Italo Calvino (1923-1985), em As Cidades
Invisíveis (1972), imagina Marco Polo a descrever ao imperador Kublai
Khan as cidades que visitara. Por vezes afasta-se para observar os dois homens
e procura perceber o que pensam, ou poderiam pensar:
“Marco entra
numa cidade; vê alguém numa praça viver uma vida ou um instante que poderiam ser
seus; no lugar daquele homem agora poderia estar ele se tivesse parado no tempo
muito tempo antes, ou se muito tempo antes numa encruzilhada em vez de tomar
uma estrada tivesse tomado a oposta e ao cabo de uma longa volta viesse
encontrar-se no lugar daquele homem naquela praça. Agora, daquele seu passado
verdadeiro ou hipotético ele está excluído; não pode parar; tem de prosseguir
até outra cidade onde o espera outro seu passado, ou algo que talvez tivesse
sido um seu possível futuro e agora é o presente de outro qualquer. Os futuros
não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.”
A memória é o tema que domina a descrição de Marco Polo sobre cinco das cidades
que visitou.
Ao viajante que chega a Diomira “numa noite de
Setembro, quando os dias já diminuem e as lâmpadas multicolores se acendem
todas ao mesmo tempo por cima das portas das lojas de peixe frito, e de um
terraço uma voz de mulher grita: uh!”, apetece-lhe “invejar os que agora pensam que já viveram uma noite
igual a esta e que então foram felizes.”
Mas é em Isidora que o viajante encontra“a cidade
dos seus sonhos: com uma diferença. A vida sonhada continha-o jovem; a Isidora
chega em idade tardia. Na praça há o paredão dos velhos que vêem passar a
juventude; ele está sentado em fila com eles. Os desejos são já recordações.”
Descrever “Zaira tal como é hoje deveria conter
todo o passado de Zaira. Mas a cidade não conta o seu passado, contém-no como
as linhas da mão, escrito nas esquinas das ruas, nas grades das janelas, nos
corrimões das escadas, na antenas dos para-raios, nos postes das bandeiras,
cada segmento marcado por sua vez de arranhões, riscos, cortes e entalhes.”
É inútil partir “em viagem para visitar a cidade
[de Zora]: obrigada a permanecer imóvel e igual a
si própria para melhor ser recordada, Zora estagnou, desfez-se e desapareceu. A
Terra esqueceu-a.”
Em Maurília “o viajante tem de gabar a cidade nos
postais e preferi-la à presente, com o cuidado porém de conter o seu desgosto
pelas mudanças”: “a magnificência e prosperidade
de Maurília transformada em metrópole, se comparadas com a velha Maurília
provinciana, não compensam uma certa graça perdida, a qual contudo só poderá
ser gozada agora nos velhos postais”; mas nem estes “representam Maurília como era, mas sim outra cidade que
por acaso se chamava Maurília como esta.”
Fonte: livro
de Calvino (2006; pp. 11, 12, 14-15, 19-20, 30-31 e 33-34)
Imagem: capa
de uma das edições em português
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