A Grande Tijuca é uma das regiões
administrativas do Rio de Janeiro, situando-se nela diversos bairros e várias favelas.
Visando desenvolver políticas públicas inclusivas nesta região, algumas instituições
estatais e organizações civis promoveram aí projectos de intervenção social e
urbana, tendo um deles despertado o interesse dos moradores para a história
local. Foi neste contexto que três moradoras nas favelas, Mauriléa Januário
Ribeiro, Ruth Pereira Barros e Maria Aparecida Coutinho, conceberam o projeto Condutores(as) de
Memória, com o objectivo de “resgatar, registrar e sistematizar a
memória das comunidades da Grande Tijuca, permitindo que moradores e moradoras
dessa região conhecessem a história da ocupação e luta que garantiu o direito à
moradia nessas áreas. Nesse sentido, o projeto objetivava não só a eliminação
do estigma atribuído ao espaço da favela, mas também sua afirmação como parte
da cidade.”
O primeiro passo foi dado na favela do Borel, através de uma
“oficina de memória” intitulada Recordando a História,
onde foram registados depoimentos e recuperadas fotografias e documentos na
posse dos moradores mais velhos.
Seguiu-se uma segunda oficina, Buscando
a História, “reunindo, dessa vez, jovens da comunidade. Para
despertar-lhes o interesse pela história local, recorreram a diferentes
linguagens e fontes, introduzindo-os inicialmente à história do desenvolvimento
urbano da cidade como um todo, até chegarem às suas próprias comunidades.
Assim, além dos depoimentos orais, também utilizaram músicas, jornais e
fotografias. O resultado dessa oficina foi a elaboração conjunta de um roteiro
de entrevistas que seriam realizadas por tais jovens com moradores(as) mais
antigos(as), a fim de permitir uma importante troca e interação social
envolvendo jovens e pessoas idosas e reforçar a sociabilidade local.”
Na terceira oficina, Vivências
Passadas, “foram recuperadas, pelas lembranças dos(as) próprios(as)
moradores(as), as condições socioeconômicas da época de ocupação da favela, com
destaque para a questão ambiental e a produção de lixo domiciliar.”
E na quarta, Construindo a História, em
que participaram jovens e “moradores(as) mais antigos(as), particularmente
aqueles(as) interessados(as) em dar continuidade ao trabalho conjunto”, foram “organizados
pequenos grupos de trabalho que ficaram responsáveis pelo planejamento das
atividades e estratégias para a realização das próximas etapas do projeto”,
assim juntando as duas pontas da mesma realidade: “os(as) moradores(as) mais
antigos(as), que, com o passar do tempo e as mudanças ocorridas, sentem-se,
muitas vezes, perdendo suas referências e seu espaço tanto físico como
subjetivo dentro das comunidades; e os(as) jovens, que, embora não tenham
acompanhado muitas das lutas que construíram suas comunidades, atuarão de forma
decisiva oferecendo respostas aos desafios futuros.”
Surgiu depois a ideia de organizar um
pequeno jornal, “um informativo que relatasse a experiência do projeto e
os resultados das oficinas realizadas em cada comunidade, reunindo histórias,
eventos e datas marcantes para a história local (…).” “Depois de finalizado,
esse informativo passou a ser distribuído em todas as comunidades,
transformando-se em importante instrumento de divulgação e contribuindo para
dar visibilidade à iniciativa do Condutores(as) de Memória. Ao longo do
desenvolvimento do projeto, foram produzidos cinco informativos (Borel, Chácara
do Céu, Morro do Andaraí, Salgueiro e Formiga) e distribuídos um total de 6 mil
exemplares em eventos comunitários das favelas onde foram realizadas as oficinas
e em palestras dadas em escolas, ONGs e universidades.”
