sábado, 29 de fevereiro de 2020

[0213] «La Belle et la Bête», ou o Analógico e o Digital


A Bela e o Monstro é um conto de fadas francês escrito por Gabrielle-Suzanne Barbot, em 1740, e adaptado alguns anos mais tarde (1756) por Jeanne-Marie Le Prince de Beaumont. Abordando o encontro entre seres radicalmente diferentes, e tendo por desfecho o seu inesperado entendimento, este conto foi por diversas vezes retomado no século XX pelo cinema e pela televisão, conforme o momento vivido e o público esperado:

Ilustração de Anne Anderson

Não sei qual virá a ser o desfecho do desencontro / encontro entre o Analógico e o Digital (dois nomes masculinos, contrariamente a Belle e Bête, dois nomes femininos). Mas pareceu-me muito interessante o desafio que situações deste tipo colocam aos Professores e, em sentido mais lato, a qualquer Cidadão, dada a omnipresença do desencontro / encontro entre culturas hoje tão premente nas escolas como nas nossas sociedades.

O exemplo que me levou a esta argumentação é o da identificação de plantas. Já existem diversas aplicações para SmartPhones que, perante uma planta que desconhecemos, nos dão informações sobre ela. Uma dessas aplicações (https://identify.plantnet.org), ligada ao projecto internacional PlantNet, também possui uma versão para usar num computador onde estejam guardadas fotografias de plantas. Experimentei com esta fotografia, tirada em 2008, onde se vê uma rude mas bela planta que se estira sobre os xistos que ladeiam o rio Reno, na região do Rheingau:


A aplicação apresentou-me doze hipóteses de identificação (um primeiro bom sinal), sendo aquela que considerou mais provável (com uma certeza de 3,05 em 5, ou seja, um pouco acima dos 60 %) a espécie Sedum cepaea, L., da família das Crassulaceae (dois terços das doze hipóteses apresentadas pertencem, aliás, a esta família). Ao fim de doze anos guardada numa pasta designada «Para classificar», consegui delimitar a espécie a que esta planta pertence. Nada mau.

E quanto aos antigos instrumentos de identificação, baseados na observação directa? Genericamente, eles são chamados chaves dicotómicas, designação que resulta das sucessivas perguntas que colocamos àquilo que é observado e que vão dividindo por dois as hipóteses de identificação. Para classificar uma planta podem ser escolhidas como primeiras perguntas as que se encontram nos seguintes rectângulos (com fundo verde), de que resultarão os primeiros grandes grupos identificados (escritos a verde), seguindo-se-lhes novas perguntas que precisarão a identificação até se chegar à espécie:


Uma grande vantagem deste procedimento, analógico, comparativamente ao da aplicação digital, é que somos nós quem observa a planta, podendo assim aprender muito sobre ela. No entanto, ele tem a desvantagem de a maioria das pessoas não estar preparada para responder a muitas das perguntas que a chave dicotómica lhe faz.
O procedimento digital tem vantagens onde o anterior tem desvantagens e tem vantagens onde o anterior tem vantagens, pelo que a conclusão que parece óbvia é: aprendemos a conjugar os métodos analógicos com os digitais!

Talvez possamos extrapolar, a partir deste simples exemplo em que apenas queremos conhecer melhor a Natureza, que nas questões que envolvem os desencontros / encontros culturais o melhor é admitir haver sempre algo a aprender com aqueles que são diferentes de nós – é admitir que, no fim, acabaremos por descobrir o muito que há em comum entre todos.

Fonte: Wikipédia (informação sobre a origem do conto e ilustração de Anne Anderson)

Fotografia: Pedro Esteves

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