quarta-feira, 23 de agosto de 2017

[0066] Alguns comentários prévios ao «Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular», do Ministério da Educação

A flexibilização curricular, no contexto da autonomia das escolas, foi experimentada no Ensino Básico no início deste século, em todas as escolas portuguesas, durante quase uma década.
Depois de uma interrupção devida a uma mudança de política educativa, que introduziu as metas curriculares e muitos mais exames, ela vai agora ser retomada, alargando-se ao Ensino Secundário e assim abarcando todo o ensino obrigatório.

Quando ela começou a ser preparada, em meados da década de 1990, expressei as minhas reservas a alguns dos seus principais impulsionadores. Mas quando foi implementada fiz o possível para que tivesse sucesso. Apesar de este esforço ter sido partilhado por muitos outros professores, a primeira tentativa de flexibilização foi definhando, até ser travada e substituída pela outra política.


Em abstracto, a flexibilização curricular é interessante. No entanto as condições concretas desta nova tentativa, comparadas com as da anterior, apesar de uma ou outra melhoria, mostram sobretudo importantes motivos para preocupação:

(1) Aumentaram imenso as possibilidades de flexibilização: cada escola pode escolher partes importantes do currículo e organizar, a seu modo, o trabalho lectivo (ver, nos «Documentos», o Despacho nº 5908).
(2) As competências, que se supunha orientarem o trabalho dos professores durante a primeira tentativa de flexibilização, foram substituídas por um perfil do aluno, que se pretende seja atingido no final da escolaridade obrigatória (ver, nos «Documentos», o Despacho nº 6478).
(3) A principal origem para a perversão da primeira tentativa de flexibilização curricular, a avaliação para a classificação, continuará a marcar todo o trabalho lectivo, pois será lembrada no final de cada ano escolar e por cada exame.
(4) As experiências de aprendizagem, consideradas na primeira tentativa como indispensáveis para que as competências fossem desenvolvidas, e logo de seguida esquecidas por toda a gente, dentro e fora das escolas, desapareceram da segunda tentativa; mas elas são fundamentais, juntamente com as competências / perfil, pois fornecem aos professores das diferentes disciplinas uma linguagem comum, que lhes permite, gradualmente, entenderem-se e cooperarem.
(5) A primeira tentativa de flexibilização foi experimentada nalgumas escolas, escolhidas a dedo, e só depois, subitamente, generalizada; a generalização foi a segunda razão para a sua perversão; nesta segunda tentativa cada escola decide se entra ou não no primeiro ano (2017-18), supondo-se que só o fará se tiver equipas de professores motivadas para tal; mas nada é dito sobre o que acontecerá nos anos seguintes, isto é, sobre como enfrentar a perversão da generalização; não deverá esta ser feita apenas nos casos em que houver equipas motivadas? não deverão ser concebidas outras experiências, paralelas, que correspondam a outros interesses e necessidades de alunos e pais e a outras motivações dos professores?
(6) A autonomia das escolas era muito fraca aquando da primeira tentativa; agora não existe (dizem-no os directores das escolas); os professores foram entretanto manietados por toda a espécie de regras e burocracias, a maioria está profundamente desmotivada; portanto, metade do que está pressuposto na designação deste projecto é uma ficção.
(7) A opinião pública foi pressionada nos últimos anos no sentido de confundir a qualidade da educação com os seus resultados quantitativos mais primários (o dos exames e dos rankings das escolas e internacionais); este ambiente não irá favorecer que se trabalhe em função de os alunos atingirem o perfil que se deseja que atinjam no final da escolaridade obrigatória, mas sim que continuem a obter boas notas para acesso ao ensino superior.
(8) O próprio perfil (ver, nos «Documentos», o «Perfil dos Alunos»), tal como já aconteceu com as competências, é discutível; deverá poder mudar, em função de um debate público que não está prometido; de igual modo, não se sabe como irá ser feito o acompanhamento desta segunda tentativa de flexibilização.

Acesso aos documentos referidos: na página com este nome, clicar na pasta «Ministério da Educação»

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

[0064] Adivinhar um número usando tabelas (parte III)

A utilização de tabelas para adivinhar números naturais, como as referidas nas mensagens «0033» e «0062», exige que o «mágico» seja capaz de realizar mentalmente algumas operações, possivelmente rodeado por um público participante um pouco agitado.
Apenas no caso das tabelas na base 2 essas operações se restringem a adições. Nos casos das tabelas na base, na base 4, etc., também é necessário proceder a multiplicações.
Portanto, para qualquer das bases com que o mágico decida trabalhar, é prudente limitar o número de cartões a usar.

Conclui-se, empiricamente, que (as cores dos textos correspondem às dos números):


Verifica-se, também empiricamente, que o maior número natural adivinhável com N cartões é uma unidade inferior ao número mais baixo que figura no cartão N + 1 (por exemplo, na base 2, o 15 do 4º cartão é igual ao 16 do 5º cartão menos 1): cada novo cartão começa com o mais baixo número que não poderia ter sido adivinhado apenas com os cartões anteriores.

sábado, 5 de agosto de 2017

[0063] E como se garantiria que os fios-de-prumo da «Groma» estavam alinhados perpendicularmente?

