sábado, 15 de novembro de 2025

[0363] Matemática Cultural (I): uma proposta de definição

O modo mais comum de associar a Matemática à Cultura é considerar a Matemática como parte do «Património Cultural da Humanidade». Assim, a diversidade interna da Matemática, que tanto é origem como consequência da sua história, fica encoberta por um véu de aparente uniformidade.

Para começar a destapar o que esse véu encobre pode-se seguir três grandes caminhos, o da Antropologia, o da História e o da própria Matemática. As considerações e exemplos que se seguem não palmilham estritamente nenhum deles, pois, como se irá tornando evidente, eles se cruzam constantemente.

Ubiratan d`Ambrósio afirmou que a Etnomatemática (de que é considerado pai) corresponde à “matemática que é praticada em grupos culturais identificáveis, tais como as sociedades nacionais-tribais, grupos de trabalho, crianças de uma determinada idade, classes profissionais, etc.” Deste modo, ele encara a «Etnomatemática» como abarcando toda a História, desde os primórdios até à actualidade, embora a pareça querer manter um pouco distinta daquilo a que, hoje, se chama «Matemática».

Para Philip Davis e Reuben Hersh, dois matemáticos, “Não é possível compreender a matemática de períodos anteriores sem penetrar a consciência individual e colectiva da respectiva época.” Ou seja, eles admitem que tanto hoje como no passado se fez Matemática, embora de modos diferentes, pois os ambientes em que se viveu outrora possuíam particularidades que inevitavelmente se lhe associaram. No entanto, e simetricamente a d`Ambrósio, parece que eles têm alguma reservas em considerar, na actualidade, a existência de diversas consciências colectivas associadas à Matemática.

Um primeiro exemplo que nos desafia a pensar nestes dois pontos de vista é o seguinte objecto, que já divulguei na mensagem «0317» deste blogue:



Para as tribos Tucano do Rio Negro, que vivem na fronteira amazónica do Brasil com a Colômbia, trata-se de um Suporte para Panelas (está uma panela no seu topo), feito com canas, fixas através de fibras vegetais. Mas, para um membro da actual tribo dos matemáticos profissionais, trata-se de uma concretização de um Hiperbolóide de Revolução, uma superfície que é «regrada», isto é, que pode ser gerada através da rotação (sob certas condições) de uma recta (cada «cana» representa essa «recta»).
Será adequado dizer que o acto que produziu este objecto é equivalente a «fazer Matemática», ou dizer que objecto produzido é um «objecto matemático»?
A resposta a estas duas perguntas não pode ser dada pelos membros das tribos Tucano, pois o seu mundo era concebido de modo diferente do mundo que hoje olha para este objecto. Essas duas perguntas só podem ser respondidas por nós, a partir do nosso mundo, e do conceito (um bocado vago) que a palavra «Matemática» nele tem; e a nossa resposta habitual tem sido a de incorporar na Matemática actual, como suas manifestações juvenis, os procedimentos e/ou objectos que nela se encaixam, como é o caso deste «Suporte», por ele ser uma concretização prática do sofisticado «Hiperbolóide de Revolução» que entretanto teorizámos.

Um segundo exemplo - um dos muitos que Dirk Struik, especialista em História da Matemática, nos oferece - é o da vida e obra de um mercador chamado Leonardo, que viveu, aproximadamente, entre 1170 e 1240. Ele viajou pelo Oriente e, no regresso, escreveu um livro onde descreveu as diferentes aritméticas e álgebras que conhecera nas suas viagens. A principal consequência desta divulgação terá sido a de o sistema de numeração indo-árabe ter sido adoptado na Europa ocidental (já tinha surgido pontualmente na Península Ibérica mas fora esquecido), apesar da lentidão com que o foi e apesar de, paralelamente, se ter mantido por muito tempo o uso dos ábacos para proceder a cálculos numéricos e de os respectivos resultados terem continuado a ser registados no sistema de numeração romano. O livro que tornou famoso o mercador Leonardo foi o «Liber Abaci» (1202) e ele acabou por ficar conhecido como Fibonacci.
A seguinte gravura mostra a coexistência, e também a competição, em plena Renascença, entre duas diferentes tradições algorítmicas para o cálculo numérico:

Algoritmos em competição: a escrita versus o ábaco
(gravura de Gregor Reisch, 1508)

Um terceiro exemplo mostra como os próprios objectos matemáticos, já depois de terem sido consagrados como tal, podem ser associados a concepções do mundo que nada têm a ver com a Matemática tal como ela é vista hoje. O célebre astrónomo Kepler (1571-1630), que tão bem soube usar os instrumentos matemáticos que teve à sua disposição, defendeu, no seu «Misterium Cosmographicum» (1596), que os cinco poliedros regulares (ou platónicos), conhecidos e estudados desde a Grécia Clássica, correspondiam ao plano geométrico que Deus elaborara para o Universo (naquela altura só eram conhecidos cinco planetas do Sistema Solar):

As meias Esferas são as órbitas dos planetas
(Saturno, Júpiter, Marte, Terra e Mercúrio)
e estes são representados pelos Poliedros
(cada Esfera inscreve um Poliedro e cada
Poliedro, excepto o último, inscreve uma Esfera)


Mais tarde Kepler rejeitou este seu modelo de juventude; mas esta sua tentativa falhada encaixa-se muito bem no «Platonismo», uma Filosofia da Matemática que defende a existência dos objectos matemáticos numa espécie de céu divino, cabendo-nos a nós descobri-los com o nosso trabalho - foi o que Kepler tentou fazer, tendo dessa vez errado.

