domingo, 28 de dezembro de 2025

[0366] Laboratório de Matemática (I): as origens

A ideia de Laboratório de Matemática é um resultado da centenária utilização de ferramentas que incorporam modelos matemáticos e que tanto servem para obter respostas práticas como, embora com menos frequência, para investigar os conceitos que lhe estão subjacentes.

A integração conceptual de ferramentas como os círculos trigonométricos e as máquinas de calcular num ambiente laboratorial talvez tenha sido estimulada pelos desafios que o ensino-aprendizagem da Matemática foi crescentemente colocando aos educadores, motivação que parece bem patente em alguns exemplos vindos das décadas portuguesas de 1940, 1950 e 1960:
* Em 1941, Bento de Jesus Caraça propôs, no nº 8 da «Gazeta de Matemática», que se estudasse “A possível introdução de métodos novos de ensino tais como os métodos laboratoriais para os rudimentos de geometria”, “A possível utilização do cinema no ensino da matemática”, “A difusão do gôsto pelo estudo da matemática por meios extra-escolares, tais como a criação de clubes matemáticos, etc.”;
* Em 1951, no nº 47 da mesma revista, Matilde O. Macagno publicou um artigo intitulado «El método de laboratorio en la enseñanza de la Matemática»;
* Em 1962, C. Gattegno orientou um curso sobre o material Cuisenaire, destinado a professores de todo o país, no âmbito de uma experiência iniciada no ano anterior por J. Nabais no Colégio Vasco da Gama;
* E em 1967, no nº 5 da «Folha Informativa dos Professores do 1º Grupo (E.T.P.)» (a primeira publicação periódica portuguesa “consagrada exclusivamente à educação matemática” e na qual estão representadas uma “diversidade de perspectivas pedagógicas”) foram publicados diversos artigos sobre «clubes de Matemática» e «laboratórios de Matemática» e editada uma «secção de problemas».

Nestes exemplos, a ideia de Laboratório de Matemática está associada a preocupações com a motivação dos alunos, com o recurso a materiais manipuláveis e a tecnologias próprias da época e com a utilização de espaços pedagógicos exteriores à sala de aula.

No entanto a onda de utilização de Laboratórios de Matemática desapareceu.

Em 1977, portanto já depois do 25 de Abril, José Sebastião e Silva (investigador, professor e promotor da muito conhecida Reforma da Matemática Moderna) leu bem este conjunto de possibilidades ao reconhecer o papel que os computadores, que então davam tímidos passos para serem de acesso democratizado, poderiam vir a desempenhar: “Haveria muitíssimo a lucrar em que o ensino destes assuntos fosse [...] tanto quanto possível laboratorial, isto é, baseado no uso de computadores, existentes nas próprias escolas ou fora destas, em laboratórios de cálculo.

Paralelamente às iniciativas que favoreciam a via laboratorial no ensino-aprendizagem, mas surgindo mais tarde, também a divulgação da Ciência, e em particular a da Matemática, começou a socorrer-se daquilo que viria a ser designado por hands on (ou «mãos na massa). Tratando-se da Física, cita-se frequentemente o papel pioneiro do «Exploratorium», criado, em São Francisco, na década de 1960, por Frank Oppenheimer. A Matemática poderá ter sido mais lenta a entrar nesta via; foram muito visitadas, em Portugal, no final da década de 1980, as duas exposições «Horizons des Mathematiques», concebidas em La Villette (em Paris). Eis a capa do catálogo de uma delas:


Decidir explorar num Laboratório ou divulgar num Museu podem ser escolhas que se complementam, mas também podem ser prioridades discordantes para diferentes educadores. Foi isso que aconteceu numa Mesa Redonda organizada (em 1990 ou 1991) pela revista «Noesis» na qual participaram Domingos Fernandes, Jaime Carvalho Silva, José Manuel Matos e Leonor Vieira, além de eu próprio, Pedro Esteves. O tema era a Educação Matemática e a dada altura o Jaime chamou a atenção para a falta de “centros de recursos” para apoiar, nas universidades, a formação inicial dos professores. E a isso eu respondi que, além desses centros, que se poderiam localizar nas grandes cidades, as escolas do ensino não superior, como a minha, deveriam “ser elas próprias centros de recursos”, pois se os recursos se destinam a ser “utilizados pelos alunos, aí é que devem estar”; e, acrescentei, também seria importante criar “formas de circulação das «boas ideias»”, quer através de “encontros específicos”, quer através de “revistas que possam chegar um pouco a toda a parte.” O Jaime insistiu que a sua ideia de “centralização relativamente descentralizada” seria uma “maneira mais económica” e também “mais eficaz e mais realista”.
Esta pequena troca de opiniões, apesar de se referir em comum a «centros de recursos», realçou duas possibilidades muito diferentes para desenvolver a Educação Matemática, uma mais centralista (da universidade para os professores e destes para os alunos), a outra mais descentralizada. Mas não se tratava, ainda, nem de «Laboratórios de Matemática» nem da «Divulgação da Matemática».
 
A expressão Laboratório de Matemática sugere duas acções distintas: por ser «Laboratório», a experimentação; e por ser «Matemática», a demonstração. Ao se juntarem, elas sugerem que a Matemática, tanto a que se faz como a que se ensina-e-aprende, precisa dessas duas acções.
Esta expressão não sugere um outro aspecto que só a prática evidencia: a qualquer laboratório está associada uma cultura e, no caso de fazer parte de um sistema educativo, terá de estar aberto a várias culturas.

Os argumentos a favor de a experimentação fazer parte da Matemática-que-se faz-e-que-se-ensina-e-se-aprende nunca esquecem a necessidade da demonstração, como já diversos autores evidenciaram.
Para Ubiratan d`Ambrósio, a Matemática sempre teve um lado experimental. E, para o fundamentar, ele cita Euler: “as propriedades de números que nós conhecemos foram usualmente descobertas por observação e descobertas bem antes de sua validade ter sido confirmada por demonstração [...]. É por observação que progressivamente descobrimos novas propriedades, que nós logo fazemos o máximo possível para provar.

E para Philip Davis e Reuben Hersh, “Os empiristas sustentavam que todo o conhecimento, exceptuando o conhecimento matemático, é fruto da observação. Não se preocupavam em explicar de onde vem o conhecimento matemático. Uma excepção foi John Stuart Mill [1806-1873]. Mill propôs uma teoria empirista do conhecimento matemático, que afirmava que as matemáticas são uma ciência natural, não diferente das demais.” Depois de Mill, a revolução na filosofia das ciências proposta, em 1934, por Karl Popper (1902-1994) postulou que “as teorias científicas não são inferidas indutivamente a partir de factos; são pelo contrário inventadas com o carácter de hipóteses, especulações e, inclusivé, conjecturas” , sendo, depois, submetidas a “ensaios experimentais mediante os quais os críticos tentam refutá-las.” “Quando uma teoria sobrevive a tais provas pode ser considerada provisoriamente estabelecida; mas nunca demonstrada.” Algumas décadas mais tarde, Imre Lakatos (1922-1974) sustentou que também “as matemáticas informais são uma ciência no sentido de Popper, que se desenvolve através de um processo de crítica e de refinamento sucessivo das teorias e da proposta de teorias novas que competem entre si (e não mediante as deduções das matemáticas formalizadas).