O alinhamento de três fios-de-prumo da Groma (instrumento romano referido na mensagem «60») permitia que as paredes, os muros, as ruas e as estradas (e outros elementos arquitectónicos e urbanísticos) fossem traçados em linha recta.

Utilização da Groma




















Mas este instrumento permitia ainda traçar perpendiculares a uma linha recta que já tivesse sido traçada, dispondo para tal de mais dois fios-de-prumo alinhados perpendicularmente aos primeiros.
A cruzeta de madeira que encimava a Groma garantia estes alinhamentos, pelo que se lhe pode colocar a questão: como seria ela fabricada para que os seus dois pedaços principais estivessem colocados perpendicularmente um ao outro?
Não sei.
Esta ignorância, parece-me, é um bom estímulo para nós próprios pensarmos num modo de resolver, hoje, este desafio (ou de o colocar aos nossos alunos …).

Depois de procurar na memória situações elementares em que agimos geometricamente, lembrei-me da seguinte: não dispomos de qualquer instrumento (régua e compasso seriam muito úteis), apenas de uma simples folha de papel; dobramo-la e vincamos a linha da dobra (obtemos assim uma recta); depois abrimos a folha e voltamos a dobrá-la, de modo a que a recta se dobre sobre si própria; e voltamos a abrir a folha (obtivemos uma recta perpendicular à primeira).

Não acredito que os romanos procedessem assim …

Fotografia: Eva Maria Blum (6 de Fevereiro de 2016, no Museu do Teatro Romano, em Lisboa)

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

[0062] Adivinhar um número usando tabelas (parte II)

A Magia (variante mais exigente da apresentada na mensagem «0033»):

O público que assiste escolhe um número natural, inferior ou igual ao mais alto número que figura num conjunto de cartões de que o mágico dispõe. Toda a gente sabe qual foi o número escolhido, excepto o mágico, que prometeu adivinhá-lo.
O mágico mostra então os seus cartões ao público, um de cada vez. E é-lhe respondido se o número escolhido «figura» ou «não figura» em cada um dos cartões e, caso figure, com que «cor».

Se o número limite for o «80», são precisos os seguintes 4 cartões (é possível descarregar uma sua versão em «word» a partir da página «Documentos» deste blogue):


Conhecendo as respostas do público, o mágico pode dizer qual foi o número escolhido …

O que o mágico faz (mentalmente):

Se o número escolhido pelo público não figurar num cartão, o mágico esquece esse cartão.
Se figura a azul, o mágico multiplica por «1» o número mais baixo desse cartão (é sempre o que figura em cima, á esquerda).
Se figura a vermelho, o mágico multiplica por «2» o número mais baixo desse cartão.
E vai soma mentalmente estes produtos.

Por exemplo, o público escolheu o «42»: ele não figura no primeiro cartão e figura a vermelho no segundo e a azul no terceiro e no quarto.
Então, mentalmente: 2 x 3 (segundo cartão) + 1 x 9 (terceiro cartão) + 1 x 27 (quarto cartão) = 42.

A explicação (matemática):

Quando escrevemos números naturais utilizamos, habitualmente, a «base 10».
Os cartões usados na mensagem «0033» utilizavam a chamada «base 2» (só podemos usar dois algarismos, o «0» e o «1»).
Desta vez os cartões utilizam a «base 3» (só podemos usar três algarismos, o «0», o «1» e o «2»); tal como nas outras bases, podemos escrever qualquer número natural nesta base. Desta vez como soma das seguintes parcelas (em que «k» é igual ou ao «0», ou ao «1», ou ao «2»):

k 30 + k 31 + k 32 + k 33 + k 34 + k 35 + …,

o que se percebe melhor assim,

1 k + 3 k + 9 k + 27 k + 81 k + 243 k + …

Como se chega ao «42» sem os cartões?
Começa-se pela maior daquelas parcelas que cabe em «42: é o «27 x 1» (k = 1).
Depois prossegue-se com a maior parcela que cabe no que sobra (42 – 27 = 15): é o «9 x 1» (k = 1).
E assim sucessivamente: 15 – 9 = 6 leva a escolher o «3 x 2» (k = 2). E como já nada resta, o processo acabou.
Então, 42 = 27 x 1 + 9 x 1 + 3 x 2.

Que fazer na escola (ou com o pessoal que estiver interessado):

Não é boa ideia entrar em processos expositivos e dedutivos (“estão a perceber onde está a Matemática, não é, então vejam como isso se aplica à magia …”).
Por um lado, experimentar a magia, e tentar melhorar todos os seus aspectos práticos.
Por outro, experimentar a compreensão da Matemática, por exemplo criando tabelas com a escrita dos números na base 3 e analisando porque é assim).
Por fim, ir estabelecendo pontes entre estes dois processos, de acordo com os conhecimentos, o estilo e o interesse de cada um …

Dois exemplos dos aspectos práticos:
Entre os ficheiros acessíveis a partir da página «Documentos» encontra-se um com cartões para a «base 3 (até 121)»; estes cartões não foram uma boa escolha, por causa do «121», fazendo com que os cartões sejam desequilibrados (nem sempre com a mesma quantidade de números); que cartões serão bons para cada base?
Um outro ficheiro acessível a partir da página «Documentos» tem cartões para a «base 4 (até 63)»; como deve o mágico usar estes cartões?

Inspiração: Atractor (2016)