domingo, 29 de novembro de 2020

[0248] Se está aborrecido com o seu isolamento … invente um Quebra-cabeças!!!

Conta-se que no século XVIII um aristocrata francês, preso na Bastilha, e isolado numa cela, inventou um quebra-cabeças para poder suportar a sua solidão.

A sua invenção precisou de bastante tempo para se popularizar, pois foi só nos fins do século XIX, no tempo da rainha Vitória (e do outro lado do canal da Mancha), que o novo puzzle se tornou uma enorme atracção, com o nome Solitário.

 

O aristocrata francês talvez resolvesse o seu quebra-cabeças num suporte simples (e discreto), muito diferente daquele com que é actualmente comercializado: um tabuleiro com furos, dispostos em linhas ortogonais, mais quase quatro dezenas de peças, todas iguais, para colocar nos furos.
O desafio mais conhecido (e um dos mais difíceis) está representado a seguir: todos os furos estão preenchidos com um berlinde, menos um; todos os berlindes devem ser eliminados, excepto um; para eliminar um berlinde, um outro deve saltar sobre ele, como no jogo nas Damas, mas apenas através de saltos na horizontal e na vertical; o último berlinde a sobreviver à eliminação deve ter ficado no furo central (precisamente o único que, na posição de partida, está vazio).

Ao lado deste tabuleiro estão frutos de Eucalipto.
Além do belo aroma que exalam, eles são um exemplo de peças alternativas que podem ser usadas para resolver este quebra-cabeças.
Também não é preciso um tabuleiro de vidro, ou de madeira, e muito menos de plástico: basta uma folha de papel adequadamente quadriculada, eventualmente protegida por uma capa transparente.

 

O tabuleiro da imagem é o mais simples (por ter apenas 33 furos). Também existem tabuleiros com mais quatro furos, que permitem um maior número de disposições iniciais de peças.
O tabuleiro mostrado a seguir tem esses 37 furos e, em vez deles, assinala os quadrados que lhes correspondem, cada qual com um número de um sistema de coordenadas que serve para descrever os saltos das peças:


Alguns outros desafios, mais acessíveis (em todos eles a peça sobrevivente deverá situar-se na casa central):


Para os interessados, na página Documentos deste blogue está acessível a pasta Quebra-cabeças, da Drop Box a ele associada, de onde é possível descarregar um ficheiro com as regras e os tabuleiros deste puzzle, além de mais alguns desafios.


Fontes: livros de Delft & Botermans (1997; pp. 170-174) e de Guzmán (1991; pp. 37-50)

Fotografia e desenhos: Pedro Esteves


terça-feira, 24 de novembro de 2020

[0247] Toda a educação é patrimonial

O 2º Encontro sobre Património, que o Centro de Arqueologia de Almada, a Associação para a Educação e a Defesa do Património e o Instituto Piaget organizaram em 2014, focado no tema Educação Patrimonial e Identidade, proporcionou um conjunto muito interessante e variado de intervenções.



As seguintes reflexões inspiraram-se nas notas que tomei:


Património:
O Património somos todos nós”; mas também o é aquilo que fazemos, como a Ciência e a Música. E ainda o é a Natureza, que nos transcende; o seu “valor intrínseco” está, portanto, infinitamente para além do “valor” dos “serviços” que nos presta.
Podemos então dizer que Património é aquilo que recebemos, que aceitamos ou negamos, que conservamos ou enriquecemos.


Educação Patrimonial:
Face ao Património, cada um tem a possibilidade de colocar as suas “perguntas” e de experimentar as suas “respostas”. É esse o primeiro passo da Educação: desafiar-nos a todos, novos ou mais velhos, a conhecer e a interpelar o Património.
Mas “a Educação acontece” onde a “relação entre as pessoas” cria um espaço de “afectos”. Educar é, então, um “processo endógeno” de co-responsabilização pelo Património (etimologicamente, «responsabilidade» significa darrespostas”; agora significa também a possibilidade de colocarperguntas”).
Consequentemente, educar não se distingue de educar patrimonialmente: prepararmo-nos, todos e cada um, para a existência de tudo.


Tensões entre Educação e Património
Escreveu Hannah Arendt (1906 - 1975): os adultos querem, por um lado, que a criança seja “protegida e cuidada para evitar que o mundo a possa destruir”; e, por outro, que o mundo tenha a “protecção que o impeça de ser devastado e destruído pela vaga de recém-chegados”.
Escreveu Karl Popper (1902 - 1994):“a nossa pedagogia consiste em sobrecarregar as crianças com respostas, sem que elas tenham colocado questões, e às perguntas que fazem não se presta atenção”. “Esta é a pedagogia habitual”, acrescentou ele: “respostas sem perguntas e perguntas sem respostas.
O ponto de vista de Arendt aproxima-a da noção conservadora de «patrimonialização» (é um movimento dirigido á protecção). O ponto de vista de Popper aproxima-o da noção criativa de «património» (um processo de produção, mesmo se interpessoalmente desencontrado).
Considerados em conjunto, Arendt e Popper chamam a atenção para: (1) as ligações entre pessoas e entre patrimónios; (2) a ambiguidade da relação das pessoas com os patrimónios (que pode ser de produção / destruição); e (3) a tensão existente entre quem vem do passado e quem surge no presente. As escolas não escapam à tensão entre estes dois pontos de vista, podendo ou não saber conciliar as vantagens que ambos possuem.


A escola («todas as escolas» / «qualquer escola») pode então ser encarada como o espaço onde uma geração se encontra e parte à descoberta do que lhe pré-existe, e ao qual regressa para interiorizar o que descobriu e imaginar o que mais tarde lhe fará.


