sábado, 31 de março de 2018

[0113] Quem se deve adaptar: os alunos à escola, ou a escola aos alunos?


Segundo uma notícia publicada recentemente, um grupo de investigadores educacionais afirmou existir uma “mistura saudável” entre alunos portugueses e alunos imigrantes nas nossas escolas. Segundo um desses investigadores, “As escolas beneficiam em ter alguns imigrantes, mas não demais.” E o limite máximo foi quantificado, com base nos resultados dos alunos portugueses no PISA de 2015: 20 %. Queriam esses investigadores dizer, portanto, que para a maximização do desempenho dos seus alunos as escolas deveriam ter pelo menos alguns imigrantes (beneficiando do estímulo da diversidade), mas não mais de vinte por cento (o que levaria à formação de guetos).


Para quem trabalha ou trabalhou numa escola, esta afirmação é um pouco estranha. Mas para quem não tem experiência do que é uma escola, e o sistema educativo em que ela se insere, justifica-se olhar com cuidado para a argumentação apresentada pelos investigadores.

A percentagem média de imigrantes nas escolas de 27 dos países europeus está apresentada no gráfico seguinte. Aí, à excepção do Luxemburgo, que tem uma sociedade essencialmente imigrante, cerca de metade dos outros 26 países tem nas suas escolas uma percentagem média de alunos imigrantes abaixo dos dez por cento; e a outra metade tem-na acima dos dez e abaixo dos vinte e poucos por cento.


Sobretudo nestes últimos, é inevitável que uma grande parte das escolas tenha uma alta percentagem de alunos imigrantes (de primeira geração, se nascidos fora do país e filhos de pais estrangeiros; e de segunda geração, se nascidos no país, filhos de imigrantes). Nesses países, colocar a hipótese de haver uma mistura saudável não se põe: é preciso trabalhar o melhor possível com a população que cada escola possui.

Portugal tem aproximadamente 10 % de alunos imigrantes. Sabe-se que a condição de imigrante dificulta a integração nas escolas. E que, para quem não tem o português como língua materna (cerca de 30 % dos imigrantes), acrescem as dificuldades nos apoios em casa. Pior ainda, apenas uma quarta parte das nossas escolas, situadas em meios desfavorecidos, acolhe a grande maioria dos imigrantes (cerca de 70 %), favorecendo que aí se formem guetos.
Dados estes factos, sugerem os investigadores que as escolas criem momentos para integrar os seus imigrantes e que ensinem a língua portuguesa aos pais dos alunos que não a falam como nativos. E desejam que a colocação dos alunos por escola não ultrapasse os 16 % a 20 % de imigrantes, para evitar concentrações excessivas de alunos com as mesmas características.

Se a sociedade continuar a fabricar guetos, e portanto escolas sobrecarregadas com alunos imigrantes, não adianta propor melhores regras para a colocação de alunos. Caberá ao Ministério da Educação proporcionar a essas escolas as condições que têm vindo a ser cortadas desde e, sobretudo, caber-lhe-á colocar nessas escolas as equipas de professores que se voluntariarem para enfrentar esse extraordinário desafio; esses serão os seus melhores professores!

Fonte jornalística: Henriques (2018)

quinta-feira, 22 de março de 2018

[0112] Mais uma vez: «apropriação» versus «transmissão»


Escrevi, a propósito das reproduções de quadros célebres que foram incognitamente desviadas do centro de Lisboa para a sua periferia, de modo a que aí pudessem ser apreciadas por outros públicos (mensagem «0087»): a educação processa-se entre a «transmissão» e a «apropriação».
Agora, ao reflectir sobre os desafios que a promoção da leitura coloca, encontrei um bom pretexto para acrescentar àquela afirmação «equidistante» o meu ponto de vista pedagógico: a apropriação daquilo que nos procuram transmitir é muito mais importante do que a transmissão daquilo de que nos devemos apropriar.

A pista para a reflexão surgiu-me num diálogo de João dos Santos (1913-1987), um extraordinário psicólogo educacional:


Disse ele: “o drama é que não há continuidade entre o que se aprende livremente antes de se entrar para a escola e aquilo que se aprende na escola”; antes de se entrar para a escola “aprende-se a viver e a conviver e num plano de relação verbal”, enquanto “o que se ensina na escola, é apenas a linguagem escrita, só tem que ver com a linguagem escrita, que é vista pela escola como se tudo o resto não tivesse importância nenhuma, como se o falar, o dialogar, o brincar não tivesse importância nenhuma”.

E depois:
É que o importante na escola, para começar, é que o adulto se aperceba de que a criança já sabe imensas coisas. E a maior parte das vezes a escola e os professores ignoram que a criança já tem um saber, e que é um saber extraordinariamente importante, e partem do princípio de que o que elas sabem não tem nenhum valor, o que é perfeitamente errado e prejudicial.” No fim de contas, a escola pretende que “o que não é mensurável, quer dizer, o que vai até ao infinito, ao céu e às estrelas”, seja reduzido “a uma escala do mensurável”, pelo quea criança que ainda está numa fase de instabilidade, que anda a percorrer o seu universo e a alargá-lo para o compreender”, vê-se reduzida “às dimensões de uma mesa, de um papel. É por isso que “todas as dificuldades escolares têm que ver com um estado de tristeza da criança.