Se Davis e Hersh não arriscam muito no que respeita à diversidade de consciências colectivas associadas à actual Matemática, eles não deixam de lhe deixar as portas um pouco abertas. Por um lado, escreveram eles, houve “pessoas de todas as condições” que, no “passado”, se dedicaram à Matemática: Thomas Bradwardine (1325) era arcebispo de Canterbury. Ulugh Beg, o das tábuas trigonométricas, era neto de Tamerlão. Luca Pacioli (1470) era monge. Ferrari (1548), cobrador de impostos. Cardano (1550), professor de medicina. Viète (1580) era jurista do conselho privado real. Van Ceulen (1610), mestre de esgrima. Fermat (1635) era advogado.” Mas, prosseguem, se os antigos contributos para aquilo que hoje se chama Matemática eram relativamente desconectados, isso contrasta com a forte unificação da Matemática actual, o que não se verifica apenas na articulação conceptual desta, sendo também evidente entre os seus produtores e os seus utilizadores: “Na medida em que todas as crianças aprendem algo de Matemática, e que a linguagem comum contém uma pequena fracção de noções matemáticas, a comunidade dos matemáticos e o conjunto da população poderiam, em princípio, considerar-se idênticas. Não obstante, nos níveis mais elevados desta profissão, os níveis em que se criam e transmitem novos conhecimentos matemáticos, somos um colectivo francamente reduzido.” Portanto, poderiam eles ter resumido: existe, hoje, uma «comunidade de matemáticos única», embora com uma enorme diferença de papéis no seu seio, entre a grande maioria dos «utilizadores» e a pequena minoria dos «criadores». Mas, pergunto eu: se no passado houve criadores «de todas as condições», por que não admitir que, na actualidade, entre os que se suporia apenas utilizarem a Matemática, haja variantes na forma de interpretar e de operacionalizar a Matemática, em função de «consciências colectivas» que podem ser profissionais, regionais ou outras?

Um último exemplo - que Davis e Hersh poderiam ter acrescentado à sua lista de «pessoas de todas as condições» que deram contributos para a Matemática - é o do Georges-Louis Leclerc, conde de Buffon (1707-1788). Ele foi sobretudo um naturalista, tendo, quando jovem, por curiosidade, desenvolvido um método experimental que permite calcular, como limite, o valor do número p através do lançamento de uma agulha; ele é hoje considerado, na Estatística, como o primeiro exemplo do chamado Método de Monte Carlo. Segundo Jason Roberts, “Os cientistas atuais usam técnicas que descendem da Agulha de Buffon para contabilizar o número de células de uma amostra de tecido, para calcular a área da superfície interna de um pulmão e para quantificar o número de neurónios num cérebro humano. Os meteorologistas usam-nas para prever o desenvolvimento de tempestades. As firmas financeiras usam-nas para calcular riscos de investimento e os governos para criarem políticas económicas.” Ou seja, quem usa este método (e talvez quem lhe impulsiona novas aplicações) são sobretudo os cientistas, os técnicos e, talvez, muitos de nós, deixando aos matemáticos profissionais (é certamente assim que a distribuição de trabalho acontece) o desafio de investigar os seus fundamentos e de os validar.

Buffon lançando as suas agulhas

Então, o que será «Matemática Cultural»?
A definição de Ubiratan D`Ambrósio poderia ser a primeira resposta, faltando-lhe apenas incluir nela a Matemática que resulta da cultura do grupo dos matemáticos profissionais. Ou até as suas várias culturas: Davis e Hersh, por exemplo, referem-se-lhes como divididos entre os que adoptam a posição filosófica do «platonismo», do «formalismo» e do «construtivismo», o que é apenas um exemplo da sua diversidade interna e, portanto, das suas possíveis «comunidades culturais».
Se olharmos para outros campos da actividade humana, encontramos preocupações semelhantes às de D`Ambrósio. Por exemplo, Eva Maria Blum e Gisela Welz (inspiradas em Sanyal), ao procurarem uma boa definição para as «culturas de planeamento» (no âmbito das questões colocadas pelo Urbanismo), propuseram a seguinte: as “culturas de planeamento” devem ser entendidas como “um processo cultural no qual os atores incorporam as suas ideias e orientações”, introduzindo-lhe adaptações e reconfigurações resultantes da sua “prática quotidiana”, da “articulação de discursos” entre “grupos e especialistas” e do “resultado dos conflitos políticos e sociais” em que estão envolvidos. Também aqui não existe uma só cultura; e todas elas se influenciam mutuamente (o que por vezes até é conflitual).

Proporei, então, a seguinte definição: a Matemática Cultural é aquela que é ou foi produzida e utilizada na actividade das comunidades cidadãs, de vida e de trabalho, incluindo as dos matemáticos profissionais, estando portanto associada a opções, a saberes e a decisões individuais e colectivas.
Se esta definição permite que se arrisque afirmar que toda a Matemática é Etnomatemática e que toda a Matemática é Cultural, com ela não se esgota a atenção que é preciso prestar ao que é designável por «processo intercultural das matemáticas», que por um lado as «unifica» e, por outro, as faz entrar nas escolas …



Fontes: livros de Gerdes (2007; d`Ambrósio é citado na p. 187), de Davis & Hersh (1989; pp. 26 e 40; as traduções são minhas), de Roberts (2025; pp. 81-83) e de Struik (1989; pp. 138-140); artigo de Blum (pp. 266-267)
Imagens (por ordem): 1ª, fotografia de Eva Maria Blum; 2ª e 3ª, Wikipédia; 4ª, livro de Roberts

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

[0362] Factos e argumentos sobre a educação (VI): a vontade de indisciplinar os currículos

Têm sido propostas e ensaiadas muitas formas de contrariar a dispersão introduzida pelas «disciplinas» nos currículos escolares. Na minha primeira mensagem deste blogue referi-me a uma delas, particularmente fascinante, a do Earth Science Curriculum Project, elaborado e experimentado em meados da década de 1960.
Conforme se resume no prefácio do livro através do qual este projecto (norte-americano) foi divulgado no Brasil, a sua elaboração começou por duas consultas: a cientistas, que listaram os “princípios básicos dos vários ramos da ciência” necessários para que o currículo permitisse compor uma história integrada do planeta Terra; e a professores, que, depois de ouvirem os seus alunos, descreveram “como poderiam os jovens investigar e obter melhores resultados na aprendizagem.
Com estas informações, seguiu-se a elaboração de um esboço de livro para aprendizagem das ciências, focado na história da Terra, por um grupo de professores e que depois um outro grupo, constituído por 40 cientistas e professores, reunidos em Boulder (Colorado), reviu e transformou na primeira versão pronta a ser testada.
No ano lectivo seguinte, 77 professores de diferentes escolas dos Estados Unidos experimentaram essa versão com os seus 7500 alunos, tendo uns e outros enviado comentários semanais para a equipa central. E foi com base nestes comentários que, no Verão, e de novo em Boulder, outro grupo elaborou a segunda versão do livro.

