domingo, 7 de junho de 2020

[0225] A histórica medição da distância entre Dunquerque e Barcelona (1792-1799)


A nova unidade de comprimento que o abade Gabriel Mouton propôs, em 1670, equivalente a um minuto de grau de um meridiano (quase dois quilómetros actuais), foi substancialmente reduzida em 1789. A comissão que a Constituinte francesa nomeou com o objectivo de concretizar a ideia de um novo sistema de unidades preferiu que a unidade de comprimento que a ia integrar tivesse uma dimensão próxima do que era manejado no quotidiano. Para tal, estabeleceu a célebre equivalência do metro ao comprimento da décima milionésima parte do quarto do meridiano terrestre.

A expedição em que foram envolvidas as equipas de Jean-Baptiste Delambre, partindo de Dunquerque, e de Pierre Méchain, partindo de Barcelona, entre 1792 a 1799 mediu o comprimento de quase 10º de um dos meridianos que passa próximo destas duas cidades (ver mensagem «0224»). Denis Guedj, em «A Meridiana», descreve de um modo pormenorizado o trabalho destas duas equipas, sem deixar de referir o contexto de uma revolução que então agitava a França e a Europa:


Depois de medirem cuidadosamente a latitude dos pontos de partida, o trabalho mais demorado das duas equipas foi o de estabelecer uma sequência de triângulos que unisse, sem interrupção, os dois extremos da fracção de meridiano a medir. Os triângulos deveriam estar unidos uns aos outros através dos vértices. E estes deveriam situar-se em pontos elevados, para que de cada um se pudesse avistar os outros vértices do triângulo (ou dos triângulos) de que fazia parte: podia estar no topo de um pico montanhoso, de um campanário, de uma torre; e, sempre que fosse necessário, para que um vértice fosse mais visível, ou mais bem definido, seria construído nele um «sinal», em madeira.
A sequência de triângulos que as duas equipas construíram foi a seguinte:


Como se vê nesta sequência de triângulos, os vértices situavam-se quer de um quer do outro lado do meridiano a medir. As únicas medidas a medir, e a registar, nesta fase, deveriam ser as dos ângulos dos triângulos e o instrumento usado para os medir era o teodolito. Este era colocado sobre um vértice e cada uma das suas lentes era apontada para os outros vértices do triângulo cujos ângulos estavam a ser medidos. Muito importante: cada ângulo seria medido várias vezes e o seu valor final corresponderia à média das medições; reduzia-se, assim, a imprecisão das medidas isoladas.

Depois de unida a sequência de triângulos vinda do Norte com a sequência vinda do Sul, apenas os ângulos destes triângulos eram conhecidos: os seus comprimentos podiam ser maiores, podiam ser menores …

Iniciou-se então o trabalho necessário para determinar a dimensão dos lados dos triângulos. Cada equipa construiu uma base, a de Delambre perto da cidade de Melun, a de Méchain perto da cidade de Perpignan (elas estão assinaladas no mapa acima). Cada uma destas bases correspondia ao lado de um dos triângulos mais pequenos da sequência, devendo o seu comprimento ser medido com o máximo rigor. Para tal, numa e noutra, foi construída uma ponte, em madeira, a uma certa altura do solo, que deveria permitir que se traçasse sobre ela um segmento de recta (foram usados miras e níveis para conseguir esta linearidade). Depois foram sucessivamente colocados sobre cada uma destas pontes réguas de platina (material pouco sensível a dilatações ou a contrações devido às alterações de temperatura), sem se tocarem (para que a colocação de uma não alterasse a posição da anterior), e contadas as réguas colocadas e somados os intervalos entre elas. Dispôs-se, assim, finalmente, do comprimento de um lado, um em Melun, outro em Perpignan.

Através do cálculo trigonométrico foram calculados os lados do primeiro triângulo a Norte e do primeiro triângulo a Sul. E à medida que os triângulos seguintes foram dispondo da medida de um lado, todos os triângulos acabaram por ter os seus três lados medidos.

Este conhecimento ainda não indicava qual a distância entre Dunquerque e Barcelona, sobre o meridiano escolhido. Ela só poderia ser determinada indirectamente, projectando uma sequência de lados de triângulos sobre esse meridiano e recorrendo, mais uma vez, ao cálculo trigonométrico.

Por fim, da posse dessa distância, e para cumprir a definição de «metro» estabelecida pela comissão, calculou-se a diferença de latitudes entre Dunquerque e Barcelona (uma simples subtracção), determinou-se a que fracção de 90º correspondia esta diferença (uma simples divisão), multiplicou-se a distância Dunquerque – Barcelona (sobre o meridiano) pelo inverso desta fracção e … dividiu-se este resultado por dez mil.

A nova unidade, o metro, expressa nas velhas unidades, equivalia a 3 pés, 11 linhas e 296 / 1000 da toesa do Perú!


Fonte: Guedj (1988; especialmente as pp. 45-46, 82.83, 224-229 e 249)
Imagens: capa do livro e Guedj; mapa encontrado via Google

Sem comentários:

Enviar um comentário