E se - não desistindo de promover a leitura, a escrita, o cálculo, as artes, a actividade física, a experimentação e tudo o resto – começássemos por ouvir as crianças e as deixássemos tomar as suas iniciativas?

Fonte bibliográfica: Santos, em conversa com Monteiro (1989; pp. 97, 141, 159 e 218)

sábado, 17 de março de 2018

[0111] De regresso à Terra, depois de uma viagem pelo Cosmos


Este livro, escrito por um astrofísico, Neil deGrasse Tyson, é uma interessante introdução ao Cosmos para todos os alunos do Ensino Secundário, de qualquer curso – e é um esclarecedor guia para todos os cidadãos, mesmo para aqueles com menos tempo para se envolverem nesta magnífica viagem.


Mas, para mim, o mais interessante deste livro surge no seu último capítulo, quando Tyson regressa da sua viagem cósmica e mostra não se ter esquecido dos problemas que todos nós enfrentamos na Terra.

Escreve ele: “Quem é que celebra assim esta visão cósmica da vida? Não o emigrante que trabalha nos campos. Não o funcionário da loja de doces. E muito menos o sem-abrigo a remexer o lixo à procura de comida. Precisamos do luxo do tempo que não é gasto na mera sobrevivência. Precisamos de viver num país cujo governo valorize a busca de conhecimento sobre o lugar da Humanidade no Universo.” Pois, reconhece, “os poderosos raramente fazem tudo o que podem para ajudar aqueles que não se podem ajudar a si mesmos.

Mas, argumenta ainda Tyson, todos precisamos da modéstia que resulta de avaliarmos qual “o nosso lugar no Universo.” “A Terra fora considerada única do ponto de vista astronómico, até os astrónomos descobrirem que era apenas outro planeta em órbita à volta do Sol. Depois pensámos que o Sol era único, até descobrirmos que as inúmeras estrelas no céu nocturno eram, elas próprias, sóis. Depois suposemos que a nossa galáxia, a Via Láctea, constituía todo o Universo conhecido até concluirmos que aquelas coisas difusas no céu eram outras galáxias, a pontuar a paisagem do Universo conhecido.” “No entanto, as novas teorias da cosmologia moderna, bem como a improbabilidade continuamente reafirmada de tudo ser único, exigem que continuemos abertos à mais recente afronta ao nosso argumento de exclusividade: o multiverso.” E o que já conhecemos exige que não nos esqueçamos do “nosso parentesco genético com toda a vida na Terra”, da “nossa afinidade química com uma qualquer forma de vida (ainda a ser descoberta) do Universo”, bem como do “nosso parentesco atómico com o próprio Universo.

Fonte: Tyson (2017; pp. 143-153)

quinta-feira, 8 de março de 2018

[0110] Duas plantas que podem florir quando ainda há neve


Um grupo de Schneeglöckchen (Galanthus nivalis), nome alemão que se pode traduzir por Sininhos-da-neve, fotografadas em Fevereiro de 2008:


E a ilustração científica desta planta, por Otto Wilhelm Thomé:


Um grupo de Crocus (género que agrupa várias espécies), também fotografado em Fevereiro de 2008:


E a ilustração científica de duas dessas espécies, a Crocus sativus (esquerda) e a Crocus vernus (direita), por Otto Wilhelm Thomé:


Fontes: fotografias, Eva Maria Blum; ilustrações, Thomé (1885)

domingo, 4 de março de 2018

[0109] Isaac Asimov e os princípios éticos da robótica


Este prolífico escritor americano (1920-1992), especialmente conhecido pelas suas obras de divulgação e de ficção científica, definiu, e aplicou nos seus livros, os princípios a que o relacionamento entre os humanos e os robôs por eles criados deveria obedecer.


Tendo sido por ele denominadas Leis da Robótica, elas começara, por ser três:

1ª Lei: um robô não pode ferir um ser humano ou, por inacção, permitir que um ser humano sofra algum mal.
2ª Lei: um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos excepto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei.
3ª Lei: um robô deve proteger sua própria existência desde que tal protecção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.

Mais tarde Asimov acrescentou a estas leis uma outra, a Lei Zero, que se deveria situar acima de todas as outras:

Lei Zero: um robô não pode causar mal à humanidade ou, por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal.

Penso que estes princípios são bastante mais claros, e por isso interessantes de lembrar, numa altura em que se debate tanto (e mal) o que poderá vir a ser a inteligência artificial (como se esta pudesse ser mais do que os automatismos que alguns seres humanos incorporam nos robôs; e como se esses automatismos não visassem, como tão frequentemente acontece, controlar os outros seres humanos).

Fonte (texto e imagem): Wikipédia (versão inglesa)