Mas esta ainda não seria a versão definitiva. Destinava-se a ser experimentada no novo ano lectivo, por mais uns tantos milhares de alunos, e a gerar mais uma vaga de comentários que, na Primavera e no Verão desse ano, apoiaram a elaboração da terceira e última versão do livro (que é a que conheço, com as inevitáveis adaptações destinadas a ser utilizada no Brasil):


Pode dizer-se que se tratou de um projecto para «indisciplinar o currículo», evitando sujeitar os alunos, precocemente, às subdivisões nas «disciplinas» de Astronomia, de Biologia, de Ecologia, de Física, de Geografia, de Geologia, de Meteorologia, de Paleontologia, de Química e, até, pelo apoio que que lhes dá, de Matemática. E também se deve acrescentar que, processualmente, foi um projecto particularmente participado, pois juntou, desde o início, os contributos de cientistas, de professores e de alunos, contrastando fortemente com os processos de «reforma currícular» que temos conhecido.

Sessenta anos depois de o Earth Science Curriculum Project ter sido realizado, e quarenta e cinco anos depois de o ter conhecido, pergunto: até que ponto este projecto indisciplinou o currículo?
Um primeiro aspecto a salientar é ele não ter incluido as Humanidades (ou seja: as Línguas, as Artes, etc.), ou só muito pontualmente as ter mobilizado. Um seu possível descendente, os agora em voga currículos STEM (Sciences, Technology, Engineering and Mathematics) continuam a possuir a mesma limitação.
Depois, não é claro (pelo menos com os dados que possuo) se a motivação deste projecto se centrava na emancipação dos alunos ou no aproveitamento das suas aprendizagens (os Estados Unidos estavam, nos anos 60 do século passado, particularmente receosos com os questionamentos de que estavam a ser alvo no mundo). E a «necessidade de indisciplinar o currículo» depende, principalmente, da resposta que se der a esta questão.

O projecto do Movimento da Escola Moderna (MEM) tem sido mais consistente na resposta às duas questões colocadas atrás. Para Sérgio Niza, seu fundador e animador, “A escola passou a ser uma instituição social atravessada pelas dinâmicas sociais, pelas perturbações, pelas inquietações. Os saberes académicos já não são pensáveis sem os saberes do quotidiano, sem o saber espontâneo do quotidiano, das culturas não humanísticas e não científicas, não académicas.” Por isso, o MEM tem em conta os processos de “construção dos conhecimentos” tanto “científicos” como “culturais”, que ocorrem “fora da escola”, criando, dentro da escola, “processos de aprendizagem e de formação social” que lhe são homólogos.
Trata-se de uma construção pedagógica que deseja a aproximação entre as disciplinas, pelo que é, no sistema público de ensino, particularmente viável em turmas do 1º Ciclo, as únicas a disfrutar das vantagens da monodocência. Nos ciclos pedagógicos seguintes essa vantagem tem tendência a desvanecer-se: o caso concretizado que melhor conheço esteve mais próximo da filosofia pedagógica de uma pequena associação, alemã, a Mathematik-Unterrichts-Einheiten-Datei (MUED), cuja actividade central é a produção de materiais para o ensino-e-aprendizagem da Matemática», e a sua permanente melhoria através de um processo que envolve, potencialmente, todos os seus membros; tal como em Portugal, os professores envolvidos nesta associação encontram-se limitados pela disciplinarização das suas escolas (que são sobretudo públicas), mas isso não os impede de organizar o seu trabalho pedagógico em torno da interacção de três polos, o «Mundo», os «Alunos» e a «Matemática»; sob o ponto de vista curricular, o caso que melhor conheço inspirado no MEM não se distingue do que se faz a partir desta filosofia geral do MUED.

Muito diferentes, e certamente mais ilusórias, são as experiências de interdisciplinaridade. Em 2014, num encontro sobre «Património e Educação», o arqueólogo Luís Raposo apresentou uma proposta deste tipo, centrada na História. O problema mais simples que ela levanta é o de não poder assumir o «presente». E o problema mais profundo, comum a todas as propostas «interdisciplinares», é ter as «disciplinas» como pontos de partida: para os professores, que são profundamente disciplinarizados, faz sentido a pretensão de criar ligações entre disciplinas; mas para os alunos, que ainda não foram disciplinarizados, não faz sentido ser-lhes proposto estabelecer ligações entre aquilo que eles não dominam.

Qualquer que seja o modo como a vontade de «indisciplinar» os currículos escolares procure contrariar a dispersão neles introduzida pelas «disciplinas», encontrará uma forte resistência por parte dos sistemas educativos, mesmo que estes a exerçam de uma forma meramente passiva.
Portanto, se aqueles que possuem a vontade de caminhar para uma «indisciplina curricular» não desistirem, terão de começar por o fazer por sua conta. Depois, sabendo que há outros que também o tentam (plausivelmente por caminhos diversos, como os exemplificados acima), poderão associar-se-lhes, para trocar ideias, para experimentar novas indisciplinas, para ganhar mais apoios, para pressionar quem persiste na dispersão curricular.
Talvez um traço comum a essas tentativas seja elas só terem sentido, para os alunos, se se assumirem como «projecto»: quem aprende parte do que está à sua volta, do que lhe é acessível, do que pode compreender e/ou transformar, e assim resiste às «disciplinas» que lhe surgem do exterior como autoridade indiscutível.
E, para os professores que impulsionam estas tentativas de «indisciplinar os currículos», o mais importante será não perderem de vista a vontade de «participar» dos seus alunos e não esquecerem que educar é ajudar a emergir o Verdadeiro, o Belo e o Bom, as três componentes axiológicas da educação propostas por Landsheere.



Fontes: livro do Earth Science Curriculum Project (1973, 1º volume; prefácio); sobre o MEM, livro com textos de Niza (2015; pp. 340 e 438); sobre o MUED, livro de Esteves (2023; p. 24)

Imagem: capa do livro «Investigando a Terra» (tradução e adaptação do livro do Earth Science Curriculum Project)

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

[0361] Onde estão, hoje, a «Liberdade», a «Igualdade» e a «Fraternidade»?

Ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII esta trilogia de princípios foi sendo apurada no seio do pensamento europeu. Em 1780, no outro lado do Atlântico, a Constituição do Estado de Massachusetts adoptou dois deles, a Liberdade e a Igualdade, e em 1789, em pleno início da Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão fez o mesmo: o seu primeiro artigo postula que “Os homens nascem e vivem livres e iguais em direitos”.