Esta distinção feita por Lakatos, entre «matemáticas informais» e «matemáticas formalizadas», introduz a necessidade de se considerar as culturas que lhe estão respectivamente associadas: Sendo assim, um Laboratório de Matemática não se pode alhear da interacção cultural que nele inevitavelmente se gera; e se está inserido num sistema educativo que valoriza particularmente a formalização matemática, os desafios colocados pela necessidade da «demonstração» farão parte dessa interacção.
Este face-a-face de diferentes culturas matemáticas nas situações, laboratoriais ou não, em que se aprende e se ensina resulta, claramente, do modo como a Sociologia da Matemática se tem vindo a orientar. Para J. Stiegler e R. Baranes, ela “toma como premissa que os fundamentos da Matemática serão encontrados através da análise das práticas culturais nas quais as actividades matemáticas estão incorporadas [...].” Por isso, “a Matemática não é um domínio universal e formal do conhecimento esperando ser descoberto, mas um conjunto culturalmente construído de representações simbólicas e de procedimentos para manipular essas representações. Este reportório de símbolos e de procedimentos está incorporado em, e é guardado por, diversas instituições e actividades culturais, nas quais se incluem a escola, o trabalho, a televisão, os museus e, aos níveis mais avançados, a comunidade de matemáticos profissionais.
Este ponto de vista tem fortes implicações educacionais. Segundo Teresinha Nunes, é necessário “reconsiderarmos nossas explicações para o sucesso e o fracasso dos alunos em matemática”, pois os “alunos que parecem incapazes de compreender algo ao resolverem um problema usando um sistema simbólico podem, posteriormente, demonstrarem sua capacidade de raciocínio quando resolvem o mesmo tipo de problema com o apoio de outro sistema simbólico.” “[...] é importante notarmos que frequentemente existem em nossa cultura sistemas de representação distintos para o mesmo fim, como é o caso de sistemas de numeração oral e escrito com suas respectivas práticas aritméticas. Nesse caso, parece importante que estabeleçamos ligações entre os dois sistemas na sala de aula. Se essas conexões não forem estabelecidas, estaremos perdendo a oportunidade de utilizar em sala de aula conhecimentos desenvolvidos fora da escola.” Como consequência, o que se torna importante na «sala de aula» é igualmente importante num Laboratório de Matemática.
Este desafio encontra, no entanto, escolhos nos sistemas educativos. Tal como testemunhou Stieg Mellin-Olsen, ao fazer um balanço pessoal da sua participação na reforma conhecida como da Matemática Moderna, é preferível “tentar construir teorias da educação e da instrução matemática (ou da educação em geral) nas quais a cultura é um conceito básico, do que fazer novas tentativas para neutralizar as influências culturais na aprendizagem [como a Matemática Moderna fizera].” Pelo que, desabafou: “Até que ponto a matemática popular é reconhecida como um conhecimento importante é uma questão política e por conseguinte uma questão sobre o poder.

Os ambientes laboratoriais que haviam sido experimentados nas décadas de 1940, 1950 e 1960 em Portugal deixaram de estar em voga, talvez devido aos efeitos negativos (que nem todos terão desejado) da Reforma da Matemática Moderna. Mas no início da década de 1990, imediatamente após à Mesa Redonda referida acima, iniciou-se um novo surto de Laboratórios de Matemática, por inciativa de um grupo de professores do ensino básico dos concelhos de Almada e Seixal. Não sei se o Jaime Carvalho e Silva ficou ou não à espera de financiamento para a sua ideia de Centros de Recursos associados a universidades, mas na margem Sul do Tejo os professores não universitários foram buscá-lo e souberam utilizá-los [ver testemunhos «049» e «055» do blogue «Aprendizagens»].
Tomando como ponto de partindo a sua experiência profissional, estes professores consideraram, na versão do projecto através do qual se candidataram a um concurso promovido pelo Instituto de Inovação Educacional, que:
* O «processo de ensino-aprendizagem da Matemática sofre diversos bloqueamentos», atribuíveis, entre outras origens, “ao seu encerramento na escola, à rigidez do espaço-tempo a ele dedicado (a aula), e à dificuldade de aproveitamento das explorações espontâneas realizadas pelos alunos”;
* É possível “criar espaços exteriores às aulas, dentro da Escola, capazes de gerar interesse e iniciativa dos jovens em relação à Matemática”, os quais podem “favorecer o desenvolvimento de capacidades como a cooperação, o sentido de risco, a elaboração de projectos e estratégias e a definição de valores” e contribuir “para o melhoramento da Matemática feita na Escola”. Pelo que se propuseram “Criar e institucionalizar em cada Escola […] um espaço, a ser utilizado livremente pelos alunos, com condições para a realização de actividades e para a exploração de desafios de carácter matemático (em sentido amplo)”, e que permita “a interacção com as actividades curriculares” e “a dinamização e integração de iniciativas a nível das comunidades” em que as suas Escolas se inseriam.

Cerca de dois anos depois, em 1993, com as novas experiências entretanto obtidas, estes professores apresentaram a seguinte definição:
Na medida em que o Laboratório de Matemática também “é um Centro de Recursos”, “tem de possuir informação - com origem no exterior e nas actividades que desenvolve -, instrumentos de trabalho e matéria prima”, e, “como consequência da sua vocação para promover as explorações e as elaborações matemáticas, tem de possuir um Plano de Trabalho, isto é,
- objectivos sistematizados,
- dinâmicas de experimentação / elaboração,
- memória de pesquisas,
- avaliação regular e
- organização a longo prazo”.


Em 1994, a Associação de Professores de Matemática reconheceu a importância da constituição de Laboratórios de Matemática.
E em 1997 o próprio Ministério da Educação, num documento com indicações sobre os novos programas para o ensino da Matemática, a nível do Secundário, afirmou claramente: “Deve tender-se para a constituição nas Escolas Secundárias de Laboratórios de Matemática que integrem [os] recursos [pedagógicos] e outros que se venham a revelar necessários.” Esta tomada de posição, situada no plano das tendências a prazo foi depois reforçada por uma disposição legal conjunta das Direcções-Regionais de Educação, destinada a vigorar em 1997-98: o Projecto de Desdobramento em Turnos das Turmas do Ensino Secundário, estabeleceu para a Matemática o mesmo princípio de gestão que vigorava na utilização de laboratórios por outras disciplinas.

Se institucionalização da ideia de Laboratório de Matemática seria sempre um passo necessário à sua sobrevivência, e ainda mais à sua expansão, este seu início de institucionalização veio provocar o primeiro choque entre a realidade em construção e a riqueza de potencialidades evidenciada ao longo da sua demorada gestação: deveria este espaço ser destinado somente a um nível de ensino, o do Secundário? e deveria ser destinado apenas às actividades lectivas?

