O sociólogo britânico Michael Young (1915-2002) publicou em 1958 um ensaio
prospectivo a que chamou The Rise of the Meritocracy.
Escreveu-o como um livro de ficção científica, no qual um sociólogo, em
2033, analisa a estratificação social resultante de uma longa e sistemática aplicação
do princípio meritocrático a toda a população, através das escolas:
Emmanuel Todd (nascido em 1951) citou desse ensaio o
seguinte pedaço:
Segundo
as novas regras, a divisão entre classes revelou-se mais forte do que era
segundo as antigas; o estatuto das classes superiores é, doravante, mais
elevado, o das inferiores, mais baixo. […] Todos os historiadores sabem que o
conflito de classe era endémico na época anterior ao reinado do mérito, e poderia
esperar-se, tendo em vista a sua experiência passada, que o abaixamento rápido do
estatuto de uma classe social conduzisse necessariamente ao agravamento dos
conflitos. Donde a questão: porque é que as alterações do século passado não
conduziram a uma tal situação? Porque é que a sociedade é estável apesar do
fosso que se amplia entre o seu topo e a sua base?
A razão
fundamental para tal facto é que a estratificação social é agora, de acordo com
a ideia de mérito, aceite a todos os níveis da sociedade. Há um século, as
classes inferiores tinham a sua própria ideologia – nos seus traços essenciais,
aquela que hoje em dia se tornou dominante – e podiam utilizá-la para elas
próprias progredirem e para atacarem os seus dominantes. Negavam a legitimidade
da posição das classes superiores. Com o novo princípio, as classes inferiores
já não podem, contudo, ter uma ideologia específica oposta ao ethos social dominante, do mesmo modo
como as ordens inferiores não a tinham no período áureo do feudalismo. Na medida
em que, tanto na base como no topo da sociedade, se admite que o mérito deve
reinar, os membros das classes inferiores podem quando muito contestar o modo
como a seleção foi efetuada, mas não opor-se a uma norma a que todos aderem. Nada
de chocante neste estádio. Não cumpriríamos todavia o nosso dever de sociólogos
se nos esquivássemos no momento de sublinhar que a aceitação generalizada do
mérito como árbitro apenas pode condenar ao desespero e à impotência todos
aqueles, e são numerosos, que não têm mérito …
Fonte: Todd
(2018; pp. 309-311)
Imagem:
Wikipédia (em inglês)
Sem comentários:
Enviar um comentário