sábado, 20 de julho de 2019

[0184] Frequência das letras do alfabeto: da criptografia ao Scrabble


A frequência com que as letras são usadas varia de língua para língua.
Se a compararmos para os casos de seis línguas europeias, quatro latinas e duas anglo-saxónicas, destacando em cada uma delas (com fundo amarelo) as três que surgem com maior frequência, percebe-se um pouco a sonoridade através da qual reconhecemos qual dessas línguas está a ser falada - as letras mais frequentes do Italiano são as três vogais abertas, o «a», o «e» e o «i»; para o Português e o Espanhol são o «a», o «e» e o «o»; para o Francês e o Inglês são o «a», o «e» e uma consoante; e para o Alemão são o «e» e duas consoantes:

Nota 1: nestas frequências estão incluídas variantes das letras que cada língua usa (o «à» no Francês; o «ç», o «è», o «é» e o «ê» no Francês e no Português; etc.), mas não estão incluídos os casos do «oe» do Francês (0,02 %), o «ñ» do Espanhol (0, 31 %) e o «b», actualmente escrito como duplo «s», do Alemão (0, 31 %)
Nota 2: estas frequências devem ser consideradas como apenas uma aproximação; têm sido feitos diversos estudos e os resultados divergem um tanto, dependendo do tema abordado, de quem escreve e, claro, da dimensão da amostra estudada

Estas diferentes frequências foram historicamente usadas na criptanálise (a arte de): a descrição mais antiga que se conhece do uso da frequência das letras para descodificar um texto escrito de modo codificado é de al-Kindi, um cientista do século IX, conhecido por Filósofo dos Árabes. Escreveu ele:
Uma maneira de decifrar uma mensagem codificada, se conhecermos a língua, consiste em encontrar um texto simples diferente na mesma língua, suficientemente longo para encher aproximadamente uma folha, e em seguida contar quantas vezes aparece cada letra. Chamamos à letra que aparece com mais frequência a «primeira», à que aparece a seguir com mais frequência a «segunda», à seguinte a «terceira» e assim sucessivamente, até nos ocuparmos de todas as letras na amostra do texto simples.
Seguidamente, olhamos para o texto em cifra que queremos decifrar e também classificamos os seus símbolos. Encontramos o símbolo que aparece mais vezes e substituímo-lo pela forma da «primeira» letra do texto simples, substituímos o símbolo mais comum seguinte pela «segunda» letra, o seguinte pela «terceira» letra e assim sucessivamente, até nos termos ocupado de todos os símbolos do criptograma que queremos decifrar.

Também nos jogos de formação de palavras, como o Scrabble (há outros), é preciso ter em conta estas frequências, adaptando a frequência das letras disponíveis àquela que cada língua utiliza. Por exemplo, as edições alemã e portuguesa do Scrabble têm a seguinte distribuição de peças (no total, respectivamente, de 102 e 120 peças):


Estarão estas frequências de peças razoavelmente próximas das frequências das letras na escrita do alemão e na escrita do português?

Fonte: Wikipédia, para a tabela com as frequências; livro de Singh (2001; pp. 29-30), para al-Kindi

sábado, 13 de julho de 2019

[0183] «Trangrans» há muitos

O quebra-cabeças «Tangram» teve origem na China e já foi abordado na mensagem «0153».

Há quem também chame Tangram a qualquer outro quebra-cabeças constituído por diversas peças que nos permitem, sem deixar nenhuma de parte, compor figuras interessantes: ou pela beleza, ou pelo inesperado, ou pela dificuldade …
Oito desses quebra-cabeças estão figurados a seguir, com as respectivas peças apresentadas tal como é usual serem, formando um motivo geométrico simples:



Como estes quebra-cabeças não são facilmente acessíveis através dos circuitos comerciais, e estando tantos de nós em férias, um bom primeiro desafio será … construi-los. O que não é complicado para pelo menos cinco dos anteriores quebra-cabeças, aqueles cujas peças estão arrumadas dentro de um polígono.

O Jardim Zoológico, por exemplo, exige um quadrado, recortado em cartolina ou cartão. Depois de ter sido subdividido em quatro partes iguais, tanto verticalmente como horizontalmente, com um lápis, as peças podem ser desenhadas sobre esse quadriculado, seguindo as indicações de corte dadas na figura. E por fim cortadas.

Como formar com essas 15 peças cada uma das seguintes figuras:




Percebe-se agora porque foi este quebra-cabeças assim chamado.
Com que outras figuras se pode enriquecer este Jardim Zoológico?

A partir de Setembro os professores de Matemática do Ensino Básico gostam de fazer perguntas sobre estes quebra-cabeças aos seus alunos. As mais frequentes têm a ver com as áreas e os perímetros das peças, tomando a mais pequena delas como unidade. Mas até lá estamos todos de férias.