Ainda em 1997, a Rita Vieira e eu, dois dos professores que haviam tomado a iniciativa de ressuscitar os Laboratórios de Matemática, escrevemos: sendo evidente a actual aceleração do “movimento de renovação dos espaços de aprendizagem da Matemática”, será nas suas “profundas implicações sobre os currículos e a Escola que é necessário encontrar o desafio com que todos os actores educativos se defrontam. E em particular, no modo de articular, na aprendizagem, a Matemática formalizada, a Matemática produzida na própria Escola e a que é praticada pelas comunidades de onde os alunos provêm.



Fontes:
Actas «ProfMAT 92»: intervenção de Nunes (1994; pp. 32 e 33)
Actas «PrfMAT 93»: intervenção de Esteves, Nascimento e Vieira (1993; p. 164)
Blogue «Aprendizagens»: testemunhos «049» e «055» (2023 e 2024)
Boletim «APM Informação», nº 21 (1994): artigo da Direcção da APM
Circulares de: Ministério da Educação (1997; p. 10); Direcções-Gerais da Educação (135/97, de 8/7)
Livros de: Ambrósio (1986; p. 105); Davis & Hersh (1989; pp. 240-241, 251-252 e 254); Mellin-Olsen (1987; pp. 11 e 15); Matos (1989; pp. 27, 28, 35, 37 e 84); e Silva (1977; p. 89)
Revista «Educação e Ensino» (1997): artigo de Esteves e Vieira (p. 29)
Revista «Educação e Matemática», nº 33 (1995): artigo da Direcção da APM
Revista «Noesis», nº 21 (1991): Mesa Redonda

Revista «Review of Research in Education», vol. 15: artigo de Stiegler e Baranes (1988; p. 258)

domingo, 14 de dezembro de 2025

[0365] Um «jogo de reflexão» que é, no fundo, um «quebra-cabeças»: o «Bois e Vacas»

O Bois e Vacas opõe dois jogadores e apenas exige que ambos disponham de papel e de lápis.
A versão numérica deste jogo é a mais simples: cada jogador escreve um número secreto com quatro dígitos diferentes; em cada jogada, os dois jogadores tentam adivinhar o número secreto do seu opositor, recebendo dele a informação sobre em quantos dígitos acertou, ou na posição correcta (os «bois»), ou numa posição errada (as «vacas»). Por exemplo, se o número secreto for 4271 e a tentativa de o adivinhar for 1234, a informação recebida será «1 boi e 2 vacas».
Ganha o jogo quem acertar no número secreto do seu adversário num menor número de tentativas.

Não é obrigatório usar quatro dígitos como número secreto: podem ser três ou mais de quatro.
E também se pode disputar este jogo entre equipas, o que certamente proporcionará bons momentos de reflexão a cada uma delas.
Foram criados muitos programas informáticos para disputar esta versão do «Bois e Vacas», pelo menos desde o de Frank King, em 1968; hoje há telemóveis que dispõem de uma dessas versões.

Exemplo de uma série de tentativas registadas num ecrã de uma destas ferramentas informáticas, incluindo, em baixo, à direita, o tempo necessário até chegar ao número secreto: 


A versão alfabética tanto pode ser jogada por escrito como oralmente, devendo as quatro (ou outro número de) letras corresponder a uma palavra existente na(s) língua(s) que estiver(em) a ser usada(s).

É óbvia a semelhança entre este jogo e o muito conhecido quebra-cabeças Master Mind (que referi na mensagem «0263»), inventado, em 1970, por Mordecai Meirowitz. É portanto bastante plausível que o «Master Mind» se tenha inspirado no «Bois e Vacas», optando pelo uso de pinos coloridos, em vez de «números» ou «palavras», e por pinos brancos e negros, em vez de «bois» e de «vacas».

Penso que o jogo «Bois e Vacas» (em inglês ele é designado por «Bulls and Cows», ou, alternativamente, por «Cows and Bulls» e por «Pigs and Bulls») é, essencialmente, um quebra-cabeças, pois os dois adversários (individuais ou colectivos) resolvem desafios diferentes.
Por outro lado, penso que o «Master Mind» veio favorecer a individualização excessiva deste desafio, que, afinal, pode muito mais interessantemente ser resolvido por equipas!



Fonte e imagem
: Wikipédia

sábado, 29 de novembro de 2025

[0364] Um exemplo de aprendizagem: o confronto das tentativas individuais com a experiência colectiva

As provas combinadas mais conhecidas no Atletismo são o Heptatlo, para as Mulheres, e o Decatlo, para os Homens.

Tratando-se de uma combinação de provas, e não de uma prova única, o Heptatlo e o Decatlo exigem o recurso a uma tabela que converta em pontos os resultados obtidos em cada uma das provas que os compõem (tempos das corridas e distâncias dos saltos e dos lançamentos). Assim, a competição entre os diferentes atletas é decidida confrontando as respectivas pontuações totais.

No início da década de 1960, a meio da minha adolescência, comecei a intere
ssar-me pelo Pentatlo e pelo Decatlo, pelo que me surgiu a necessidade de dispor de uma tabela, ferramenta que, naqueles anos, apenas era acessível a um muito restrito número de pessoas que, claro, não me incluía.
Decidi então criar uma tabela própria. Depois de pensar durante algum tempo cheguei a uma solução: os desempenhos nos saltos e nos lançamentos seriam pontuados aplicando a «proporcionalidade directa» à sua extensão; e os desempenhos nas corridas seriam pontuadas aplicando a «proporcionalidade inversa» à sua duração.
Seria portanto simples, só sendo necessário fixar a que marcas corresponderiam os 1000 pontos de cada prova (os «1000 pontos», conforme me apercebera pelos jornais, era a pontuação que, mais ou menos, equivalia a um resultado entre o «bom» e o «muito bom» numa prova não combinada, portanto ainda um pouco distante do correspondente máximo mundial).
Já não me recordo das marcas a que decidi atribuir os 1000 pontos, mas vou agora supor que seriam a de 10,4 segundos para a corrida de 100 metros e a de 7,76 metros para o salto em comprimento (estas são as marcas a que as tabelas actualmente adoptadas nas competições internacionais fazem corresponder os 1000 pontos).
Então, os 13 segundos de que eu precisava para terminar a primeira destas provas equivaleriam a (10,4 x 1000) / 13 = 800 pontos.
E os 5,7 metros que saltava no comprimento equivaleriam a (5,7 x 1000) / 7,76 = 734 pontos.

Este meu modo de estabelecer pontuações para as provas individuais tinha várias fraquezas. Uma delas tornou-se-me evidente pelo facto de eu ser melhor no salto em comprimento do que na corrida de 100 metros e, no entanto, obter melhor pontuação nesta segunda prova.
Uma outra tinha a ver com a atribuição de pontos a desempenhos que nunca ocorrem nas competições de atletismo, como os saltos em comprimento excessivamente curtos (por exemplo: meio metro) e as corridas de 100 metros demasiado lentas (por exemplo: 10 minutos); deste modo, a acuidade do meu método era muito enfraquecida.
E a última fraqueza tinha a ver com os valores mais altos da curva de pontos correspondente a cada prova: quanto mais um resultado estivesse próximo de ser «excepcional», mais difícil seria a sua progressão (pois se está no limiar das potencialidades humanas); portanto, nestas circunstâncias, qualquer progresso (por exemplo: meio metro no salto em comprimento; ou meio segundo nos 100 metros) deve ser pontualmente valorizado do que se fosse obtido se o resultado fosse «médio» ou «bom» (aonde as proporcionalidades directa e inversa se aplicam melhor).

