segunda-feira, 30 de outubro de 2023

[0332] Jogos para os quais há material em casa (X): o Jogo do Assalto

O tabuleiro deste jogo, em forma de cruz, é constituído por 33 casas circulares, ligadas por diversos caminhos.

Num dos braços da cruz há um quadrado de 3 x 3 casas que se destaca, para simbolizar uma fortaleza.

No princípio do jogo há 24 peões atacantes, colocados nas casas exteriores à fortaleza, e 2 peões defensores, colocados nas casas da fortaleza que o jogador que defende escolher.
O objectivo dos defensores é eliminar os atacantes. E o objectivo dos atacantes é ocupar as 9 casas da fortaleza, ou cercar os defensores, impedindo-os de jogar.

Os jogadores alternam-se a jogar, cabendo ao que ataca iniciar o jogo. Cada jogada é constituída pelo movimento de um peão, de uma para outra casa.
Os atacantes podem deslocar-se entre duas casas vizinhas, ligadas por uma linha vermelha, não lhes sendo permitido recuar. Os defensores podem deslocar-se entre duas casas vizinhas, ligadas por uma linha vermelha ou azul, sendo-lhes permitido avançar, recuar ou deslocar-se lateralmente.

O movimento de um peão defensor pode consistir em saltar sobre um ou mais peões atacantes, eliminando-os do tabuleiro, tal como se faz no jogo das damas, podendo haver mudanças de direcção em cada salto. Este tipo de movimento do defensor é obrigatório, quando for viável executá-lo, e deve ser escolhido o (ou um dos) caminho(s) que elimina o maior número de atacantes.




Se, num dado momento do jogo restarem menos de 9 atacantes, os defensores são considerados vencedores, o mesmo sucedendo se os atacantes não puderem mover-se.

Neste jogo não podem ocorrer empates.

A partir da página «Documentos» deste blogue é possível aceder a um ficheiro (clicando em «Jogos de Reflexão») com as regras e o tabuleiro deste jogo.
Para o jogar, será necessário imprimir o tabuleiro e arranjar 24 peões atacantes e 2 peões defensores.

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

[0331] Luís Miguel Cintra e a profissão de actor

Numa série de entrevistas publicadas em livro em 2020, Luís Miguel Cintra (nascido em 1949) reflecte sobre diversos aspectos da profissão de actor ao longo de mais de meio século, em Portugal.


Eis alguns excertos dessas entrevistas (organizados a meu modo):

Ontem e hoje

Antes do 25 de Abril, “A relação com o material, com o que se queria dizer e com o que se queria fazer, era uma relação experimental no melhor sentido da palavra. Nós não tínhamos certezas, arriscávamos! Era uma aposta numa coisa diferente. E é disso que tenho muitas saudades … é isso que, acho eu, está hoje completamente banido das artes em Portugal. […] Atualmente sinto que é como se fosse proibido fazer isso, e que se fazes isso arrisca-te a não comer, a não ter dinheiro para pagar nada.” (p. 64)
A “profissionalização do próprio ofício” de actor decorre de estar “tudo muito mais organizado. Há os agentes, há as regras de subsídio - que no fundo são contestadas, não na sua essência, mas nos seus aspectos secundários … Portanto, implicitamente, toda a gente está a aceitar que existe uma estruturação da sociedade. Mal de nós se dissermos mal da sociedade actual, que foi a conquista do 25 de Abril … - muito mais pessoas têm acesso a muito mais coisas, e por aí adiante … As pessoas têm medo de não aproveitar as oportunidades, e de, se não aproveitarem as oportunidades, serem completamente esquecidas.” (p. 69) “Estão constantemente a aparecer atores que depois desaparecem. Atores e mais atores …, que se não se portarem bem desaparecem imediatamente. Têm, pois, toda a conveniência em portar-se bem! E «portar-se bem» o que é que significa? Significa representar como os outros querem que ele represente.” (p. 70)
Tenho a impressão que hoje em dia a ligação das pessoas à própria arte que praticam, ao próprio ofício, não é tão essencial como era para nós. […] Mais importante do que ter uma ideia qualquer é curtirem. Não gostam de sofrer.” (p. 70)
Antes do 25 de Abril estávamos “empenhados numa transformação do mundo, em descobrir qual é a maneira de ser feliz, e de sofrer, se for preciso, para que as pessoas todas sejam felizes”, mas hoje está-se numa “época mais superficial”, e “não me sinto bem nela.” (p. 91)

