marx desenvolveu em profundidade (O Capital, 1867-1894) a relação da técnica com o trabalho e escreveu que o processo de produção desconsiderou “a mão humana” e criou “esta ciência toda moderna que é a tecnologia”. A actual tecnologia ampliou o seu âmbito e, no presente, é muito mais do que entrelaçamento da ciência com a técnica (ciência técnica ou tecnociência), a investigação e o desenvolvimento. É tudo isso mais inovação, no âmbito empresarial e do mercado, tida como a chave do crescimento económico e da competitividade. Uma inovação salvífica e desejada sem limites e permanente. Será possível e desejável?

É bem conhecida a influência das grandes modificações técnicas nos ciclos económicos, ou “ondas de destruição criativa” (à Schumpeter): uma característica da tecnoeconomia. Mas a tecnologia actual tem uma envolvente social, psicológica, cultural e militar complexa e, por vezes, oculta: o sucesso dos produtos não depende só das suas características intrínsecas ou utilidade, mas também (e muito) de factores extrínsecos. Acresce ainda o comportamento humano ancestral como receptor de novidades artificiais, talvez explicável pela antropologia. Um reconhecimento de vantagens indiscutíveis mesclado com adaptação forçada e desejo pueril de poder e diferenciação.

A cultura americana exporta com frequência aforismos oportunos. É o caso do dilema de Collingridge (1981): “Os efeitos sociais de uma tecnologia não podem ser previstos no início. Quando são identificados, já fazem parte do sistema social e económico e o controlo torna-se difícil.” Ou seja, nas novas tecnologias “sobrestimamos os efeitos positivos a curto prazo e subestimamos os efeitos a longo prazo” (lei de Roy Amara, 2006), o que dificulta a designada “inovação responsável”. Nalguns casos, a ética e a regulação conseguiram um controlo, noutros casos há efeitos do passado que são, no presente, crises reveladas: as alterações climáticas e os efeitos das tecnologias do petróleo, dos plásticos e dos carros nas cidades. Mas, nesta época de transições, pretende-se emendar os males de tecnologias antigas e incrementar as novas, como as biotecnologias, a nanotecnologia, o digital e a inteligência artificial, entre outras. O risco poderá agora estar na essência da própria Humanidade. Se a revolução industrial fez perder a “mão humana”, a nova revolução pode fazer desconsiderar a mente, a sensibilidade, a inteligência e outras prerrogativas humanas. Entre tecnofilia e tecnofobia há que saber desenvolver a tecnoprudência.

As novas tecnologias impulsionaram movimentos revolucionários, entre o libertarismo (uma herança hippie com rejeição de autoridade e de intermediários), a economia verde descentralizada ou um radicalismo neoliberal de direita. Impulsionaram o voluntarismo da OCDE no imperativo da “nova” inovação para o crescimento (relatório de 2015) e que, em 2021, empolga (por vezes com uma candura desarmante) dirigentes e políticos da União Europeia. Mas será que a economia comprova esse desiderato? Recorremos a estatísticas e análises e encontramos uma síntese actual da influência da tecnologia na economia mundial (P. Artus e M. P. Virard, La Derniére Chance du Capitalisme, 2021). Três conclusões nos países ricos ocidentais: 1) ineficácia crescente do desenvolvimento tecnológico (aumento das despesas e do poder dos monopólios); 2) obsolescência do capital pela aceleração da mudança que desencoraja o investimento; e 3) concentração de riqueza e aumento de desigualdades com estagnação de rendimentos da classe média que não acompanham a produtividade prometida.

As preocupações não devem incidir só nos produtos técnicos, mas também nas restantes dimensões interligadas que moldam permanentemente a sociedade. A tecnologia não é só uma palavra, nem só um conceito ou processo, é também uma ideologia, com muitas palavras, que marca a nossa época. Será que as palavras ganham sempre

 

Só acrescentaria, ao que o «Betâmio» (tal como os colegas lhe chamavam) escreveu, que a «tecnologia» é uma das muitas palavras que há muito deixou de ser inocente …

 

Fonte: opinião de António Betâmio de Almeida no jornal Público (2021)
Fotografia: retirada de https://fenix.tecnico.ulisboa.pt/homepage/ist10706

sábado, 2 de outubro de 2021

[0290] Jogos para os quais há material em casa (VIII): o «Isola»

No dia 23 de Abril de 1991, há um pouco mais de 30 anos, o Celestino e o Rui jogavam assim, muito concentradamente, na Ludoteca da Escola Secundária José Afonso (ESJA): 


Esta fotografia é o primeiro anúncio do blogue de memórias sobre os 25 anos em que estive ligado à ESJA. Espero iniciá-lo dentro de algumas semanas.

Mas a que estavam a jogar o Rui e o Celestino?
Ao Isola!
Este jogo foi criado por Bernd Kienitz, em 1972, e é por vezes designado por Isolation. Envolve dois jogadores, joga-se sobre um tabuleiro com 6 x 8 casas e exige dois Peões de cor diferente e quarenta e seis marcas de uma terceira cor.
No início do jogo os Peões estão colocados na posição a seguir indicada, correspondendo cada um deles a um dos jogadores:

Depois de tirarem à sorte quem fará o primeiro lance, cada jogador, na sua vez de jogar, efectua obrigatoriamente duas operações:

·      primeiro, movimenta o seu Peão para uma das casas adjacentes da que ocupa (ou na horizontal, ou na vertical, ou em diagonal);

·      segundo, elimina uma das casas livres, colocando nela uma das quarenta e seis marcas (essa casa já não poderá vir a ser ocupada por qualquer dos Peões).

 

É objectivo de cada jogador impedir o adversário de movimentar o seu Peão, cercando-o com casas eliminadas e mantendo, ao mesmo tempo, casas livres para o movimento do seu próprio Peão.

Um ficheiro com as regras e o tabuleiro deste jogo já se encontram na pasta «Jogos de Reflexão» acessível através da página «Documentos» deste blogue: guarde-o, imprima o tabuleiro (ou desenhe um semelhante), arranje dois Peões e quarenta e seis marcas e … toca a jogar!

E, não se esqueça: dentro de algumas semanas haverá mais um blogue!

 

Fotografia: Pedro Esteves