Algum tempo depois deste meu esforço foram publicadas as tabelas de Fernando Amado (1899 – 1968) para as provas combinadas do Atletismo, que chegaram a ser adoptadas nalguns países, mas não nas provas internacionais. Comprei um exemplar dessas tabelas, tendo-me então apercebido de elas se baseavam no estudo estatístico dos resultados das várias provas, tendo deste modo em conta os resultados situados nos extremos das curvas de pontuação (o 2º e o 3º pontos fracos do meu método). Era algo que estava para além das ferramentas de que eu dispunha …

Desde as tabelas de Fernando Amado até hoje foram construídas diversas outras tabelas, que têm tido crescentes apoios estatísticos e a colaboração internacional dos respectivos estudiosos. As que actualmente têm a aprovação da IAAF (Federação Internacional das Associações de Atletismo) atribuem 1 ponto a uma corrida de 100 metros que dure 17,83 segundos e a um salto em comprimento de 2,25 metros. E segundo elas os meus 13 segundos na corrida dos 100 metros equivaleriam a 468 pontos e os 5,7 metros no salto em comprimento a 523 pontos.

Por curiosidade, aqui vai a comparação entre as tabelas actualmente em vigor para a IAAF e as que, implicitamente, corresponderiam ao meu método, primeiro para a corrida dos 100 metros, depois para o salto em comprimento (uso valores arredondados):


Não me importou muito ir descobrindo as limitações desta minha tentativa de autonomia como adolescente: se não o tivesse feito não perceberia tão bem o que depois fui descobrindo no trabalho daqueles que tinham muito mais experiência do que eu!


Fontes: PDF do IAAF (2001); Wikipédia (para Fernando Amado)
Gráficos: Pedro Esteves

sábado, 15 de novembro de 2025

[0363] Matemática Cultural (I): uma proposta de definição

O modo mais comum de associar a Matemática à Cultura é considerar a Matemática como parte do «Património Cultural da Humanidade». Assim, a diversidade interna da Matemática, que tanto é origem como consequência da sua história, fica encoberta por um véu de aparente uniformidade.

Para começar a destapar o que esse véu encobre pode-se seguir três grandes caminhos, o da Antropologia, o da História e o da própria Matemática. As considerações e exemplos que se seguem não palmilham estritamente nenhum deles, pois, como se irá tornando evidente, eles se cruzam constantemente.

Ubiratan d`Ambrósio afirmou que a Etnomatemática (de que é considerado pai) corresponde à “matemática que é praticada em grupos culturais identificáveis, tais como as sociedades nacionais-tribais, grupos de trabalho, crianças de uma determinada idade, classes profissionais, etc.” Deste modo, ele encara a «Etnomatemática» como abarcando toda a História, desde os primórdios até à actualidade, embora a pareça querer manter um pouco distinta daquilo a que, hoje, se chama «Matemática».

Para Philip Davis e Reuben Hersh, dois matemáticos, “Não é possível compreender a matemática de períodos anteriores sem penetrar a consciência individual e colectiva da respectiva época.” Ou seja, eles admitem que tanto hoje como no passado se fez Matemática, embora de modos diferentes, pois os ambientes em que se viveu outrora possuíam particularidades que inevitavelmente se lhe associaram. No entanto, e simetricamente a d`Ambrósio, parece que eles têm alguma reservas em considerar, na actualidade, a existência de diversas consciências colectivas associadas à Matemática.

Um primeiro exemplo que nos desafia a pensar nestes dois pontos de vista é o seguinte objecto, que já divulguei na mensagem «0317» deste blogue:



Para as tribos Tucano do Rio Negro, que vivem na fronteira amazónica do Brasil com a Colômbia, trata-se de um Suporte para Panelas (está uma panela no seu topo), feito com canas, fixas através de fibras vegetais. Mas, para um membro da actual tribo dos matemáticos profissionais, trata-se de uma concretização de um Hiperbolóide de Revolução, uma superfície que é «regrada», isto é, que pode ser gerada através da rotação (sob certas condições) de uma recta (cada «cana» representa essa «recta»).
Será adequado dizer que o acto que produziu este objecto é equivalente a «fazer Matemática», ou dizer que objecto produzido é um «objecto matemático»?
A resposta a estas duas perguntas não pode ser dada pelos membros das tribos Tucano, pois o seu mundo era concebido de modo diferente do mundo que hoje olha para este objecto. Essas duas perguntas só podem ser respondidas por nós, a partir do nosso mundo, e do conceito (um bocado vago) que a palavra «Matemática» nele tem; e a nossa resposta habitual tem sido a de incorporar na Matemática actual, como suas manifestações juvenis, os procedimentos e/ou objectos que nela se encaixam, como é o caso deste «Suporte», por ele ser uma concretização prática do sofisticado «Hiperbolóide de Revolução» que entretanto teorizámos.

Um segundo exemplo - um dos muitos que Dirk Struik, especialista em História da Matemática, nos oferece - é o da vida e obra de um mercador chamado Leonardo, que viveu, aproximadamente, entre 1170 e 1240. Ele viajou pelo Oriente e, no regresso, escreveu um livro onde descreveu as diferentes aritméticas e álgebras que conhecera nas suas viagens. A principal consequência desta divulgação terá sido a de o sistema de numeração indo-árabe ter sido adoptado na Europa ocidental (já tinha surgido pontualmente na Península Ibérica mas fora esquecido), apesar da lentidão com que o foi e apesar de, paralelamente, se ter mantido por muito tempo o uso dos ábacos para proceder a cálculos numéricos e de os respectivos resultados terem continuado a ser registados no sistema de numeração romano. O livro que tornou famoso o mercador Leonardo foi o «Liber Abaci» (1202) e ele acabou por ficar conhecido como Fibonacci.
A seguinte gravura mostra a coexistência, e também a competição, em plena Renascença, entre duas diferentes tradições algorítmicas para o cálculo numérico:

Algoritmos em competição: a escrita versus o ábaco
(gravura de Gregor Reisch, 1508)

Um terceiro exemplo mostra como os próprios objectos matemáticos, já depois de terem sido consagrados como tal, podem ser associados a concepções do mundo que nada têm a ver com a Matemática tal como ela é vista hoje. O célebre astrónomo Kepler (1571-1630), que tão bem soube usar os instrumentos matemáticos que teve à sua disposição, defendeu, no seu «Misterium Cosmographicum» (1596), que os cinco poliedros regulares (ou platónicos), conhecidos e estudados desde a Grécia Clássica, correspondiam ao plano geométrico que Deus elaborara para o Universo (naquela altura só eram conhecidos cinco planetas do Sistema Solar):

As meias Esferas são as órbitas dos planetas
(Saturno, Júpiter, Marte, Terra e Mercúrio)
e estes são representados pelos Poliedros
(cada Esfera inscreve um Poliedro e cada
Poliedro, excepto o último, inscreve uma Esfera)


Mais tarde Kepler rejeitou este seu modelo de juventude; mas esta sua tentativa falhada encaixa-se muito bem no «Platonismo», uma Filosofia da Matemática que defende a existência dos objectos matemáticos numa espécie de céu divino, cabendo-nos a nós descobri-los com o nosso trabalho - foi o que Kepler tentou fazer, tendo dessa vez errado.