Fonte: livro de Elffers & Schuyt (1977)

sábado, 6 de julho de 2019

[0182] Para não esquecer tudo durante o Verão: o quebra-cabeças japonês «Kakuro»

À primeira vista as grelhas deste quebra-cabeças parecem as das palavras cruzadas. Só que, em vez de letras que formam palavras, elas são preenchidas com os dígitos de 1 a 9. Cada sequência de casas livres, horizontais ou verticais, deve ser preenchida com eles, de modo a que as suas somas sejam as que estão especificadas nas margens a cinzento. E desde que em cada sequência não seja usado mais do que uma vez cada dígito.

Cada Kakuro tem uma única solução.
O Kakuro figurado a seguir é dito 5 x 5, por ter 5 quadradinhos quer horizontalmente quer verticalmente:




Há nele um quadradinho por onde é fácil começar: aquele que tanto serve a soma 12 como a soma 6. A soma 6, com três parcelas, só pode resultar de 1 + 2 + 3, embora não saibamos qual é a sua ordem. Ora na casa referida só pode ser colocado o 3, pois se fosse colocado o 2, ou o 1, não seria possível completar a soma 12 (seriam respectivamente necessários 10 e 11).
Colocando o 3 no referido quadradinho é possível preencher mais dois quadradinhos:



Pensando agora na soma 6, vertical, onde ainda faltam colocar o 1 e o 2, conclui-se que no quadradinho que fica logo abaixo do 3 (e ao lado do 7) só é possível colocar o 2, pois se aí fosse colocado o 1 não seria possível obter a soma 18 (necessitaríamos de um 10):



Pode-se então preencher mais dois quadradinhos, terminando as sequências que dão somas 6 e 18:



Agora há duas somas que nos dão informações úteis: a soma 24, com três parcelas, só pode resultar de 9 + 8 + 7; e a soma 3, de 1 + 2. Mas não sabemos como estão ordenadas estas parcelas.
Conclui-se, no entanto, que a colocação do 1 logo abaixo do 3 não é possível, pois já existe outro 1 na sequência de que resulta a soma 11. Terá então de aí ser colocado o 2:




Agora é fácil concluir o que falta – e verificar que bate tudo certo!

Há Kakuros de vários tamanhos. Mas as sequências a preencher não podem ultrapassar os 9 quadradinhos, pois só há 9 dígitos. Quanto maior for o Kakuro, mais paciência é preciso ter, e mais informações cruzadas é necessário fazer.
Através da palavra Kakuro encontram-se vários sítios onde é possível jogar on-line. Eis um Kakuro 8 x 9, retirado de um desses sítios:



Para qualquer Kakuro é útil dispormos de uma tabela com os 34 casos em que as parcelas a usar numa sequência são únicas, e que, curiosamente, surgem sempre aos pares:



Fonte (dos Kakuros): www.kakuros,com

quarta-feira, 3 de julho de 2019

[0181] Mais um modelo para simular, eloquentemente, as longas durações


Na mensagem «0128», a propósito da nossa grande dificuldade para compreender o que se passou na Terra ao longo dos seus 4 600 Ma (milhões de anos) de vida, referi um modelo que concentra todo este tempo em apenas 24 horas. Nele, a vida na Terra com características mais complexas (por exemplo, os animais possuidores de um esqueleto), que só existe desde há cerca de 542 Ma, iniciou-se pouco depois das 21 horas, tendo o Homo sapiens surgido apenas nos últimos 3 segundos do dia:




Uma variante deste modelo usa, em vez da comparação com um Dia, a comparação com um Ano (neste caso, o Homo sapiens surge mais ou menos quando faltam cerca de 20 minutos para o ano terminar).
Estes dois modelos apostam na sensibilidade que desenvolvemos à duração do dia e do ano, dada a nossa repetida exposição a elas.

Um outro modelo, com a mesma preocupação de nos fazer sentir o que é a passagem dos tempos imensamente longos, escolheu uma estratégia diferente: em vez de escolher uma duração total à qual estaremos habituados, escolhe um ritmo de algo que costumamos fazer, como andar.
Se cada passada nossa no modelo equivaler à passagem de cem anos na realidade, e se andarmos ao ritmo de 32 quilómetros por dia, todos os dias,
·      ao fim de 1 passo, já não teremos internet, veremos os recifes de coral um terço mais extensos, ainda nada saberemos de bombas atómicas, nem de duas guerras mundiais, e não veremos as cidades fulgurantemente iluminadas à noite …
·      após 20 passos, poderemos encontrar-nos com Jesus …
·      à medida que dermos os passos seguintes, veremos o desaparecimento de diversas religiões, primeiro o budismo, depois o zorastrismo, o judaísmo e o hinduísmo …
·      e assim continuando, caminhando sempre ao mesmo ritmo (de cerca de um passo em pouco menos de 3 segundos), levaríamos quatro anos até observarmos o início da história da Terra, e quase mais dez anos para chegarmos ao momento do Big Bang

Fonte (para o segundo modelo): Brannen (2019; pp. 26-27)