quinta-feira, 23 de maio de 2019

0174] Um novo Renascimento, um novo Iluminismo?

Deve ter sido em 1959-60, ou em 1960-61, que ouvi numa aula de Português o professor Vergílio Ferreira (1916 - 1996) dizer à minha turma: há actualmente condições para que venha a acontecer um novo Renascimento.
Eu e os meus colegas já tínhamos uma ideia, vinda das aulas de História, sobre o que fora o primeiro Renascimento, pelo que o anúncio de que um segundo era possível significou (para pelo menos alguns de nós) uma chamada de atenção para as mudanças em que as sociedades permanentemente estão envolvidas: e esta, se acontecesse, seria particularmente interessante. Um miúdo com cerca de 14 anos não o esquece.

Acabei há poucas semanas de ler um livro do biólogo Edward O. Wilson (nascido em 1929), Homo Creator, onde ele afirma que “a humanidade ainda é arrastada por paixões animais num mundo digitalizado e global”; e como nós “estamos em conflito entre aquilo que somos e aquilo em que nos queremos tornar” e “submersos por informação” mas faltando com a “sabedoria” em falta, “seria apropriado colocar de novo a filosofia na sua primitiva posição de destaque, desta vez como centro de uma ciência humanista e de humanidades científicas.




Segundo este novo anúncio sobre o futuro, ou tão só desejo que ele aconteça, não estaríamos na eminência de um Renascimento, mas sim necessitados de uma Filosofia que desempenhasse o papel que já desempenhou em dois outros surtos de criatividade a que a “civilização ocidental” assistiu, tendo cada um deles durado cerca de 150 anos, e que ocorreram, citando Anthony Gottlieb, “O primeiro na Atenas de Sócrates, Platão e Aristóteles, de meados do século V até finais do século IV a.C.. O segundo foi no Norte da Europa, no seguimento das guerras de religião e da ascensão da ciência de Galileu. Estendeu-se desde a década de 1630 até às vésperas da Revolução Francesa, no final do século XVIII. Nesse período de tempo relativamente curto, Descartes, Hobbes, Espinosa, Locke, Leibniz, Hume, Rousseau e Voltaire - isto é, a maioria dos filósofos modernos mais conhecidos – deixaram a sua marca.”
Para Wilson, serão os “cientistas e os estudiosos das humanidades” que fundamentarão esta “nova filosofia”, de que “resultará o Terceiro Iluminismo. Ao contrário dos primeiros dois, este pode perdurar. Se isso acontecer, aproximará a nossa espécie da oração pela razão inscrita por Diógenes, e ainda visível na sua forma original no Pórtico de Oinoanda, na antiga região grega da Lícia.
Em especial aqueles que são chamados estrangeiros, e que na realidade não são estrangeiros. Porque, apesar de as várias regiões da Terra atribuírem a pessoas diferentes um país diferente, em toda a parte as pessoas têm um único país – a Terra inteira – e uma só casa – o mundo.

A preocupação subjacente a este augúrio de Wilson, tal como ao do meu saudoso professor, é a mesma. Mas eu prefiro claramente a de Vergílio Ferreira, talvez porque a imagino mais aberta à participação de todos, e menos baseada na Ciência, que proporciona «conhecimento», mas não «valores» (que só os colectivos de cidadãos podem definir).

Fonte: livro de Wilson (2018; pp. 191-194)

Sem comentários:

Enviar um comentário