Nos últimos anos do século XVIII os três princípios foram por diversas vezes juntos e propostos como divisa nacional francesa, mas só com a Constituição de 1848 eles foram oficialmente adoptados.
Perto do final do século XIX, com a comemoração do centenário da Revolução Francesa, foi decidido que os três princípios, Liberdade, Igualdade e Fraternidade
, passaria a ser declarados em todos os edifícios públicos:


Também a República Haitiana, uma ex-colónia francesa, adoptou estes mesmos princípios através da sua Constituição de 1987.

A génese das ideias que levaram a que a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade fossem popularmente adoptadas não pode descansar na sua adopção oficial. É notório, hoje, o conflito entre quem, genericamente, adopta estes princípios (ou outros semelhantes) e os que, com o seu poder ou a sua ignorância, os procuram sabotar.
São particularmente preocupantes afirmações como a que Elon Musk fez recentemente:
A fraqueza fundamental da civilização ocidental é a empatia.” Terá sido para combater o crescimento de visões como esta, profundamente egoistas, que o Papa Francisco escreveu, em 2020, a encíclica Fratelli Tutti («Todos Irmãos»), com ela nos exortando à Fraternidade.
E são particularmente preocupantes as constatações como as do académico israelita, Ori Goldberg, que interpretou deste modo o sentimento dominante no seu país em relação ao Próximo Oriente (e ao mundo): “Achamos que devemos ser separados porque somos superiores, porque o mundo nos deve algo, porque devemos poder fazer o que quisermos”; “somos feitos de fogo sagrado”, pelo que “se alguém se aproximar, tem de morrer.” O repúdio popular internacional (e não tão fortemente o repúdio oficial) por esta filosofia nacionalista mostra que a Liberdade, sem a Igualdade e a Fraternidade, pode ser profundamente perversa.



Fonte: Wikipédia (língua francesa), para a imagem e para a história dos três princípios; artigo de António Rodrigues no jornal «Público» de 17 de Setembro de 2025, para a citação de Ori Goldberg

domingo, 16 de fevereiro de 2025

[0360] A Matemática e as Ludotecas (VI): a combinatória do Xadrez 960

O jogo do Xadrez, apesar de muito interessante, proporciona muita vantagem a quem possui um conhecimento pormenorizado das suas primeiras jogadas (as «aberturas«). Entre as suas muitas variantes que já foram experimentadas, uma foi proposta, em 1996, pelo ex-campeão mundial Bobby Fisher (1943 – 2008), com o objectivo de favorecer jogos em que a criatividade tivesse mais espaço. Começou por ser conhecida como «Xadrez Aleatório de Fischer» (Fischer Random Chess), sendo igualmente designada por Xadrez 960.

O Xadrez 960 utiliza o mesmo tabuleiro e as mesmas peças que o Xadrez Clássico, mas coloca aleatoriamente as que se situam na primeira fila dos dois jogadores, submetendo a colocação a algumas condições e mantendo as peças brancas e negras dispostas simetricamente (Rei em frente de Rei, Dama em frente de Dama, etc.).

No sítio https://lichess.org/ é possível jogar esta variante contra o computador (que usa o programa Stockfish), escolhendo para este o nível que se desejar e para si próprio ou as brancas ou as negras. No figura seguinte está a posição inicial de uma partida, em que um Anónimo (que fui eu) joga de brancas, estando o Stockfish no nível 4 (ele tem 14, mas só os 8 primeiros nos são disponibilizados):


Antes de Fisher propor esta variante já havia sido experimentada uma outra, com ela muito parecida, em que não havia qualquer limitação à distribuição aleatória das grandes peças. O primeiro jogo que se conhece, registado, decorreu na cidade alemã de Mannheim, em 1842, opondo Van der Hoeven e Alexandre.
O que Fisher introduziu de novo foram duas condições destinadas a garantir, tal como no Xadrez Clássico, que os Bispos estejam situados em casas de cor diferente e que as Torres estejam situadas de modo que o Rei fique entre elas, para que possa ser executado um dos roques.

O que me atraiu a pensar nesta variante foi o número «960»: como teria sido ele calculado?

Para trabalhar este problema (que é do tipo «combinatório») com alunos, deve ser-lhes deixado algum tempo para que imaginem possíveis estratégias e as discutam, antes de avançarem para a resolução. Uma que poderá ser escolhida é a seguinte, dividida em quatro passos:

(1) Colocação dos Bispos. Havendo 4 casas brancas e 4 casas pretas disponíveis, o total de combinações para a posição destas duas peças é 4 x 4 = 16.

(2) Colocação do Rei e das Torres. O Rei só pode ser colocado numa das 6 casas centrais (isto é, excluídos os «cantos»), para que qualquer dos «roques» possa ser feito; mas é preciso ter em conta que, algures, estão os dois Bispos, sendo portanto necessário ver o que acontece nas 16 posições em que os Bispos podem estar colocados no tabuleiro; um exemplo é este (um Bispo colocado num canto e o outro a alguma distância dele:


Entre os dois Bispos tem de ser reservada 1 casa para uma das Torres, pelo que só sobram 4 casas para o Rei (tal como expliquei, não podem ser ocupadas nem a casa ao lado do Bispo esquerdo nem a casa do extremo direito); começando pela esquerda, a primeira dessas 4 posições do Rei é a seguinte:


A Torre da esquerda só tem 1 casa para ser colocada; e a outra tem 4 casas; então o total de combinações para as Torres é 1 x 4 = 4.

A segunda das 4 posições do Rei é esta:


Agora a Torre da esquerda tem 2 casas para ser colocada e a da direita tem 3; o total de combinações para a sua colocação é 2 x 3 = 6.

A terceira das 4 posições do Rei:


A Torre da esquerda tem 3 casas para ser colocada e a da direita tem 2; total de combinações, 3 x 2 = 6.

Finalmente, a quarta das 4 posições do Rei:


A Torre da esquerda tem 4 casa para ser colocada e a da direita só tem 1 casa; então o total de combinações para as Torres é 4 x 1 = 4.

Para esta posição inicial dos Bispos há 4 + 6 + 6 + 4 = 20 combinações viáveis para a colocação do Rei e das duas Torres; fazendo um raciocínio semelhante para as outras 15 posições iniciais dos Bispos, chega-se à mesma conclusão, em qualquer delas há apenas 20 combinações para a colocação destas três peças.