Aprender e fazer

A melhor maneira de aprender é pela experiência. Mas agora sinto que há uma espécie de obsessão pela técnica. Aparece uma quantidade de pessoas convencidas que já têm técnica e que portanto sabem fazer tudo. Na área da representação também.” (p. 240)
Quando se está numa situação em que o grupo não sabe o que se fará a seguir, surge “uma espécie de risco, ou de invenção em conjunto. E eu acho que isso é muito importante para que haja um sentido novo … […]. Porque queremos dizer coisas aos outros, e não podemos viver sem os outros … Para mim isso é fundamental. […] Porque se for o que os outros já sabem, não faz avançar ninguém.” (p. 67)
No Teatro, “As pessoas vão-se influenciando umas às outras. O que é importante é que sejam elas próprias, como gostam de ser, e que confiem nos outros. É um espírito lúdico! Não pode ser como quem vai de repente prestar provas num exame e tem de fazer o melhor possível porque está a prestar provas.” (p. 54)
No Cinema, os actores “Precisam é de fazer aquilo que os liga a si próprios, aquilo que os leva a envolverem-se pessoalmente.” (p. 161)

Estética, ética e comunicação

Há uma espécie de objetivo [ou “moral estética”] no cinema deles [Hitchcock; Tati; Oliveira; Dreyer], que é o de representar o mundo inteiro. E cada filme é uma espécie de alegoria ou de representação de toda a vida do mundo.” (p. 89)
Há outros filmes que são “uma maneira de veicular uma posição ética, política, perante a vida, mas já sem a ambição de representar o mundo inteiro. Nesses [filmes, como são quase todo os do Rossellini], o que se trata é de representar-se a si próprio e os nossos iguais.” (p. 90)
Quando,  num filme, “há uma relação vital, verdadeira, com o que se está a fazer, isso aparece sempre com uma qualidade interessante. E é isso que a torna num instrumento de comunicação. É comunicação! Tudo o que se faz, as obras de arte todas! E existe a tendência para se achar que são coisas de artistas, «eles é que sabem» … Eles não sabem, não! Eles estão a falar connosco!” (p. 196)

Actor e espectador

No início da Cornucópia a companhia optou pelo seguinte princípio: “o ator não tem de que chegar ao público, o público é que tem que chegar ao ator. Não é o ator que representa a personagem, é a personagem que representa o ator. O que, no fundo, é a ideia de destruir a passividade do espectador perante o trabalho do ator. Porque o espectador é obrigado a fazer um trabalho de análise sobre o que o ator está a fazer, que implica, por outro lado, uma relação que não é autoritária.” (p. 105)

Fonte: livro com entrevistas a Cintra (2020)
Fotografia: obtida através de uma pesquisa via Google, estando associada a uma outra entrevista de Cintra, em que este afirma “Não me apercebi de que estava a envelhecer

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

[0330] A Matemática e as Ludotecas (V): diferença entre «táctica» e «estratégia» nos jogos de reflexão

Para exemplificar o que distingue a «táctica» da «estratégia» podemos observar o que se passa no Jogo do Galo.

O Jogo do Galo é o parente mais simples de três outros jogos de alinhamento já referidos noutras mensagens, o Quatro em Linha (mensagem «265»), o Cinco em Linha (mensagem «4») e o Jogo do Moinho (mensagens «55», «296» e «315»).

Nos jogos de reflexão a táctica pode ser definida como o cálculo exacto de um pequeno número de lances; baseia-se, portanto, na lógica, e equivale, na Matemática, a uma demonstração. Já a estratégia não é exacta, tendo no entanto a vantagem de olhar para o médio e longo prazo; ela equivale a uma heurística (ver a mensagem «265»), um procedimento que se baseia na experiência e que não tem equivalente na Matemática formal.