Outra etapa foi a realização de um
vídeo com o registo da “experiência do projeto nas duas primeiras
comunidades onde foi desenvolvido, Borel e Chácara do Céu. O vídeo reuniu
depoimentos de moradores(as) antigos(as) dessas comunidades, que relembraram
histórias relacionadas à ocupação da área, reivindicações por água e luz, além
de «casos» e histórias pitorescas sobre o dia-a-dia da comunidade. Contou
também com a participação dos(as) jovens moradores(as) da comunidade, que
falaram sobre a experiência das oficinas de memória e expressaram suas
expectativas para o futuro. Intitulado Condutores(as) de Memória, o vídeo
passou a funcionar como um instrumento de dinamização das outras oficinas
realizadas, servindo de ponto de partida para o trabalho de reconstrução da
história de cada comunidade. Além disso, outro desdobramento das oficinas foi a
participação das educadoras responsáveis pelo projeto em vários eventos
comunitários, além da participação em programas de rádios comunitárias. Dessa
forma, a partir das oficinas, a equipe foi desenvolvendo novas formas de
interação com a comunidade, inserindo a discussão sobre a importância da
memória local em outros espaços coletivos.”
“Em 2002, após consolidar o trabalho das oficinas de
memória nas comunidades do Borel, da Chácara do Céu e do Morro do Andaraí, o
projeto Condutores(as) de Memória partiu para a rede pública de ensino. O
objetivo desse trabalho nas escolas públicas e
comunitárias da região era levar a discussão sobre a memória das favelas
da Grande Tijuca para o espaço de construção do saber formal, buscando
estabelecer uma relação entre o trabalho realizado nas comunidades por meio das
oficinas e aquele desenvolvido por professores e professoras com crianças e
adolescentes no espaço escolar.”
“Os informativos elaborados pelas educadoras sobre cada
comunidade já trabalhada e o vídeo realizado nas comunidades do Borel e da
Chácara do Céu serviram de ponto de partida para que os(as) próprios(as)
professores(as) fizessem o trabalho com os(as) alunos(as). A partir daí, a
metodologia utilizada ficou a critério de cada estabelecimento de ensino.
Algumas escolas organizaram debates com as responsáveis pelo projeto, outras
realizaram dinâmicas com os(as) alunos(as) e outras ainda inseriram o tema da
memória local no calendário escolar. Também houve aquelas que convidaram as
avós dos(as) alunos(as) para uma tarde de conversas sobre as histórias da
comunidade, valorizando, desse modo, a cultura local. Essa foi uma importante
etapa de desenvolvimento do projeto, já que o processo de trabalho sobre o tema
da memória com alunos e alunas das escolas públicas possibilitou a construção
de um outro olhar sobre a história de suas comunidades de origem, para além da
«história oficial» encontrada nos livros didáticos.”
“Acima de tudo, a entrada do projeto Condutores(as) de
Memória nas escolas contribuiu para desfazer o preconceito e diminuir a
distância existente entre «favela» e «asfalto», fornecendo aos(às)
professores(as), geralmente oriundos(as) da classe média, informações que
permitem compreender a realidade social dos alunos e das alunas, em sua maioria
residentes em favelas e bairros populares.”
Para elaborar o conhecimento
adquirido a partir das oficinas de memória e de todas as outras
atividades realizadas ao longo do desenvolvimento do projecto, as equipas “participaram
de uma primeira etapa de capacitação por meio do curso Memórias Urbanas,
ministrado pelas antropólogas Neiva Vieira da Cunha e Anamaria Fagundes. O
curso foi realizado na Escola Oga Mitá, na Tijuca, de junho a agosto de 2004.
Uma segunda capacitação das educadoras do projeto foi o curso Memória, Espaço e
Cultura Material, ministrado pelo professor Marcelo Abreu, também na Escola Oga
Mitá, em maio de 2005. Esses dois cursos reuniram não só as educadoras do
projeto, mas também outros(as) gestores(as) sociais, lideranças e outros(as)
moradores(as) das comunidades da Grande Tijuca, e isso permitiu qualificar
melhor o grupo para a execução de suas atividades. O objetivo dessas
capacitações era fornecer elementos teórico-metodológicos, além de uma
perspectiva histórica e socioantropológica, que pudessem auxiliar o trabalho de
levantamento e análise de dados coletados.”
Fonte bibliográfica: Cunha, organizadora (2006; pp. 11-17, 47-48 e 53)
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