(3) Colocação da Dama e dos Cavalos. Como só sobram 3 casas vagas, há 3 possibilidades para a colocação da Dama; e os Cavalos são colocados nas 2 casas restantes; assim, o total de combinações para a posição destas três peças é 3.

(4) Então o número de posições iniciais possíveis para as oito peças é de 16 x 20 x 3, ou seja, 960.

Resta ainda uma questão prática: como colocar as peças aleatoriamente?
Existe software para o fazer (como o Lichess nos mostra), mas há outras soluções. Tendo em conta que apenas é preciso escolher «entre 2», «entre 3» e «entre 4» casas, como usar para tal um simples dado de 6 faces?
Alguém faz uma proposta?

Para quem gosta de jogar o melhor é experimentar. A partir da posição inicial mostrada acima (nela o Lichess informa-nos que ela é a nº 249), tentei a minha sorte (fiz alguns erros pelo meio, que me levaram a «andar para trás» depois de perceber que alguns lances tinham sido maus, usando para isso uma seta enrolada que está visível, à direita, durante o jogo) e consegui a vitória que vos dedico abaixo (clicar para ver o GIF):

https://lichess1.org/game/export/gif/white/EdiTsGJA.gif?theme=brown&piece=cburnett.

Boa sorte para quem quiser experimentar!


Nota: Ingo Althöfer já propôs um modo de usar um dado de 6 faces para a distribuição aleatória das peças, mas não fui procurar como ...


Fonte s(informação e imagens): sítios da Lichess e da Wikipédia

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

[0359] As plantas urbanas em Janeiro

Apesar de, nesta época do ano, não lhes prestarmos muito atenção, há plantas que estão a nascer, há plantas que estão em flor e até há plantas que já têm os seus frutos a crescer.


Aquela que mais me impressionou em Janeiro foi o Trevo-azedo. Já havia começado a florir em Dezembro, e assim se manteve ao longo de quase todo o mês passado; e, perto de Fevereiro (assim se mantendo até hoje), encheu de florzinhas amarelas as encostas baldias da Margem Sul:

Flor de Trevo-azedo, em Miratejo (fotografia em 13 de Janeiro)
A flor desta planta só abre plenamente desde que haja Sol e não muito frio


Explosão do Trevo-azedo, em Miratejo (fotografia em 2 de Fevereiro)
Quando os jardineiros municipais cortam o mato destes baldios,
o Trevo-azedo volta a florir rapidamente

É preciso não confundir os Trevos-azedos com os Trevos-comuns, que só agora estão a começar a florir. As suas flores são muito diferentes, mas as folhas apenas se confundem se não lhes prestarmos um mínimo de atenção:


Folhas do Trevo-comum (à esquerda) e do Trevo-azedo (à direita)

Há muitas outras plantas que floriram ao longo de Janeiro. Eis algumas, através de imagens de exemplares não cultivados:

Flores de uma planta do género Sonchus,
perto das praias atlânticas (fotografia em 16 de Janeiro)

Flor de Soagem, no Parque da Paz (fotografia em 27 de Janeiro)

Flores de Narciso, em Miratejo (fotografia em 1 de Fevereiro)

Alecrim em flor, no Parque da Paz (fotografia em 1 de Fevereiro)

Compreensivelmente, há muito menos plantas cujos frutos já estão em crescimento. Dois exemplos bastante que são visíveis:

Pequenas Nêsperas, em Miratejo (fotografia em 11 de Janeiro)

Medronhos a crescer, no Parque da Paz (fotografia em 27 de Janeiro)

Para facilitar pesquisas, aqui vão os nomes científicos destas plantas, as que escolhi para serem destacadas em Janeiro (em itálico: primeiro a designação do género, depois a da espécie):

Alecrim: Rosmarinus officinalis (família Lamiaceae)
Medronheiro: Arbutus unedo (família Ericaceae)
Narcissus, género (família Amaryllidaceae)
Nespereira: Eriobotrya japonica (família Rosaceae)
Soagem: Echium plantagineum (família Boraginaceae)
Sonchus, género (família Asperaceae)
Trevo-azedo: Oxalis pes-capre (família Oxalidaceae)


Fontes: para a primeira fase da identificação, o sítio PlantNet; para os pormenores, livro de Bingre & outros e Wikipédia
Fotografias: Eva Maria Blum

sábado, 18 de janeiro de 2025

[0358] A sociedade e a arte: um documentário sobre quatro décadas do século XIX em França

São quatro episódios, cada um com uma duração entre 46 e 49 minutos. No seu conjunto formam o documentário intitulado L'armée des romantiques (ou, em tradução livre para português, O exército dos românticos), realizado por Amélie Harrault.


Não foi por acaso que no título em francês foi usada a palavra «exército». Depois da revolução francesa (iniciada em 1789), Paris (e não tão intensamente o resto da França) teve três períodos de grandes agitação social: em 1830 (quando a monarquia, reposta em 1814, foi posta em xeque mas não derrubada); em 1848 (quando a monarquia foi derrubada, dando lugar à IIª República, que apenas durou até 1852); e em 1871 (quando a monarquia foi definitivamente derrubada, dando lugar à IIIª República). Durante estes anos, o grupo dos artistas «românticos» (músicos, escritores, poetas, fotógrafos e pintores que se cruzaram em Paris, marcando a história das artes e das ideias) contribuiu, embora nem sempre convergindo na acção e na ideologia, para as mudanças políticas que então aconteceram.

Encontravam-se neste grupo (lista ordenada por ano de nascimento):
Eugène Delacroix (1798 – 1863): pintor;
Honoré de Balzac (1799 – 1850): escritor; autor de «A Comédia Humana»;
Alexandre Dumas (1802 – 1870): romancista e dramaturgo;
Victor Hugo (1802 - 1885): romancista, poeta, dramaturgo, ensaísta, estadista e activista dos direitos humanos; autor de «Les Misérables» e de «Notre-Dame de Paris»;
Hector Berlioz (1803 – 1869): compositor;
George Sand, pseudónimo de Amandine Aurore Lucile Dupin (1804 – 1876): romancista e memorialista;
Frédéric Chopin, de origem polaca (1810 – 1849): compositor;
Gustave Courbet (1819 – 1877): pintor;
Félix Nadar (1820 - 1910): fotógrafo, caricaturista e jornalista;
Charles Baudelaire (1821 – 1867): poeta, ensaísta, tradutor e crítico de arte.

