Escrevi, a propósito
das reproduções de quadros célebres que foram incognitamente desviadas do centro de Lisboa para a sua
periferia, de modo a que aí pudessem ser apreciadas por outros públicos (mensagem «0087»): a
educação processa-se entre a «transmissão» e a «apropriação».
Agora, ao reflectir
sobre os desafios que a promoção da leitura coloca, encontrei um bom pretexto
para acrescentar àquela afirmação «equidistante» o meu ponto de vista
pedagógico: a apropriação daquilo que nos procuram
transmitir é muito mais importante do que a transmissão daquilo de que nos
devemos apropriar.
A pista para a
reflexão surgiu-me num diálogo de João dos Santos (1913-1987), um extraordinário psicólogo educacional:
Disse ele: “o drama é que não há continuidade entre o que se aprende
livremente antes de se entrar para a escola e aquilo que se aprende na escola”;
antes de se entrar para a escola “aprende-se a
viver e a conviver e num plano de relação verbal”, enquanto “o que se ensina na escola, é apenas a linguagem escrita,
só tem que ver com a linguagem escrita, que é vista pela escola como se tudo o
resto não tivesse importância nenhuma, como se o falar, o dialogar, o brincar
não tivesse importância nenhuma”.
E depois:
“É que o importante na escola,
para começar, é que o adulto se aperceba de que a criança já sabe imensas
coisas. E a maior parte das vezes a escola e os professores ignoram que a
criança já tem um saber, e que é um saber extraordinariamente importante, e
partem do princípio de que o que elas sabem não tem nenhum valor, o que é
perfeitamente errado e prejudicial.” No fim de contas, a escola pretende
que “o que não é mensurável, quer dizer, o que vai
até ao infinito, ao céu e às estrelas”, seja reduzido “a uma escala do mensurável”, pelo que “a
criança que ainda está numa fase de instabilidade, que anda a percorrer o seu
universo e a alargá-lo para o compreender”, vê-se reduzida “às dimensões de uma mesa, de um papel”. É
por isso que “todas as dificuldades escolares têm
que ver com um estado de tristeza da criança.”
E se - não desistindo de promover a leitura, a escrita, o
cálculo, as artes, a actividade física, a experimentação e tudo o resto –
começássemos por ouvir as crianças e as deixássemos tomar as suas iniciativas?
Fonte bibliográfica: Santos, em conversa com
Monteiro (1989; pp. 97, 141, 159 e 218)
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