Este «diagnóstico da educação» foi redigido por Isabel Flores, do ISCTE.
Eis um selecção do que esta académica escreveu:
“A grande meta do acesso está hoje alcançada e em
Portugal muitos passos foram dados no sentido de garantir o direito à educação,
como demonstra a permanência na escola até aos 18 anos e o indicador do
abandono escolar. A qualidade das aprendizagens a nível médio é agora
comparável com os parceiros internacionais revelando que a apropriação de
conhecimento e sua mobilização tem tido também uma evolução positiva para a
maioria dos que frequentam a escola.
Temos agora de virar as políticas para o
cumprimento das restantes objetivos: desenvolvimento integral; direito à
diferença; mobilidade social e oportunidades de construção de um espírito
crítico. Portugal continua a ser um dos países em que o estatuto socioeconómico
das famílias mais determina o sucesso das aprendizagens. Temos também uma larga
percentagem de alunos que chega aos 15 anos com um nível demasiado baixo de
competências.
Novos e complexos desafios aconselham a que o
sistema de gestão escolar adote conceitos e modelos pedagógicos alternativos. O
objetivo maior é construir uma escola em que cada aluno seja distinto. Uma
escola potenciadora de uma sociedade mais rica, criativa e produtiva. A escola
que queremos no futuro deve moldar as políticas públicas no presente. Em
Portugal, pouco poder é ainda confiado às escolas e esta gestão muito
centralizada, com políticas iguais para todos os contextos, tem dificuldade em
criar mecanismos de adaptação rápida e resposta a necessidades específicas.
Os diretores das escolas portuguesas consideram que
o seu poder é muito limitado […] De facto,
os professores são colocados através de uma lista ordenada a nível nacional; os
salários são tabelados; as rescisões de contrato são muito complicadas; a
organização do número de docentes é calculada em função de um rígido número de
turmas, com pequenas majorações de crédito horário, a gestão de outros recursos
humanos está também fora da esfera dos diretores, o orçamento de uma escola
esgota-se nos salários e pouco ou nada sobra para acrescentar outras despesas,
e os alunos são colocados de acordo com critérios previamente definidos iguais
para todas as escolas.
As áreas onde os diretores reconhecem alguma capa[1]cidade de decisão no seio
da escola são partes do currículo e avaliação, no que se refere à avaliação
interna.
Por contraste, na República Checa, Países Baixos e
Reino Unido, 90% dos diretores declaram ter poder para contratar e despedir os
seus professores, são inteiramente responsáveis pela gestão dos seus orçamentos
e tomam decisões sobre o currículo e os critérios de avaliação dos alunos.
Nestes países, a maioria das decisões que as escolas podem assumir estão
inseridas em linhas diretrizes e são discutidas e analisadas a diversos níveis
de governança – local, regional e nacional – permitindo chegar a soluções mais
robustas e minimizando os riscos de disparidade entre escolas.
O exemplo dos Países Baixos é de realçar. Os
diretores não têm de seguir uma regra em relação ao número de alunos por turma,
estas podem ter configurações variáveis conforme os assuntos que estão a ser
tratados. Os diretores podem delegar nas mãos dos docentes o planeamento das
aulas e os conteúdos que são lecionados. A maioria dos docentes opta por não
ter um manual e adapta‑se a cada grupo, por vezes lecionando conteúdos
distintos a alunos que frequentam a mesma disciplina. O regime de avaliação interna
obriga apenas à realização de um exame no final de ciclo. Os professores não
estão obrigados a cobrir uma dada quantidade de matéria entre testes. O que é
considerado relevante é que os alunos cheguem ao fim de um certo número de anos
e consigam aplicar o conhecimento acumulado, sendo a sequência e a forma como
são ensinados pouco relevantes, ainda que haja inspeções e as escolas devam
responder pelas suas opções. O objetivo é que as escolas consigam olhar para si
mesmas e melhorar as suas práticas. O desempenho médio nos testes
internacionais é elevado e a relação entre estatuto socioeconómico e
aprendizagem é pouco acentuada. A percentagem de comunidades imigrantes tem
vindo a crescer nos últimos anos e, por agora, as escolas mostram‑se capazes de
responder à diferença.
A evidência vai demonstrando que a decisão de
proximidade, com responsabilização, permite respostas de maior qualidade e mais
adequadas ao dinamismo dos contextos.”