Talvez esta conhecida pintura, de Delacroix, simbolize o mais radical dos envolvimentos dos membros deste grupo:

«A Liberdade Guiando o Povo» (1830; óleo sobre tela, 269 x 326; actualmente no Louvre)

Ah!
Se quiserem ver facilmente estes episódios terão de o fazer até 19 de Julho de 2025, pois a partir daí eles não estarão disponíveis na mediateca da ARTE.
As línguas em que os é possível ouvir são o Alemão, o Espanhol, o Francês, o Inglês, o Italiano e o Polaco, acompanhadas, se o quiserem com legendas, ou na mesma língua, ou numa das outras.


Acesso ao documentário
: https://www.arte.tv/fr/videos/RC-026018/l-armee-des-romantiques/ (esta é a versão em Francês; mas no ecrâ que vos aparece é possível escolher outra língua na barra de cima, à direita)

Fontes: www.arte.tv/; Wikipédia

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

[0357] Um problema de Xadrez inspirado no Natal nórdico

O problema proposto aos visitantes do sítio www.chess,com no dia do último Natal foi o seguinte:


A solução, não sendo trivial, também não é particularmente difícil, sendo até ajudada pelo título dado ao problema, bem adequado ao imaginário da época: «Corrida de Renas».

Reparem, o tabuleiro está disposto para quem joga com as peças brancas, pelo que os seus dois Peões está quase a ser coroados.
E reparem também, como curiosidade, que todas as peças pretas ainda se encontram no tabuleiro, pelo que a sua vantagem parece ser desmesurada – no entanto ...

Tentem então descobrir a solução do problema.
Se não conseguirem resolvê-lo, ou se quiserem verificar a correcção da vossa solução, apreciem a como o programa Stockfish o resolveu este desafio clicando aqui:

 

https://lichess1.org/game/export/gif/white/qL6GFhUw.gif?theme=brown&piece=cburnett .

 

Eis a posição do xeque-mate:



Fontes: https://www.chess.com/daily-chess-puzzle/2024-12-25 (problema e imagem) e https://lichess.org (solução)

terça-feira, 31 de dezembro de 2024

[0356] Sobre o décimo sétimo Objectivo do Desenvolvimento Sustentável: Parcerias para a Implementação dos Objectivos

Neste blogue, os dezassete Objectivos do Desenvolvimento Sustentável foram genericamente apresentados na mensagem «0080».

Depois foi feita uma apresentação específica, comentada, aos seguintes objectivos: erradicar a pobreza (mensagens «0154», «0196» e «0206»), erradicar a fome («0157»), saúde de qualidade («0169»), educação de qualidade («0176»), igualdade de género («0178»), água potável e saneamento  («0239»), energias renováveis e acessíveis («0244»), trabalho digno e crescimento económico («0267»), indústria, inovação e infraestruturas («0275»), reduzir as desigualdades («0294»), cidades e comunidades sustentáveis («0314»), produção e consumo sustentáveis («0324»), acção climática («0334»), proteger a vida marinha e proteger a vida terrestre («0339») e paz, justiça e instituições eficazes («0348»).

O
17º e último destes objectivos é:



Em https://unric.org/pt/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel, este objectivo foi-nos apresentado assim:

Objetivo 17: Parcerias para a Implementação dos Objetivos
Fortalecer a mobilização de recursos internos, inclusive através do apoio internacional aos países em desenvolvimento, para melhorar a capacidade nacional para cobrança de impostos e outras fontes de receita
Os países desenvolvidos devem implementar de forma plena os seus compromissos em matéria de assistência oficial ao desenvolvimento [AOD], inclusive canalizar 0,7% do rendimento nacional bruto [RNB] para AOD aos países em desenvolvimento, e alocar 0,15% a 0,20% desse valor para os países menos desenvolvidos.
Mobilizar recursos financeiros adicionais para os países em desenvolvimento a partir de múltiplas fontes
Ajudar os países em desenvolvimento a alcançar a sustentabilidade da dívida de longo prazo através de políticas coordenadas destinadas a promover o financiamento, a redução e a reestruturação da dívida, conforme apropriado, e analisar a dívida externa dos países pobres altamente endividados de forma a reduzir o superendividamento
Adotar e implementar regimes de promoção de investimentos para os países menos desenvolvidos
Tecnologia
Melhorar a cooperação Norte-Sul, Sul-Sul e triangular ao nível regional e internacional e o acesso à ciência, tecnologia e inovação, e aumentar a partilha de conhecimento em termos mutuamente acordados, inclusive através de uma melhor coordenação entre os mecanismos existentes, particularmente no nível das Nações Unidas, e por meio de um mecanismo de facilitação de tecnologia global
Promover o desenvolvimento, a transferência, a disseminação e a difusão de tecnologias ambientalmente corretas para os países em desenvolvimento, em condições favoráveis, inclusive em condições concessionais e preferenciais, conforme mutuamente acordado
Operacionalizar plenamente o Banco de Tecnologia e o mecanismo de capacitação em ciência, tecnologia e inovação para os países menos desenvolvidos até 2017, e aumentar o uso de tecnologias de capacitação, em particular das tecnologias de informação e comunicação
Capacitação
Reforçar o apoio internacional para a implementação eficaz e orientada da capacitação em países em desenvolvimento, a fim de apoiar os planos nacionais para implementar todos os objetivos de desenvolvimento sustentável, inclusive através da cooperação Norte-Sul, Sul-Sul e triangular
Comércio
Promover um sistema multilateral de comércio universal, baseado em regras, aberto, não discriminatório e equitativo no âmbito da Organização Mundial do Comércio, inclusive através da conclusão das negociações no âmbito da Agenda de Desenvolvimento de Doha
Aumentar significativamente as exportações dos países em desenvolvimento, em particular com o objetivo de duplicar a participação dos países menos desenvolvidos nas exportações globais até 2020
Concretizar a implementação oportuna de acesso a mercados livres de cotas e taxas, de forma duradoura, para todos os países menos desenvolvidos, de acordo com as decisões da OMC, inclusive através de garantias de que as regras de origem preferencial aplicáveis às importações provenientes de países menos desenvolvidos sejam transparentes e simples, e contribuam para facilitar o acesso ao mercado
Questões sistémicas
Coerência de políticas e institucional

