quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

[0305] Marés: dos cereais dos moinhos à energia das barragens

Que semelhanças e que diferenças se notam entre estas duas imagens aéreas?



As duas imagens mostram uma extensa superfície de água, tanto uma como a outra radicalmente separadas em duas partes por estruturas separadoras.
Mas, para que servem essas estruturas?
E a diferente dimensão das duas superfícies dirá alguma coisa acerca das respectivas finalidades?

A primeira imagem é do Moinho de Maré de Corroios (concelho do Seixal).
Originalmente edificado em 1403, por iniciativa de D. Nuno Álvares Pereira, serviu durante quase seis séculos como moagem, sendo hoje visitável com propósitos de educação patrimonial e turísticos.

A segunda imagem é da Barragem do Rance (Bretanha), situada no estuário do rio Rance, onde funcionaram, durante a Idade Média, diversos moinhos de maré onde os cereais eram moídos.
Desde 1966 funciona aí uma central eléctrica que utiliza a energia das marés. A barragem, com 750 metros de comprimento, isola do mar uma albufeira de 22 quilómetros quadrados cujo volume útil pode atingir 184 milhões de m3; a diferença de nível da água na preia-mar e na baixa-mar, na altura das marés vivas, é de 13,5 m.
A sua produção energética média anual é 540 GWh, um pouco mais do que a barragem do Castelo do Bode, no rio Zêzere, que produz 465 GWh por ano.

Uma das alternativas energéticas que o astrónomo Martin Rees propõe é a das “lagoas de maré” (assim foi feita a tradução).

Não era nada desprezável o número de moinhos de maré construídos na Idade Média. Só no ocidente europeu, a sua distribuição seria a seguinte:


Mas, como funcionavam estes «moinhos» e funcionam as novas «barragens»?
A água é represada num dos lados da superfície de água, e, após a maré cheia, a sua descida acciona um rodízio (no moinho) / uma turbina (na central eléctrica). Hoje este processo tanto funciona com a enchente como com a vazante da maré, o que raramente acontecia antigamente.
Um corte feito num antigo moinho exemplifica o que se passa no interior do moinho / da central:



Fontes: livro de Gago (1978; p. 18); folheto do Ecomuseu Municipal do Seixal (sem data); notícia de Boaventura (2019); livro de Rees (2021; p. 51); exposição permanente no Moinho de Maré de Corroios; Wikipédia
Fotografias: Câmara Municipal do Seixal (Moinho de Maré de Corroios); Wikipédia (Barragem do Rance); Pedro Esteves (mapa da distribuição dos moinhos de maré na Europa Ocidental durante a Idade Média)

Esquema do corte de um moinho de maré: Pedro Esteves

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

[0304] Painéis de padrão no Museu Nacional do Azulejo

Numa nova e longe de exaustiva visita a este museu, situado na Madre de Deus, em Lisboa, foram detectados sete tipos de painéis de azulejo de padrão.

Padrões cuja menor rotação, para que o desenho não seja alterado, é de 360º:

Tipo «p1»: nem existem reflexões, nem reflexões deslizantes


À primeira vista parece haver eixos de reflexão, tanto verticais como horizontais; mas isso é impedido pelo modo como o traço verde passa, alternadamente, sobre e sob o traço castanho.

Tipo «pm»: existem eixos de reflexão, mas não existem reflexões deslizantes cujo eixo não coincida com um dos anteriores


A separação entre os três azulejos de cima e os três azulejos de baixo exemplifica os eixos de reflexão; e não existem reflexões deslizantes cujo eixo não seja um eixo de reflexão simples.

Tipo «cm» (que surge pela primeira vez neste blogue): existem eixos de reflexão; e existem reflexões deslizantes cujo eixo não coincide com um dos anteriores


Há eixos de reflexão verticais; e, entre eles, há eixos de reflexão deslizante.

Padrões cuja menor rotação, para que o desenho não seja alterado, é de 180º:

Tipo «p1»: nem existem reflexões, nem reflexões deslizantes


As sobreposições entre os laços impedem a existência de reflexões.

Tipo «pmm»: existem eixos de reflexão em duas direcções; e todos os centros de rotação se encontram sobre eles


Há eixos de reflexão que se cruzam em X; e todos os centros de rotação se encontram sobre esses cruzamentos.

Padrões cuja menor rotação, para que o desenho não seja alterado, é de 90º:

Tipo «p4»: não existem eixos de reflexão


Mais uma vez, a sobreposição alternada entre os quadrados azuis e castanhos impede a existência de reflexões.

Tipo «p4m» (que surge pela primeira vez neste blogue, apesar de ser um dos mais frequentes): existem eixos de reflexão que fazem entre si ângulos de 45º


Todas as diagonais dos azulejos são eixos de reflexão.