Se Davis e Hersh não arriscam muito no que respeita à diversidade de consciências colectivas associadas à actual Matemática, eles não deixam de lhe deixar as portas um pouco abertas. Por um lado, escreveram eles, houve “pessoas de todas as condições” que, no “passado”, se dedicaram à Matemática: Thomas Bradwardine (1325) era arcebispo de Canterbury. Ulugh Beg, o das tábuas trigonométricas, era neto de Tamerlão. Luca Pacioli (1470) era monge. Ferrari (1548), cobrador de impostos. Cardano (1550), professor de medicina. Viète (1580) era jurista do conselho privado real. Van Ceulen (1610), mestre de esgrima. Fermat (1635) era advogado.” Mas, prosseguem, se os antigos contributos para aquilo que hoje se chama Matemática eram relativamente desconectados, isso contrasta com a forte unificação da Matemática actual, o que não se verifica apenas na articulação conceptual desta, sendo também evidente entre os seus produtores e os seus utilizadores: “Na medida em que todas as crianças aprendem algo de Matemática, e que a linguagem comum contém uma pequena fracção de noções matemáticas, a comunidade dos matemáticos e o conjunto da população poderiam, em princípio, considerar-se idênticas. Não obstante, nos níveis mais elevados desta profissão, os níveis em que se criam e transmitem novos conhecimentos matemáticos, somos um colectivo francamente reduzido.” Portanto, poderiam eles ter resumido: existe, hoje, uma «comunidade de matemáticos única», embora com uma enorme diferença de papéis no seu seio, entre a grande maioria dos «utilizadores» e a pequena minoria dos «criadores». Mas, pergunto eu: se no passado houve criadores «de todas as condições», por que não admitir que, na actualidade, entre os que se suporia apenas utilizarem a Matemática, haja variantes na forma de interpretar e de operacionalizar a Matemática, em função de «consciências colectivas» que podem ser profissionais, regionais ou outras?

Um último exemplo - que Davis e Hersh poderiam ter acrescentado à sua lista de «pessoas de todas as condições» que deram contributos para a Matemática - é o do Georges-Louis Leclerc, conde de Buffon (1707-1788). Ele foi sobretudo um naturalista, tendo, quando jovem, por curiosidade, desenvolvido um método experimental que permite calcular, como limite, o valor do número p através do lançamento de uma agulha; ele é hoje considerado, na Estatística, como o primeiro exemplo do chamado Método de Monte Carlo. Segundo Jason Roberts, “Os cientistas atuais usam técnicas que descendem da Agulha de Buffon para contabilizar o número de células de uma amostra de tecido, para calcular a área da superfície interna de um pulmão e para quantificar o número de neurónios num cérebro humano. Os meteorologistas usam-nas para prever o desenvolvimento de tempestades. As firmas financeiras usam-nas para calcular riscos de investimento e os governos para criarem políticas económicas.” Ou seja, quem usa este método (e talvez quem lhe impulsiona novas aplicações) são sobretudo os cientistas, os técnicos e, talvez, muitos de nós, deixando aos matemáticos profissionais (é certamente assim que a distribuição de trabalho acontece) o desafio de investigar os seus fundamentos e de os validar.

Buffon lançando as suas agulhas

Então, o que será «Matemática Cultural»?
A definição de Ubiratan D`Ambrósio poderia ser a primeira resposta, faltando-lhe apenas incluir nela a Matemática que resulta da cultura do grupo dos matemáticos profissionais. Ou até as suas várias culturas: Davis e Hersh, por exemplo, referem-se-lhes como divididos entre os que adoptam a posição filosófica do «platonismo», do «formalismo» e do «construtivismo», o que é apenas um exemplo da sua diversidade interna e, portanto, das suas possíveis «comunidades culturais».
Se olharmos para outros campos da actividade humana, encontramos preocupações semelhantes às de D`Ambrósio. Por exemplo, Eva Maria Blum e Gisela Welz (inspiradas em Sanyal), ao procurarem uma boa definição para as «culturas de planeamento» (no âmbito das questões colocadas pelo Urbanismo), propuseram a seguinte: as “culturas de planeamento” devem ser entendidas como “um processo cultural no qual os atores incorporam as suas ideias e orientações”, introduzindo-lhe adaptações e reconfigurações resultantes da sua “prática quotidiana”, da “articulação de discursos” entre “grupos e especialistas” e do “resultado dos conflitos políticos e sociais” em que estão envolvidos. Também aqui não existe uma só cultura; e todas elas se influenciam mutuamente (o que por vezes até é conflitual).

Proporei, então, a seguinte definição: a Matemática Cultural é aquela que é ou foi produzida e utilizada na actividade das comunidades cidadãs, de vida e de trabalho, incluindo as dos matemáticos profissionais, estando portanto associada a opções, a saberes e a decisões individuais e colectivas.
Se esta definição permite que se arrisque afirmar que toda a Matemática é Etnomatemática e que toda a Matemática é Cultural, com ela não se esgota a atenção que é preciso prestar ao que é designável por «processo intercultural das matemáticas», que por um lado as «unifica» e, por outro, as faz entrar nas escolas …



Fontes: livros de Gerdes (2007; d`Ambrósio é citado na p. 187), de Davis & Hersh (1989; pp. 26 e 40; as traduções são minhas), de Roberts (2025; pp. 81-83) e de Struik (1989; pp. 138-140); artigo de Blum (pp. 266-267)
Imagens (por ordem): 1ª, fotografia de Eva Maria Blum; 2ª e 3ª, Wikipédia; 4ª, livro de Roberts

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

[0362] Factos e argumentos sobre a educação (VI): a vontade de indisciplinar os currículos

Têm sido propostas e ensaiadas muitas formas de contrariar a dispersão introduzida pelas «disciplinas» nos currículos escolares. Na minha primeira mensagem deste blogue referi-me a uma delas, particularmente fascinante, a do Earth Science Curriculum Project, elaborado e experimentado em meados da década de 1960.
Conforme se resume no prefácio do livro através do qual este projecto (norte-americano) foi divulgado no Brasil, a sua elaboração começou por duas consultas: a cientistas, que listaram os “princípios básicos dos vários ramos da ciência” necessários para que o currículo permitisse compor uma história integrada do planeta Terra; e a professores, que, depois de ouvirem os seus alunos, descreveram “como poderiam os jovens investigar e obter melhores resultados na aprendizagem.
Com estas informações, seguiu-se a elaboração de um esboço de livro para aprendizagem das ciências, focado na história da Terra, por um grupo de professores e que depois um outro grupo, constituído por 40 cientistas e professores, reunidos em Boulder (Colorado), reviu e transformou na primeira versão pronta a ser testada.
No ano lectivo seguinte, 77 professores de diferentes escolas dos Estados Unidos experimentaram essa versão com os seus 7500 alunos, tendo uns e outros enviado comentários semanais para a equipa central. E foi com base nestes comentários que, no Verão, e de novo em Boulder, outro grupo elaborou a segunda versão do livro.

