Há já muito tempo apresentei aos meus alunos a possibilidade
de a geometria se poder aplicar à determinação do centro de uma peça fabricada
num torno e que, durante trabalhos arqueológicos, é encontrada mais ou menos
danificada.
Essa peça poderia, por exemplo, ser a seguinte:
Tal como é descrita no catálogo da exposição que a
apresentou no Museu Gulbenkian, em 1987, trata-se de uma tigela do século XI,
procedente das escavações feitas na Alcáçova do Castelo de Mértola, e está
decorada centralmente por uma cena de caça em que um corso, ou gazela, é
simultaneamente atacado por um galgo e um falcão.
Depois de recuperada, ela foi representada através de um
desenho que lhe salientou os aspectos arqueologicamente relevantes. Foi este o
desenho arqueológico que a representou:
Onde terá sido o centro em torno do qual a peça rodou quando
estava a ser fabricada?
Ou, perguntando de outro modo: qual é o raio da circunferência
que o desenhador traçou e através da qual verificou que a peça era circular?
Era aqui que avançava o contributo da geometria, protegida
por alguma ingenuidade, pois eu não tinha a certeza de ser assim que os desenhadores
procediam, traçando duas cordas, não paralelas, com os seus extremos apoiados
no perímetro do desenho (traços vermelhos a cheio), e depois as respectivas
mediatrizes (traços vermelhos a tracejado), que se interceptam no centro de
circunferência:
Tive há dias a possibilidade de confirmar, aliviado, que de facto o desenho arqueológico se socorre deste procedimento. Mas, disse-me o arqueólogo que mo confirmou, o Jorge Raposo, há outros métodos para determinar o raio desta circunferência, o que é necessário tanto para o desenho como para a descrição rigorosa da peça, descrição que, mais tarde, é estudada sob o ponto de vista estatístico (de modo a comparar cada peça com muitas outras peças).
Um desses métodos é o uso de um escantilhão, onde estão desenhados
arcos de circunferências com muitos raios. E um outro é desenhar uma corda e a
respectica flecha, medir ambas e calcular o raio através de uma fórmula – se
introduzirmos esta numa folha de Excel, nem é preciso tratar do cálculo, o raio
é dado automaticamente!
Fazendo um desenho da situação genérica em que este método
se aplica, chega-se à conclusão de que é simples deduzir uma fórmula que o traduza,
sendo até interessante desafiar os alunos a descobri-la (ou a uma das suas
variantes): se a corda tiver o comprimento c e a respectiva flecha o comprimento f, …
… existe um ponto X no prolongamento da flecha (a preto tracejado) que será centro da circunferência:
… existe um ponto X no prolongamento da flecha (a preto tracejado) que será centro da circunferência:
O comprimento do raio da circunferência, r, é igual a x + f.
E, como o triângulo figurado é rectângulo, pode escrever-se (c/2)2 + x2 = r2.
Substituindo x
por r – f e resolvendo a equação
chega-se a:
r = (c2 + 4f2) : 8f.
Ou, preferindo expressar o diâmetro da peça, a
d = (c2 + 4f2) : 4f.
Fonte das duas primeiras imagens: catálogo com textos de Torres (1987; capa e objecto
79)
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