Aumentar a estabilidade macroeconómica global, inclusive através da coordenação e da coerência de políticas
Aumentar a coerência das políticas para o desenvolvimento sustentável
Respeitar o espaço político e a liderança de cada país para estabelecer e implementar políticas para a erradicação da pobreza e o desenvolvimento sustentável
As parcerias multissetoriais
Reforçar a parceria global para o desenvolvimento sustentável, complementada por parcerias multissetoriais que mobilizem e partilhem conhecimento, perícia, tecnologia e recursos financeiros, para apoiar a realização dos objetivos do desenvolvimento sustentável em todos os países, particularmente nos países em desenvolvimento
Incentivar e promover parcerias públicas, público-privadas e com a sociedade civil que sejam eficazes, a partir da experiência das estratégias de mobilização de recursos dessas parcerias
Dados, monitorização e prestação de contas
Até 2020, reforçar o apoio à capacitação para os países em desenvolvimento, inclusive para os países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares em desenvolvimento, para aumentar significativamente a disponibilidade de dados de alta qualidade, atuais e fidedignos, desagregados ao nível do rendimento, género, idade, raça, etnia, estatuto migratório, deficiência, localização geográfica e outras características relevantes em contextos nacionais
Até 2030, aumentar as iniciativas existentes para desenvolver medidas do progresso do desenvolvimento sustentável que complementem o produto interno bruto [PIB] e apoiem a capacitação estatística nos países em desenvolvimento


Jeffrey Sachs, um defensor radical do desenvolvimento sustentável, afirmou este ano numa entrevista ao jornal «Público», que o “Desenvolvimento sustentável signfica um mundo que é economicamente próspero, socialmente justo, ambientalmente sustentável e em paz. E nós não temos nada disso actualmente.

Dificilmente se encontrará uma afirmação mais convincente sobre os limites encontrados por este enormemente ambicioso projecto.



Fonte
: entrevista a Sachs (2024)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

[0355] Crise na Cozinha: as medidas de volume são um terror!

Quanto mais o Natal se aproxima mais aumentam, na cozinha, os momentos de desespero relacionados com a interpretação de receitas onde é reclamada a utilização de submúltiplos do litro! Eis dois exemplos dos instrumentos que provocam estas crises laborais:



Estes desesperos parecem estar associados a diversas questões nestes instrumentos:
(1) Onde está a indicação de que o volume é um litro?
(2) Que significam aquelas letras a seguir aos números?
(3) Que têm estes números a ver uns com os outros?

Comentário à questão (1)

Na ferramenta da esquerda não está explícita a altura a que corresponde o «litro».
E na ferramenta da direita apenas está escrito «1/2 L», pelo que dois volumes destes equivalerão ao «litro».
Utilizando uma ideia que era usada nas escolas há umas décadas atrás, podemos imaginar um litro como equivalendo ao volume de um cubo com os lados iguais a 10 centímetros (mais ou menos meio palmo de um adulto).
Mas sabê-lo ainda não nos ajuda a usar as ferramentas cujas imagens estão mostradas acima.

Comentário à questão (2)

Podemos deduzir que dentro do cubo com 10 centímetros de lado existem mil cubinhos, cada um com um só centímetro de lado, pois uma aresta do cubo tem 10 cubinhos; uma face do cubo tem x 10 = 100 cubinhos; e o cubo todo tem 10 faces, portanto 10 x 100 = 1000 cubinhos:



Isto permite-nos expressar os submúltipos do «litro» de dois modos distintos mas equivalentes:
F Se partirmos do cubinho e lhe chamarmos «centímetro cúbico» (símbolo: «cm3»; ou, à inglesa, «ccm»), as quatro figuras acima correspondem a «1 cm3», a «10 cm3», a 100 cm3» e a «1000 cm3»; então ficamos a saber que «1 litro = 1000 cm3» (isto é, igual a «1 decímetro cúbico», simbolizado por «1 dm3»);
F Se partirmos do cubo grande (ou seja, do «litro»), a sua face tem dez vezes menos cubinhos (sendo por isso designada por «decilitro», cujo símbolo é «dl»); a sua aresta é cem vezes mais pequena (o «centilitro», ou «cl») e o cubinho isolado é-o mil vezes (o «mililitro, ou «ml»).

Note-se que, na base destas duas linguagens está o «mililitro», equivalente ao «centímetro cúbico». Sabendo-o, podemos estabelecer equivalências de volumes entre os dois instrumentos figurados acima

Comentário à questão (3)

Os instrumentos que ajudam quem trabalha na cozinha com volume inferiores ao litro dispõem de indicações para ajudar a determinar onde se situa o nível desejado.
No entanto podem surgir embaraços interpretativos se a receita que estamos a consultar usa uma linguagem (por exemplo a dos « cm3») e o instrumento de que dispomos usa outra (por exemplo, «1/2» de litro, «1/4» de litro, etc.).
Para os ajudar a superar estes embaraços aqui vai uma tabela que estabelece algumas equivalências (e que facilmente pode ser ampliada com mais linhas horizontais, copiada e colocada entre os livros de receitas):


A maioria dos volumes intermédios indicados pode ser determinada por simples adição das medidas indicadas nos instrumentos de cozinha, como, por exemplo:

400 ml = 200 ml + 200 ml

ou

8 dl = 5 dl + 2 dl + 1 dl.

Talvez fosse interessante ter nas cozinhas um ou mais azulejos que, em vez de serem brancos, como quase sempre são, dispusessem de indicações para ajudar quem cozinha a tomar algumas das decisões que exigem o domínio de conceitos matemáticos como os referidos atrás.
Por exemplo, este azulejo quadrado com15 centímetros de lado:



No século XVIII os jesuítas colocaram nas paredes de algumas das suas salas de aula (pelo menos em Évora e Lisboa) azulejos com ensinamentos básicos relacionados com a Astronomia, a Matemática e a Física (e outras disciplinas?), aos quais os seus estudiosos chamam, hoje, «azulejos didácticos» (há alguns desses azulejos expostos em Coimbra, no Museu Nacional de Machado de Castro: ver mensagem «108» deste blogue).
A ser experimentada com sucesso a produção de azulejos com ensinamentos práticos como os propostos acima, de modo a que figurem em locais chave do nosso dia-a-dia, poder-se-lhes-ia chamar «Novos Azulejos Didácticos», sendo de destacar que eles agora não figurariam em salas de aula, mas sim onde nós vivemos, trabalhamos e também aprendemos!