Mas esta ainda não seria a versão definitiva. Destinava-se a ser experimentada no novo ano lectivo, por mais uns tantos milhares de alunos, e a gerar mais uma vaga de comentários que, na Primavera e no Verão desse ano, apoiaram a elaboração da terceira e última versão do livro (que é a que conheço, com as inevitáveis adaptações destinadas a ser utilizada no Brasil):


Pode dizer-se que se tratou de um projecto para «indisciplinar o currículo», evitando sujeitar os alunos, precocemente, às subdivisões nas «disciplinas» de Astronomia, de Biologia, de Ecologia, de Física, de Geografia, de Geologia, de Meteorologia, de Paleontologia, de Química e, até, pelo apoio que que lhes dá, de Matemática. E também se deve acrescentar que, processualmente, foi um projecto particularmente participado, pois juntou, desde o início, os contributos de cientistas, de professores e de alunos, contrastando fortemente com os processos de «reforma currícular» que temos conhecido.

Sessenta anos depois de o Earth Science Curriculum Project ter sido realizado, e quarenta e cinco anos depois de o ter conhecido, pergunto: até que ponto este projecto indisciplinou o currículo?
Um primeiro aspecto a salientar é ele não ter incluido as Humanidades (ou seja: as Línguas, as Artes, etc.), ou só muito pontualmente as ter mobilizado. Um seu possível descendente, os agora em voga currículos STEM (Sciences, Technology, Engineering and Mathematics) continuam a possuir a mesma limitação.
Depois, não é claro (pelo menos com os dados que possuo) se a motivação deste projecto se centrava na emancipação dos alunos ou no aproveitamento das suas aprendizagens (os Estados Unidos estavam, nos anos 60 do século passado, particularmente receosos com os questionamentos de que estavam a ser alvo no mundo). E a «necessidade de indisciplinar o currículo» depende, principalmente, da resposta que se der a esta questão.

O projecto do Movimento da Escola Moderna (MEM) tem sido mais consistente na resposta às duas questões colocadas atrás. Para Sérgio Niza, seu fundador e animador, “A escola passou a ser uma instituição social atravessada pelas dinâmicas sociais, pelas perturbações, pelas inquietações. Os saberes académicos já não são pensáveis sem os saberes do quotidiano, sem o saber espontâneo do quotidiano, das culturas não humanísticas e não científicas, não académicas.” Por isso, o MEM tem em conta os processos de “construção dos conhecimentos” tanto “científicos” como “culturais”, que ocorrem “fora da escola”, criando, dentro da escola, “processos de aprendizagem e de formação social” que lhe são homólogos.
Trata-se de uma construção pedagógica que deseja a aproximação entre as disciplinas, pelo que é, no sistema público de ensino, particularmente viável em turmas do 1º Ciclo, as únicas a disfrutar das vantagens da monodocência. Nos ciclos pedagógicos seguintes essa vantagem tem tendência a desvanecer-se: o caso concretizado que melhor conheço esteve mais próximo da filosofia pedagógica de uma pequena associação, alemã, a Mathematik-Unterrichts-Einheiten-Datei (MUED), cuja actividade central é a produção de materiais para o ensino-e-aprendizagem da Matemática», e a sua permanente melhoria através de um processo que envolve, potencialmente, todos os seus membros; tal como em Portugal, os professores envolvidos nesta associação encontram-se limitados pela disciplinarização das suas escolas (que são sobretudo públicas), mas isso não os impede de organizar o seu trabalho pedagógico em torno da interacção de três polos, o «Mundo», os «Alunos» e a «Matemática»; sob o ponto de vista curricular, o caso que melhor conheço inspirado no MEM não se distingue do que se faz a partir desta filosofia geral do MUED.

Muito diferentes, e certamente mais ilusórias, são as experiências de interdisciplinaridade. Em 2014, num encontro sobre «Património e Educação», o arqueólogo Luís Raposo apresentou uma proposta deste tipo, centrada na História. O problema mais simples que ela levanta é o de não poder assumir o «presente». E o problema mais profundo, comum a todas as propostas «interdisciplinares», é ter as «disciplinas» como pontos de partida: para os professores, que são profundamente disciplinarizados, faz sentido a pretensão de criar ligações entre disciplinas; mas para os alunos, que ainda não foram disciplinarizados, não faz sentido ser-lhes proposto estabelecer ligações entre aquilo que eles não dominam.

Qualquer que seja o modo como a vontade de «indisciplinar» os currículos escolares procure contrariar a dispersão neles introduzida pelas «disciplinas», encontrará uma forte resistência por parte dos sistemas educativos, mesmo que estes a exerçam de uma forma meramente passiva.
Portanto, se aqueles que possuem a vontade de caminhar para uma «indisciplina curricular» não desistirem, terão de começar por o fazer por sua conta. Depois, sabendo que há outros que também o tentam (plausivelmente por caminhos diversos, como os exemplificados acima), poderão associar-se-lhes, para trocar ideias, para experimentar novas indisciplinas, para ganhar mais apoios, para pressionar quem persiste na dispersão curricular.
Talvez um traço comum a essas tentativas seja elas só terem sentido, para os alunos, se se assumirem como «projecto»: quem aprende parte do que está à sua volta, do que lhe é acessível, do que pode compreender e/ou transformar, e assim resiste às «disciplinas» que lhe surgem do exterior como autoridade indiscutível.
E, para os professores que impulsionam estas tentativas de «indisciplinar os currículos», o mais importante será não perderem de vista a vontade de «participar» dos seus alunos e não esquecerem que educar é ajudar a emergir o Verdadeiro, o Belo e o Bom, as três componentes axiológicas da educação propostas por Landsheere.



Fontes: livro do Earth Science Curriculum Project (1973, 1º volume; prefácio); sobre o MEM, livro com textos de Niza (2015; pp. 340 e 438); sobre o MUED, livro de Esteves (2023; p. 24)

Imagem: capa do livro «Investigando a Terra» (tradução e adaptação do livro do Earth Science Curriculum Project)

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

[0361] Onde estão, hoje, a «Liberdade», a «Igualdade» e a «Fraternidade»?

Ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII esta trilogia de princípios foi sendo apurada no seio do pensamento europeu. Em 1780, no outro lado do Atlântico, a Constituição do Estado de Massachusetts adoptou dois deles, a Liberdade e a Igualdade, e em 1789, em pleno início da Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão fez o mesmo: o seu primeiro artigo postula que “Os homens nascem e vivem livres e iguais em direitos”.

Nos últimos anos do século XVIII os três princípios foram por diversas vezes juntos e propostos como divisa nacional francesa, mas só com a Constituição de 1848 eles foram oficialmente adoptados.
Perto do final do século XIX, com a comemoração do centenário da Revolução Francesa, foi decidido que os três princípios, Liberdade, Igualdade e Fraternidade
, passaria a ser declarados em todos os edifícios públicos:


Também a República Haitiana, uma ex-colónia francesa, adoptou estes mesmos princípios através da sua Constituição de 1987.