“A OCDE encontra resultados mais elevados nos
testes PISA nos países onde as escolas têm poder de decisão sobre os
currículos, os critérios de avaliação e as metodologias de ensino. A diferença
encontrada é particularmente expressiva quando a autonomia vem acompanhada de
responsabilização e prestação de contas.”
“A gestão de recursos é a responsabilidade que se
mantém mais concentrada nas mãos do Ministério da Educação, especialmente no
que se refere à contratação, remuneração e cessação de contratos de
professores.”
“A colocação por lista ordenada tem cumprido o seu
objetivo primário – ter professores distribuídos pelo intricado tecido de
escolas e percursos de aprendizagem. A questão coloca-se para o futuro num
ambiente de mudança e modernização. Os sindicatos, na sua competência como
representantes dos professores, não aceitam que esse poder passe para a mão das
escolas ou de outras estruturas locais, ainda que apenas parcialmente. As
tensões nesta área são muitas e capazes de trazer uma classe inteira para a
rua.”
“Em relação à autonomia curricular, avaliativa e
pedagógica, onde se consegue encontrar maiores ligações com o desempenho das
aprendizagens, Portugal tem feito algum progresso. As tentativas políticas de
caminhar para um quadro de autonomia têm surgido nas agendas de diversos
governos nas últimas três décadas, sendo suportadas por partidos à direita ou à
esquerda. Esta é uma área onde é menos visível a contestação por parte dos
sindicatos, mas que gera insegurança e medo a nível dos professores que a devem
aplicar.
No passado, a autonomia curricular assumiu a figura
de disciplinas sem currículo pré-estabelecido, como foi o caso da Área de
Projeto. Desde 2017, as escolas foram desafiadas a aderir a um novo projeto de
descentralização curricular, Autonomia e Flexibilidade Curricular (AFC), que
faz parte de um plano alargado que visa colocar a escola no centro de decisão,
tentando quebrar com o modelo prescritivo em vigor. A legislação prevê a
autorização para a gestão flexível e contextualizada do currículo, podendo as
escolas criar novos domínios ou disciplinas e também desenvolver novas práticas
avaliativas. No âmbito da regulamentação, o governo elaborou um despacho que
rege esta autonomia de forma bastante detalhada, balizando as possibilidades de
autonomia, constituindo‑se como um menu de escolhas alternativas. Este projeto
foi iniciado como um projeto-piloto de adesão voluntária e como tal continua a
ser: só as escolas que se sentem preparadas ou que encontram vantagens neste
modelo se abalançam a acolhê‑lo.
O governo tentou num segundo momento redesenhar o
modelo, que em 2019 foi estendido a todas as escolas que o desejassem
implementar, tendo sido então lançado um projeto mais exigente – os planos de
inovação contratualizados, cuja autonomia de redesenho curricular podiam ser
mais originais, podendo as escolas submeter currículos ao Ministério da
Educação para aprovação. Arrancou com 83 escolas/agrupamentos em 2019 e neste
momento já chegou a 240. Estes planos podem ter uma abrangência muito distinta
(apenas uma turma ou o agrupamento inteiro) e a duração pode também ser
variável, pelo que é ainda difícil compreender os impactos da sua
implementação.”
“O relatório nacional de avaliação externa da
autonomia e flexibilidade curricular identifica novas dinâmicas pedagógicas e
alteração do discurso, dando primazia aos interesses do aluno. Recomenda que
este processo seja continuado mantendo o apoio de especialistas, incrementando
a formação de professores e mantendo a confiança nas escolas. As opções
adotadas são ainda as mais fáceis, como a da organização de calendário por
semestres, mas já é possível identificar práticas alternativas e disciplinas
que acrescentam ou substituem o currículo tradicional, como por exemplo a
criação da disciplina de Ciências da Terra que substitui Ciências Naturais,
Geografia e Físico‑química no 7.º ano, ideia dos professores numa escola de
Sintra. O Ministério da Educação criou um site para partilha de experiências em
autonomia curricular, onde surgem atividades diversas tais como aprender
ciências no meio envolvente, criar estufas de experimentação ou explorar
informação em forma analógica e digital.”
Dois comentários muito breves a este
diagnóstico:
Parecem certeiras as escolhas da «qualidade» e, para a atingir, da «flexibilidade».
Portanto, não é compreensível que não seja questionado o papel que os
«directores» têm nas escolas, onde são um dos principais obstáculos à
«flexibilidade» e à «qualidade», por reduzirem a «democracia» e a «participação».
Citações e
imagem: Flores (PDF de 2023)
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