Aristóteles, no século IV a. C., baseando-se em Eudoxo, referiu-se
a uma estimativa das dimensões da Terra, sem esclarecer quem a fez, nem como,
nem quando.
A primeira estimativa do perímetro da Terra de que se
conhece o autor, o método e a época foi feita no século III a. C., sendo
atribuída a Eratóstenes
(cerca de 276 – 194 a. C.). Eratóstenes foi conservador da famosa biblioteca de
Alexandria,
situada no delta do Nilo e capital da dinastia ptolomaica. Devido a esta
função, é possível que tenha acedido a uma lista que Alexandre o Grande, o
fundador da cidade, havia mandado elaborar, por razões militares, com as distâncias
a que as principais localidades ficavam de Alexandria.
Eratóstenes ensinando em Alexandria” (Bernardo Strozzi, 1635) |
Para a estimativa do perímetro da Terra, Eratóstenes
dispunha à partida de duas informações:
·
a cidade de Syene (actual Assuão) estava situada
a Sul de Alexandria, quase exactamente à mesma longitude, tendo a
particularidade de, ao meio-dia do solstício de Verão, as varas colocadas
verticalmente no solo (chamadas gnómon)
não produzirem sombra (Assuão fica quase sobre o trópico de Câncer);
·
a distância entre Alexandria e Siena era de aproximadamente
5 000 estádios (quase 800 quilómetros, segundo o actual sistema de medidas).
Eratóstenes, que também era matemático, só precisou de mais
uma medida: o ângulo feito pela sombra de um gnómon colocado em Alexandria ao meio-dia do solstício de Verão.
Mediu-o e obteve um ângulo aproximadamente igual a 1/50 de uma volta completa.
Conforme se vê na figura
seguinte, este ângulo é igual ao ângulo feito pelos raios da Terra que terminam
em Alexandria e em Syene (os seus lados são paralelos). Então os 5 mil estádios
que separam estas duas cidades são apenas 1/50 do perímetro da Terra, pelo que
este mede 250 mil estádios (ou, em medidas actuais, 40 mil quilómetros).
Havia
alguns pontos fracos nesta estimativa: ainda não existiam instrumentos suficientemente
rigorosos para a medição de ângulos; Syene (Assuão) não se situa exactamente
sobre o mesmo meridiano de Alexandria; o valor da distância entre as duas cidades
deveria ser bastante grosseiro (por exemplo, baseado nos dias de marcha das
caravanas).
E
para nós, que procuramos compreender o resultado a que Eratóstenes chegou, existe
ainda uma outra dificuldade, a interpretação das antigas unidades de medida: no
mundo grego, as distâncias grandes eram expressas em estádios, equivalendo este comprimento a 600 pés; mas o comprimento
de um pé não estava normalizado, variando consideravelmente. Se atendermos a esta
variação, o perímetro da Terra estimado por Eratóstenes estará contido num
intervalo que vai dos 39 mil aos 46 mil quilómetros, inclinando-se muitos
especialistas para que esteja mais próximo do limite superior.
No século IX d. C., em Samarcanda, o perímetro da Terra
foi calculado por um outro método.
Samarcanda fica situada no Sul do actual Usbequistão, e no
período que se seguiu ao declínio da civilização grega era o centro de uma
região, então conhecida por Kwarismi, que deu voz a numerosos talentos. Um deles,
foi simplesmente conhecido por Al-Kwarismi (cerca de 780 – cerca de 850 d. C.).
Selo comemorativo (1983, URSS)
Aproximadamente 1200º aniversário do nascimento de Al-Kwarismi |
Al-Kwarismi trabalhou na Casa da Sabedoria, fundada pelo califa
Almamune, que reinou de 813 a 833, tendo sido incumbido de fazer uma nova estimativa
do perímetro da Terra. Desta vez o método baseou-se na medição de uma distância,
orientada do Sul para o Norte, de tal modo que a altura (angular) do Sol ao
meio-dia no ponto de chegada fosse um grau inferior à que era no ponto de
partida:
A medição foi feita por diversos
agrimensores, numa extensa planície situada 320 quilómetros a Norte de Bagdad, tendo
a maioria das distâncias medidas sido de 56 e 2/3 de milhas árabes. Correspondendo
esta distância sobre a superfície da Terra a 1º, então o perímetro da Terra
seria 360 vezes maior: 20 400 milhas árabes, ou, por conversão às actuais medidas,
um pouco mais de 40 mil quilómetros.
O princípio da triangulação já era conhecido na
antiguidade: partindo das medidas de uma base
e de dois ângulos, é possível
calcular as medidas que faltam do triângulo que a base, cujos extremos são A e
B, forma com um terceiro ponto, C:
Desde o século XVI que este
princípio foi utilizado para desenvolver os métodos utilizados nos actuais levantamentos
topográficos, sendo aplicados num grande número de expedições com interesses
políticos. No entanto, algumas dessas expedições tiveram como interesse central
o velho objectivo da medida do perímetro da Terra, todas elas usando a
triangulação trigonométrica para medir um
grau de meridiano:
·
no início do século XVII, pelo inglês Richard
Nordwood;
·
na segunda metade do século XVII, pelo francês
Jean Picard;
·
no início do século XVIII, por Giovanni e
Jacques Cassini, pai e filho, que concluíram, contrariamente às predições de
Newton, que o perímetro da Terra que passava pelos pólos era maior do que o do
equador;
·
na primeira metade do século XVIII, duas equipas
francesas, uma no Perú, outra no Norte da Escandinávia, visando esclarecer a polémica
entre os resultados dos Cassini e as predições de Newton, tendo concluído que
Newton tinha razão.
[Parágrafo com correcções (fundo azul) introduzidas
no dia 6 de Junho de 2020]
A expedição que ficou mais conhecida foi, no entanto, a de Jean-Baptiste
Delambre e Pierre Méchain. De 1792 a 1799 eles efectuaram, por triangulação, a medição da distância entre Dunquerque e
Barcelona, partindo o primeiro de
Dunquerque e o segundo de Barcelona, medindo assim uma fracção do respectivo meridiano terrestre (esta façanha foi
descrita por Denis Guedj, em «A Meridiana», conforme referido na mensagem
«0030»).
Selo comemorativo (Liechtenstein)
Entre Delambre e Méchaim figura a sua triangulação |
Perímetro da Terra, medido no equador, com base nas medições
modernas:
aproximadamente 40 074 quilómetros.
Fonte: livros
de Bryson (2004; pp. 62-64), de Osserman (1996; pp. 21, 23-24 e 26-27) e de
Brotton (2019; pp. 41, 53, 59 e 88) e, numa revista, artigo de Arlot (2005;
p. 97)
Imagens (representando
Eratóstenes, Al-Kwarismi, Delambre e Méchain): Wikipédia ou outros sítios
acedidos via Google
Desenhos:
Pedro Esteves
Em 6 de Junho de 2020 introduzi e assinalei uma correcção e um acrescento na parte final desta mensagem
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