Quem já jogou um bom número de vezes ao Jogo do Galo sabe que o único resultado razoável que há a esperar é o empate. Mas também sabe que há neste jogo algumas distrações que podem ser fatais. Por isso, o jogador experiente, e que não gosta de perder, costuma ter uma estratégia

Admitamos, meramente como exemplo, que a estratégia do primeiro jogador é: «jogar de modo a maximizar o potencial das peças que já jogou». E admitamos ainda que o segundo jogador escolhe os seus lances sem grande cuidado.
Ora, neste jogo, existem 8 alinhamentos de peças que ganham: cada uma das 3 linhas verticais, cada uma das 3 linhas horizontais e cada uma das 2 diagonais. E há três possibilidades de colocar a primeira peça no tabuleiro: ou num dos seus 4 vértices, ou no meio de um dos seus 4 lados, ou no seu centro.
Que decisão deve então tomar o primeiro jogador para seu lance inicial? Se jogar num vértice, dispõe de 3 alinhamentos ganhantes (um horizontal, um vertical e um diagonal); se jogar a meio de um dos lados apenas dispõe de 2 (um vertical e outro horizontal); e se jogar no centro do tabuleiro dispõe de 4 (um vertical, um horizontal e as duas diagonais. Joga, então, no centro do tabuleiro (a marca X no diagrama seguinte): ele não fez nenhum cálculo, apenas aplicou uma «estratégia» que achou ser prometedora e que já terá sido por ele experimentado, com sucesso, noutras ocasiões.
Como mínimo, ao jogar assim, o primeiro jogador já impediu que o segundo utilize com êxito 4 dos 8 alinhamentos ganhantes!

Face a este lance, o segundo jogador, que não pensa estrategicamente, tem duas possibilidades distintas, ou jogar num dos 4 vértices, ou jogar no meio de um dos 4 lados (marcas O no diagrama):


Em ambos os casos, restam ao primeiro jogador 3 alinhamentos ganhantes com a sua única peça (no primeiro caso, um vertical e dois diagonais; e, no segundo, um vertical, um horizontal e um diagonal).
Mas no primeiro caso ele pode calcular rigorosamente o que vai seguir-se: se jogar numa das três casas de cima, ou numa das três de baixo, ele tem a certeza de ganhar: apenas não tem a certeza de o conseguir se jogar na casa situada a meio do lado esquerdo. Dispõe, agora, de um lance táctico.
O próximo diagrama mostra o que acontece depois de o primeiro jogador jogar num dos vértices e de o segundo jogador apenas jogar para não perder de imediato:

Agora o segundo jogador não pode responder a duas ameaças de ganho do primeiro jogador e este ganhará com o seu quarto lance.
O leitor desta mensagem pode imaginar o que acontecerá se o segundo lance do primeiro jogador for outro.

E que acontecerá se o segundo jogador tiver escolhido uma das casas de vértice para seu primeiro lance?
Pensando de acordo com a sua estratégia, o primeiro jogador apenas deve recusar jogar na diagonal onde já se encontram uma peça de cada jogador, pois essa diagonal já não é ganhante para nenhum deles; qualquer outro lance do primeiro jogador alinha duas suas peças, estando a terceira casa ainda por preencher. O diagrama seguinte mostra o que sucede após um desses lances (ambos os jogadores, estando atentos, vêem-se obrigados a impedir que o outro coloque uma terceira peça alinhada):


É claro que o segundo jogador impede também esta última tentativa de alinhamento do primeiro jogador, terminando o jogo com um empate.

Se o segundo jogador usasse a estratégia do primeiro, nunca efectuaria o primeiro lance a meio de um lado do tabuleiro, casa que só lhe permite um alinhamento, mas sim num vértice, pois aí a peça jogada dispõe de dois alinhamentos potenciais.
Se os dois jogadores optassem por seguir esta estratégia, empatariam sempre!

E se o primeiro jogador decidisse jogar o seu segundo lance fora da sua estratégia, ou seja, alinhando três peças (duas dele e uma do adversário) na mesma diagonal?
Há também quem chame táctico a este lance, não lógico. É que o segundo jogador dispõe agora de dois maus lances (a meio de um lado) e de apenas um bom lance (num dos vértices), pelo que o seu modo descuidado de jogar o coloca em risco. O último diagrama mostra o que lhe sucede após uma das más escolhas:

E agora o segundo jogador não pode responder a duas ameaças de ganho do primeiro.

O leitor pode imaginar o que acontecerá se o segundo lance do segundo jogador for outro.
Nem sempre jogar com estratégia é o melhor lance …

A Lógica (e a Matemática) não explica(m) tudo nos Jogos de Reflexão.