Fotografia e desenhos: Pedro Esteves

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

[0354] Jogos para os quais há material em casa (XI): o «Leopardos e Vacas»

Este jogo, originário do Sri Lanka, simula o combate entre 2 Leopardos e 24 Vacas, pertencendo assim à família dos «jogos de caça» (como o «Raposa e Galinhas», que este blogue divulgou através da mensagem «0258») e dos «jogos de guerra» (como o «Assalto», aqui divulgado pela mensagem «0332»).
O tabuleiro onde se joga é o seguinte:




Trata-se de um jogo para dois jogadores, que se alternam a jogar.
Começa o que tem os Leopardos, colocando um deles em qualquer ponto (intersecção de linhas azuis) do tabuleiro. Depois, o outro jogador coloca uma Vaca, num ponto livre do tabuleiro. De seguida são colocados o último Leopardo e uma segunda Vaca. E a partir daqui as jogadas dos Leopardos consistem na movimentação de um deles; e as das Vacas na colocação das restantes vinte e duas, só então podendo ser movimentada uma delas quando for a sua vez de jogar.

O movimento de uma Vaca é feito entre dois pontos vizinhos do tabuleiro, ligados por uma linha, estando livre o ponto de chegada.
O movimento de um Leopardo é realizado de um de dois modos:
* ou deslocando-o entre dois pontos do tabuleiro, tal como se movem as Vacas;
* ou fazendo-o saltar sobre uma (ou mais) Vaca(s), como no jogo das Damas, retirando do tabuleiro a(s) Vaca(s) assim capturadas (este movimento só é possível se o ponto situado a seguir a uma Vaca a capturar estiver livre, podendo o Leopardo, após cada captura, mudar de direcção para capturar outra Vaca).

Para que o jogador que tem as Vacas não adopte uma atitude meramente defensiva, o seu objectivo deve ser o de encurralar os dois Leopardos, isto é, não lhes permitir realizar qualquer movimento (de deslocação, de captura); se não o conseguir, os Leopardos acabarão por capturar todas as Vacas.

Após terminar um jogo, os jogadores trocam de peças, jogando assim, rotativamente, tantas vezes quantas as que acordarem.

Para jogar o Leopardos e Vacas em casa, são portanto necessárias 2 peças para representar os Leopardos, 24 peças para representar as Vacas e um tabuleiro. Este pode ser obtido através da página Documentos deste blogue, aí clicando em Jogos de Reflexão e procurando na respectiva Drop Box o ficheiro sobre este jogo, o qual permite imprimir o tabuleiro ou ajudar a que se faça dele um paciente desenho.

Nem todas as fontes apresentam exactamente as mesmas regras para este jogo, e a té o mesmo tabuleiro. Um outra versão deste é semelhante à anterior, sem as 4 x 3 = doze casas mais afastadas do centro:




Fontes: regras divulgadas pela organização Oikos; livro de Guik (pp. 257-258)
Desenhos: Pedro Esteves

sábado, 7 de setembro de 2024

[0353] A Declaração Universal sobre os Arquivos

Em Novembro de 2011, na 36ª Conferência Geral da Unesco, realizada em Paris, foi aprovada a Declaração Universal sobre os Arquivos, através da qual se assumiu o valor dos documentos de arquivo como património e memória, bem como fundamento para muitas das decisões que são tomadas.

Tal como então foi recordado, «os arquivos não são imensas campas nas quais fiquem enterradas as experiências humanas e os seus dramas, mas ao contrário, os arquivos representam muitas das condições que permitem a formação de uma consciência humana» (Jaime Torres Bodet, Diretor-geral da Unesco, em discurso de 1948).


Declaração Universal sobre os Arquivos


Os Arquivos registam decisões, ações e memórias. Os Arquivos constituem um património único e insubstituível transmitido de geração em geração. Os documentos de arquivo são geridos desde a sua criação para preservar o seu valor e significado. Os Arquivos são fontes fiáveis de informação para uma governação responsável e transparente. Desempenham um papel essencial no desenvolvimento das sociedades ao contribuir para a constituição e salvaguarda da memória individual e coletiva. O livre acesso aos arquivos enriquece o conhecimento sobre a sociedade humana, promove a democracia, protege os direitos dos cidadãos e melhora a qualidade de vida. Por isso reconhecemos:

•  o caráter único dos arquivos como provas autênticas das atividades administrativas, culturais e intelectuais e como um reflexo da evolução das sociedades;
•  o papel essencial dos arquivos para garantir uma gestão eficaz, responsável e transparente, para proteger os direitos dos cidadãos, assegurar a memória individual e coletiva, e para compreender o passado, documentar o presente com vista a orientar o futuro;
•  a diversidade dos arquivos permite documentar todas as áreas da atividade humana;
•  a multiplicidade de suportes e formatos em que os documentos são produzidos e conservados, incluindo papel, eletrónico, audiovisual e outros;
•  o papel dos arquivistas, profissionais qualificados, com formação inicial e contínua, ao serviço da sociedade, apoiando o processo de produção dos documentos, a sua avaliação, seleção e conservação, e a respetiva disponibilização;
•  a responsabilidade coletiva, envolvendo, cidadãos, decisores públicos, proprietários ou detentores de arquivos públicos ou privados, arquivistas e outros profissionais da informação, na gestão de arquivos.

 Por isso comprometemo-nos a trabalhar em conjunto, para que:

•  sejam adotadas e aplicadas políticas e legislação arquivística adequadas;
•  todos os organismos públicos ou privados que produzem e utilizam documentos para o exercício das suas atividades valorizem e exerçam eficazmente a gestão dos seus arquivos;
•  sejam disponibilizados os recursos necessários para apoiar a adequada gestão dos arquivos, inclusive a contratação de profissionais qualificados;
• os arquivos sejam geridos e conservados de forma a garantir a sua autenticidade, fiabilidade, integridade e utilização;
•  os arquivos sejam acessíveis a todos, respeitando a legislação em vigor sobre esta matéria e sobre os direitos dos cidadãos, dos produtores, dos proprietários e dos utilizadores;
•  os arquivos sejam utilizados de modo a contribuir para a promoção de uma cidadania responsável.



Fonte: Direcção-Geral de Arquivos (2011)