Fotografias
: Pedro Esteves (em 5 de Janeiro de 2023)




quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

[0303] A hegemonia euro-americana nos campeonatos mundiais de futebol (masculino)

O Campeonato Mundial de Futebol masculino já foi disputado por vinte e duas vezes. Os países onde foram realizadas as suas fases finais e as equipas que participaram no jogo decisivo de cada uma delas estão descritos a seguir (as cores de fundo indicam os respectivos continentes):


Apenas quatro países foram, por duas vezes, sede da fase final: a Itália (1934 e 1990), a França (1938 e 1998), o Brasil (1950 e 2014), o México (1970 e 1986) e a Alemanha (em 1974 como Alemanha Ocidental e em 2006 como Alemanha).
Como uma dessas fases finais (a de 2002) foi realizada na Coreia do Sul e no Japão, foram 18 os países que as acolheram, distribuídos por 4 continentes: 11 vezes na Europa, 8 vezes nas Américas, 2 vezes na Ásia e 1 vez em África.

O jogo final de todas estas fases finais foi disputado apenas por equipas sul-americanas e europeias: 11 vezes por uma equipa sul-americana e uma equipa europeia, 9 vezes por duas equipas europeias e 2 vezes por duas equipas sul-americanas (precisamente nas duas primeiras fases finais, ambas disputadas nas Américas).
Esta hegemonia é reforçada se se acrescentarem à anterior lista as equipas que disputaram o jogo para o 3º e o 4º lugar: de novo apenas equipas sul-americanas e europeias, com uma única excepção, a da equipa de Marrocos, em 2022.
A primeira vez que a equipa vencedora jogou a fase final fora do seu continente aconteceu em 1958, quando o Brasil foi campeão na Suécia; e a segunda vez aconteceu em 2014, quando a Alemanha foi campeã no Brasil. As outras três excepções apenas aconteceram quando a fase final foi disputada na Ásia (em 2002 e 2022) e em África (2010).


Fonte dos dados constantes na tabela: Wikipédia

sábado, 7 de janeiro de 2023

[0302] Reflexões sobre a «memória» (a propósito do blogue «Aprendizagens»)

Contrariamente ao Cosmovivências, que se baseia nas preocupações do «presente», o blogue Aprendizagens, seu irmão mais novo, foca o «passado», não como reverência em relação ao que «aconteceu», mas como forma de entender o terreno em que hoje estamos, que também é aquele sobre o qual, inevitavelmente, se está a construir o «futuro».

O endereço deste novo blogue é o seguinte: https://aprendizagens2023.blogspot.com/.



As ligações entre os diferentes tempos das nossas vidas, e os das vidas das sociedades que construímos, têm sido motivo para diversas reflexões.
Eis algumas delas (por ordem alfabética do nome próprio do autor):

Alberto Manguel:
As histórias são a nossa memória, as bibliotecas são como que armazéns dessa memória, e a leitura é o labor através do qual podemos recriar essa mesma memória, recitando-a e dando-lhe brilho, traduzindo-a para a nossa própria experiência, o que permite que nos ergamos sobre aquilo que as gerações anteriores consideraram digno de preservação.” (2011)

José Saramago (entrevistado por Clara Ferreira Alves):
Agrada-me pensar que o tempo não é essa diacronia, essa sucessão de momentos, agrada-me pensar no tempo como uma espécie de imensa tela onde se projetam e se fixam os acontecimentos. É como se eu visse os acontecimentos projetados numa superfície única, onde tudo estivesse ao lado de tudo, onde tinhas a batalha de Maratona e a chegada do homem à Lua, ou a Clara Ferreira Alves e a Lucrécia Bórgia [risos].” (1991)

Peter Bogdanovich:
O passado não é o passado porque está sempre connosco.” (citado por Nuno Pacheco, 2023)

Pierre Nora
:
A memória é vida. É sempre transportada por um grupo de pessoas vivas e, por isso mesmo, está em permanente evolução. Encontra-se submetida às dialécticas da recordação e do esquecimento, sem se aperceber das suas sucessivas deformações, aberta a usos e manipulações de todas as espécies. Por vezes permanece latente durante longos períodos, após os quais subitamente revive. A história é sempre a reconstrução incompleta e problemática daquilo que já não existe. A memória pertence sempre ao nosso tempo e forma como que um limite vivo do presente eterno; a história é a representação do passado.” (citado por Hobsbawm, 1990)

Rui Bebiano, referindo-se a Pierre Nora:
A memória histórica tanto pode legitimar as narrativas dominantes como contribuir para desenvolver interpretações alternativas.” (2019)

Rui Bebiano, referindo-se a Marc Augé:
Para lembrar é preciso esquecer, ou silenciar.” (2019)

Stephen W. Hawking:
É o passado que nos diz quem somos; sem ele, perdemos a nossa identidade.” (2020)

Yuval N. Harari:
Os historiadores estudam o passado não para o repetir, mas para se libertarem dele.” (2018)



Nota: voltando à decisão que ficou em suspenso na mensagem «0300», decidi não recomeçar o blogue «Pontes na Nossa Banda».


Fontes: Bebiano (2019); Harari (2018; p. 73); Hawking (2020; p. 82); Hobsbawm (1990; p. 11); Manguel (2011; p. 19); Pacheco (2023); Saramago (1991)