A génese das ideias que levaram a que a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade fossem popularmente adoptadas não pode descansar na sua adopção oficial. É notório, hoje, o conflito entre quem, genericamente, adopta estes princípios (ou outros semelhantes) e os que, com o seu poder ou a sua ignorância, os procuram sabotar.
São particularmente preocupantes afirmações como a que Elon Musk fez recentemente:
A fraqueza fundamental da civilização ocidental é a empatia.” Terá sido para combater o crescimento de visões como esta, profundamente egoistas, que o Papa Francisco escreveu, em 2020, a encíclica Fratelli Tutti («Todos Irmãos»), com ela nos exortando à Fraternidade.
E são particularmente preocupantes as constatações como as do académico israelita, Ori Goldberg, que interpretou deste modo o sentimento dominante no seu país em relação ao Próximo Oriente (e ao mundo): “Achamos que devemos ser separados porque somos superiores, porque o mundo nos deve algo, porque devemos poder fazer o que quisermos”; “somos feitos de fogo sagrado”, pelo que “se alguém se aproximar, tem de morrer.” O repúdio popular internacional (e não tão fortemente o repúdio oficial) por esta filosofia nacionalista mostra que a Liberdade, sem a Igualdade e a Fraternidade, pode ser profundamente perversa.



Fonte: Wikipédia (língua francesa), para a imagem e para a história dos três princípios; artigo de António Rodrigues no jornal «Público» de 17 de Setembro de 2025, para a citação de Ori Goldberg

domingo, 16 de fevereiro de 2025

[0360] A Matemática e as Ludotecas (VI): a combinatória do Xadrez 960

O jogo do Xadrez, apesar de muito interessante, proporciona muita vantagem a quem possui um conhecimento pormenorizado das suas primeiras jogadas (as «aberturas«). Entre as suas muitas variantes que já foram experimentadas, uma foi proposta, em 1996, pelo ex-campeão mundial Bobby Fisher (1943 – 2008), com o objectivo de favorecer jogos em que a criatividade tivesse mais espaço. Começou por ser conhecida como «Xadrez Aleatório de Fischer» (Fischer Random Chess), sendo igualmente designada por Xadrez 960.

O Xadrez 960 utiliza o mesmo tabuleiro e as mesmas peças que o Xadrez Clássico, mas coloca aleatoriamente as que se situam na primeira fila dos dois jogadores, submetendo a colocação a algumas condições e mantendo as peças brancas e negras dispostas simetricamente (Rei em frente de Rei, Dama em frente de Dama, etc.).

No sítio https://lichess.org/ é possível jogar esta variante contra o computador (que usa o programa Stockfish), escolhendo para este o nível que se desejar e para si próprio ou as brancas ou as negras. No figura seguinte está a posição inicial de uma partida, em que um Anónimo (que fui eu) joga de brancas, estando o Stockfish no nível 4 (ele tem 14, mas só os 8 primeiros nos são disponibilizados):


Antes de Fisher propor esta variante já havia sido experimentada uma outra, com ela muito parecida, em que não havia qualquer limitação à distribuição aleatória das grandes peças. O primeiro jogo que se conhece, registado, decorreu na cidade alemã de Mannheim, em 1842, opondo Van der Hoeven e Alexandre.
O que Fisher introduziu de novo foram duas condições destinadas a garantir, tal como no Xadrez Clássico, que os Bispos estejam situados em casas de cor diferente e que as Torres estejam situadas de modo que o Rei fique entre elas, para que possa ser executado um dos roques.

O que me atraiu a pensar nesta variante foi o número «960»: como teria sido ele calculado?

Para trabalhar este problema (que é do tipo «combinatório») com alunos, deve ser-lhes deixado algum tempo para que imaginem possíveis estratégias e as discutam, antes de avançarem para a resolução. Uma que poderá ser escolhida é a seguinte, dividida em quatro passos:

(1) Colocação dos Bispos. Havendo 4 casas brancas e 4 casas pretas disponíveis, o total de combinações para a posição destas duas peças é 4 x 4 = 16.

(2) Colocação do Rei e das Torres. O Rei só pode ser colocado numa das 6 casas centrais (isto é, excluídos os «cantos»), para que qualquer dos «roques» possa ser feito; mas é preciso ter em conta que, algures, estão os dois Bispos, sendo portanto necessário ver o que acontece nas 16 posições em que os Bispos podem estar colocados no tabuleiro; um exemplo é este (um Bispo colocado num canto e o outro a alguma distância dele:


Entre os dois Bispos tem de ser reservada 1 casa para uma das Torres, pelo que só sobram 4 casas para o Rei (tal como expliquei, não podem ser ocupadas nem a casa ao lado do Bispo esquerdo nem a casa do extremo direito); começando pela esquerda, a primeira dessas 4 posições do Rei é a seguinte:


A Torre da esquerda só tem 1 casa para ser colocada; e a outra tem 4 casas; então o total de combinações para as Torres é 1 x 4 = 4.

A segunda das 4 posições do Rei é esta:


Agora a Torre da esquerda tem 2 casas para ser colocada e a da direita tem 3; o total de combinações para a sua colocação é 2 x 3 = 6.

A terceira das 4 posições do Rei:


A Torre da esquerda tem 3 casas para ser colocada e a da direita tem 2; total de combinações, 3 x 2 = 6.

Finalmente, a quarta das 4 posições do Rei:


A Torre da esquerda tem 4 casa para ser colocada e a da direita só tem 1 casa; então o total de combinações para as Torres é 4 x 1 = 4.

Para esta posição inicial dos Bispos há 4 + 6 + 6 + 4 = 20 combinações viáveis para a colocação do Rei e das duas Torres; fazendo um raciocínio semelhante para as outras 15 posições iniciais dos Bispos, chega-se à mesma conclusão, em qualquer delas há apenas 20 combinações para a colocação destas três peças.

(3) Colocação da Dama e dos Cavalos. Como só sobram 3 casas vagas, há 3 possibilidades para a colocação da Dama; e os Cavalos são colocados nas 2 casas restantes; assim, o total de combinações para a posição destas três peças é 3.

(4) Então o número de posições iniciais possíveis para as oito peças é de 16 x 20 x 3, ou seja, 960.

Resta ainda uma questão prática: como colocar as peças aleatoriamente?
Existe software para o fazer (como o Lichess nos mostra), mas há outras soluções. Tendo em conta que apenas é preciso escolher «entre 2», «entre 3» e «entre 4» casas, como usar para tal um simples dado de 6 faces?
Alguém faz uma proposta?

Para quem gosta de jogar o melhor é experimentar. A partir da posição inicial mostrada acima (nela o Lichess informa-nos que ela é a nº 249), tentei a minha sorte (fiz alguns erros pelo meio, que me levaram a «andar para trás» depois de perceber que alguns lances tinham sido maus, usando para isso uma seta enrolada que está visível, à direita, durante o jogo) e consegui a vitória que vos dedico abaixo (clicar para ver o GIF):

https://lichess1.org/game/export/gif/white/EdiTsGJA.gif?theme=brown&piece=cburnett.

Boa sorte para quem quiser experimentar!


