terça-feira, 17 de setembro de 2019

[0190] Um exemplo simples de aplicação da Geometria na Arqueologia


Há já muito tempo apresentei aos meus alunos a possibilidade de a geometria se poder aplicar à determinação do centro de uma peça fabricada num torno e que, durante trabalhos arqueológicos, é encontrada mais ou menos danificada.
Essa peça poderia, por exemplo, ser a seguinte:


Tal como é descrita no catálogo da exposição que a apresentou no Museu Gulbenkian, em 1987, trata-se de uma tigela do século XI, procedente das escavações feitas na Alcáçova do Castelo de Mértola, e está decorada centralmente por uma cena de caça em que um corso, ou gazela, é simultaneamente atacado por um galgo e um falcão.
Depois de recuperada, ela foi representada através de um desenho que lhe salientou os aspectos arqueologicamente relevantes. Foi este o desenho arqueológico que a representou:


Onde terá sido o centro em torno do qual a peça rodou quando estava a ser fabricada?
Ou, perguntando de outro modo: qual é o raio da circunferência que o desenhador traçou e através da qual verificou que a peça era circular?
Era aqui que avançava o contributo da geometria, protegida por alguma ingenuidade, pois eu não tinha a certeza de ser assim que os desenhadores procediam, traçando duas cordas, não paralelas, com os seus extremos apoiados no perímetro do desenho (traços vermelhos a cheio), e depois as respectivas mediatrizes (traços vermelhos a tracejado), que se interceptam no centro de circunferência:



Tive há dias a possibilidade de confirmar, aliviado, que de facto o desenho arqueológico se socorre deste procedimento. Mas, disse-me o arqueólogo que mo confirmou, o Jorge Raposo, há outros métodos para determinar o raio desta circunferência, o que é necessário tanto para o desenho como para a descrição rigorosa da peça, descrição que, mais tarde, é estudada sob o ponto de vista estatístico (de modo a comparar cada peça com muitas outras peças).
Um desses métodos é o uso de um escantilhão, onde estão desenhados arcos de circunferências com muitos raios. E um outro é desenhar uma corda e a respectica flecha, medir ambas e calcular o raio através de uma fórmula – se introduzirmos esta numa folha de Excel, nem é preciso tratar do cálculo, o raio é dado automaticamente!

Fazendo um desenho da situação genérica em que este método se aplica, chega-se à conclusão de que é simples deduzir uma fórmula que o traduza, sendo até interessante desafiar os alunos a descobri-la (ou a uma das suas variantes): se a corda tiver o comprimento c e a respectiva flecha o comprimento f, …


… existe um ponto X no prolongamento da flecha (a preto tracejado) que será centro da circunferência:


O comprimento do raio da circunferência, r, é igual a x + f.
E, como o triângulo figurado é rectângulo, pode escrever-se (c/2)2 + x2 = r2.
Substituindo x por r – f e resolvendo a equação chega-se a:

r = (c2 + 4f2) : 8f.

Ou, preferindo expressar o diâmetro da peça, a

d = (c2 + 4f2) : 4f.

Fonte das duas primeiras imagens: catálogo com textos de Torres (1987; capa e objecto 79)

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