Nota: Ingo Althöfer já propôs um modo de usar um dado de 6 faces para a distribuição aleatória das peças, mas não fui procurar como ...


Fonte s(informação e imagens): sítios da Lichess e da Wikipédia

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

[0359] As plantas urbanas em Janeiro

Apesar de, nesta época do ano, não lhes prestarmos muito atenção, há plantas que estão a nascer, há plantas que estão em flor e até há plantas que já têm os seus frutos a crescer.


Aquela que mais me impressionou em Janeiro foi o Trevo-azedo. Já havia começado a florir em Dezembro, e assim se manteve ao longo de quase todo o mês passado; e, perto de Fevereiro (assim se mantendo até hoje), encheu de florzinhas amarelas as encostas baldias da Margem Sul:

Flor de Trevo-azedo, em Miratejo (fotografia em 13 de Janeiro)
A flor desta planta só abre plenamente desde que haja Sol e não muito frio


Explosão do Trevo-azedo, em Miratejo (fotografia em 2 de Fevereiro)
Quando os jardineiros municipais cortam o mato destes baldios,
o Trevo-azedo volta a florir rapidamente

É preciso não confundir os Trevos-azedos com os Trevos-comuns, que só agora estão a começar a florir. As suas flores são muito diferentes, mas as folhas apenas se confundem se não lhes prestarmos um mínimo de atenção:


Folhas do Trevo-comum (à esquerda) e do Trevo-azedo (à direita)

Há muitas outras plantas que floriram ao longo de Janeiro. Eis algumas, através de imagens de exemplares não cultivados:

Flores de uma planta do género Sonchus,
perto das praias atlânticas (fotografia em 16 de Janeiro)

Flor de Soagem, no Parque da Paz (fotografia em 27 de Janeiro)

Flores de Narciso, em Miratejo (fotografia em 1 de Fevereiro)

Alecrim em flor, no Parque da Paz (fotografia em 1 de Fevereiro)

Compreensivelmente, há muito menos plantas cujos frutos já estão em crescimento. Dois exemplos bastante que são visíveis:

Pequenas Nêsperas, em Miratejo (fotografia em 11 de Janeiro)

Medronhos a crescer, no Parque da Paz (fotografia em 27 de Janeiro)

Para facilitar pesquisas, aqui vão os nomes científicos destas plantas, as que escolhi para serem destacadas em Janeiro (em itálico: primeiro a designação do género, depois a da espécie):

Alecrim: Rosmarinus officinalis (família Lamiaceae)
Medronheiro: Arbutus unedo (família Ericaceae)
Narcissus, género (família Amaryllidaceae)
Nespereira: Eriobotrya japonica (família Rosaceae)
Soagem: Echium plantagineum (família Boraginaceae)
Sonchus, género (família Asperaceae)
Trevo-azedo: Oxalis pes-capre (família Oxalidaceae)


Fontes: para a primeira fase da identificação, o sítio PlantNet; para os pormenores, livro de Bingre & outros e Wikipédia
Fotografias: Eva Maria Blum

sábado, 18 de janeiro de 2025

[0358] A sociedade e a arte: um documentário sobre quatro décadas do século XIX em França

São quatro episódios, cada um com uma duração entre 46 e 49 minutos. No seu conjunto formam o documentário intitulado L'armée des romantiques (ou, em tradução livre para português, O exército dos românticos), realizado por Amélie Harrault.


Não foi por acaso que no título em francês foi usada a palavra «exército». Depois da revolução francesa (iniciada em 1789), Paris (e não tão intensamente o resto da França) teve três períodos de grandes agitação social: em 1830 (quando a monarquia, reposta em 1814, foi posta em xeque mas não derrubada); em 1848 (quando a monarquia foi derrubada, dando lugar à IIª República, que apenas durou até 1852); e em 1871 (quando a monarquia foi definitivamente derrubada, dando lugar à IIIª República). Durante estes anos, o grupo dos artistas «românticos» (músicos, escritores, poetas, fotógrafos e pintores que se cruzaram em Paris, marcando a história das artes e das ideias) contribuiu, embora nem sempre convergindo na acção e na ideologia, para as mudanças políticas que então aconteceram.

Encontravam-se neste grupo (lista ordenada por ano de nascimento):
Eugène Delacroix (1798 – 1863): pintor;
Honoré de Balzac (1799 – 1850): escritor; autor de «A Comédia Humana»;
Alexandre Dumas (1802 – 1870): romancista e dramaturgo;
Victor Hugo (1802 - 1885): romancista, poeta, dramaturgo, ensaísta, estadista e activista dos direitos humanos; autor de «Les Misérables» e de «Notre-Dame de Paris»;
Hector Berlioz (1803 – 1869): compositor;
George Sand, pseudónimo de Amandine Aurore Lucile Dupin (1804 – 1876): romancista e memorialista;
Frédéric Chopin, de origem polaca (1810 – 1849): compositor;
Gustave Courbet (1819 – 1877): pintor;
Félix Nadar (1820 - 1910): fotógrafo, caricaturista e jornalista;
Charles Baudelaire (1821 – 1867): poeta, ensaísta, tradutor e crítico de arte.

Talvez esta conhecida pintura, de Delacroix, simbolize o mais radical dos envolvimentos dos membros deste grupo:

«A Liberdade Guiando o Povo» (1830; óleo sobre tela, 269 x 326; actualmente no Louvre)

Ah!
Se quiserem ver facilmente estes episódios terão de o fazer até 19 de Julho de 2025, pois a partir daí eles não estarão disponíveis na mediateca da ARTE.
As línguas em que os é possível ouvir são o Alemão, o Espanhol, o Francês, o Inglês, o Italiano e o Polaco, acompanhadas, se o quiserem com legendas, ou na mesma língua, ou numa das outras.


Acesso ao documentário
: https://www.arte.tv/fr/videos/RC-026018/l-armee-des-romantiques/ (esta é a versão em Francês; mas no ecrâ que vos aparece é possível escolher outra língua na barra de cima, à direita)

Fontes: www.arte.tv/; Wikipédia

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

[0357] Um problema de Xadrez inspirado no Natal nórdico

O problema proposto aos visitantes do sítio www.chess,com no dia do último Natal foi o seguinte:


A solução, não sendo trivial, também não é particularmente difícil, sendo até ajudada pelo título dado ao problema, bem adequado ao imaginário da época: «Corrida de Renas».

Reparem, o tabuleiro está disposto para quem joga com as peças brancas, pelo que os seus dois Peões está quase a ser coroados.
E reparem também, como curiosidade, que todas as peças pretas ainda se encontram no tabuleiro, pelo que a sua vantagem parece ser desmesurada – no entanto ...

Tentem então descobrir a solução do problema.
Se não conseguirem resolvê-lo, ou se quiserem verificar a correcção da vossa solução, apreciem a como o programa Stockfish o resolveu este desafio clicando aqui:

 

https://lichess1.org/game/export/gif/white/qL6GFhUw.gif?theme=brown&piece=cburnett .

 

Eis a posição do xeque-mate:



Fontes: https://www.chess.com/daily-chess-puzzle/2024-12-25 (problema e imagem) e https://lichess.org (solução)