Fontes: livros de Arendt (2000; p. 38) e de Popper, em debate com Lorenz (1990; p. 49)

domingo, 15 de novembro de 2020

[0246] A caçada do rei Shapur II

A observação de um só objecto pode trazer luz sobre toda uma época. Foi essa a ideia subjacente a oito mensagens iniciadas e interrompidas há três anos, baseadas no livro Uma História do Mundo em 100 Objetos (do British Museum), de Neil MacGregor:

Uma escultura conhecida por «Renas nadadoras», com cerca de 13 mil anos, sugere que recuemos até ao tempo dos caçadores-recolectores europeus (mensagem «0036»).
Uma «Estatueta maia do deus do Milho», vinda de Cópan, na América Central, recorda-nos, apesar de ter sido esculpida no início do século VIII, um deus que era os Maias adoravam desde há milénios, como consequência da enorme transformação que a agricultura começou a introduzir, um pouco por todo o mundo, por volta de 9 mil anos antes de Cristo (mensagem «0042»).
Um outro aspecto desta transformação é-nos lembrado por uma «Tabuinha antiga escrita» há cerca de 5 mil anos (com sinais cuneiformes), encontrada no Sul do actual Iraque: nela estão registados pagamentos por serviços relacionados com … a cerveja (mensagem «0045»).
O «Papiro matemático de Rhind» é o objecto seguinte; escrito por volta de 1550 antes de Cristo, foi encontrado nas proximidades de Luxor, no Egipto, e contém vários problemas de Matemática (mensagem «0046»)
Os «Relevos de Lachish», em pedra, encontrados em Nínive, no Norte do Iraque, datam de cerca de 700 anos antes de Cristo e recordam-nos a violência guerreira exercida pelos impérios de então (mensagem «0048»)
O «Sino chinês de bronze», feito no tempo de Confúcio, mostra-nos como no século V antes de Cristo também se fazia filosofia e música (mensagem «0049»)
A «Pedro de Roseta», gravada no início do século II antes de Cristo, no Egipto, evoca-nos três histórias: a da dinastia dos Ptolomeus (terminada com Cleópatra); a da competição entre franceses e ingleses no início do século XIX; e a da decifração da escrita hieroglífica (mensagem «0052»).
Por fim, o «Pimenteiro de Hoxne», encontrado no Sul de Inglaterra, conta-nos histórias sobre as viagens da pimenta e sobre as mudanças políticas traumáticas no século IV da nossa era (mensagem «0098»).


A escolha de objectos feita por Neil MacGregor foi estruturada em vinte épocas, sendo cada uma representada por cinco objectos (daí 20 x 5 = 100 objectos).
Depois de apresentar as oito primeiras épocas, MacGregor explicou assim a seguinte: “Lutando para abarcar o infinito, um pequeno número de religiões moldaram o mundo nos últimos dois mil anos.” E os cinco objectos que selecionou para a representar estão relacionados com religiões surgidas entre 100 e 600 d.C.: o budismo, o cristianismo, o hinduísmo, o zoroastrismo e o islamismo.

Eu escolhi, como objecto, o «Prato de Shapur II»:


Trata-se de um prato de prata onde se vê o rei Shapur II a caçar.
Shapur foi um dos reis da dinastia Sassânida, no Médio Oriente, que reinou longamente, entre 309 e 379. No seu tempo os reis não dispunham apenas de poderes seculares, pois também eram agentes de deus, neste caso do zoroastrismo, a religião estatal.


Não é certo que tenha havido um Zoroastro. Mas, se existiu, terá vivido por volta de 1000 antes de Cristo nas estepes da Ásia Central, tendo sido o primeiro profeta a afirmar que o universo é um campo de batalha entre as forças do bem e as do mal e a ensinar que o tempo não é um ciclo interminável, pois terá um fim, ideias que também inspiraram outras religiões, como o cristianismo e o islamismo.


Fonte: livro de MacGregor (2014; pp. 257 e 269-273)

domingo, 8 de novembro de 2020

[0245] A Geometria que a Terra nos oferece (II)

Na já longínqua mensagem «0136» referi como a Pirite cristaliza com a forma de um Cubo.

A Magnetite e a Fluorite também se nos podem apresentar como cristais cúbicos, sobretudo a segunda, mas ocorrem igualmente com a forma de um Octaedro: 


A magnetite é uma mistura de FeO e de Fe2O3, dois óxidos de ferro e, como o seu nome deixa adivinhar, é um mineral com a propriedade do magnetismo, tendo sido utlizado para fabricar bússolas. O seu nome tem origem na região de Magnésia, na Grécia, que quer dizer «lugar das pedras mágicas».
A fluorite é basicamente composta por fluoreto de cálcio, CaF2, tendo cores muito variadas. O seu nome tem origem no latim, fluere, devido à fácil fusão deste mineral. As formas segundo as quais cristaliza são as seguintes:


Formas: 1 - cubo; 2 - combinação de cubo com rombododecaedro; 3 - octaedro dominante combinado com cubo; 4 - Octaedro combinado com cubo e com rombododecaedro; 5 - tetrahexaedro dominante combinado com cubo; 6 - Cubo dominante modificado por tetrahexaedro; 7 - cubo dominante modificado por tetrahexaedro e por trapezoedro; 8 - cubo dominante modificado por trisoctaedro.

 

Fonte: Wikipédia

Imagens: de Rob Lavinsky e de Photolitherland, em https://commons.wikimedia.org/

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

[0244] Sobre o sétimo Objectivo do Desenvolvimento Sustentável: Energias Renováveis e Acessíveis

Na mensagem «0080» foram genericamente apresentados os dezassete Objectivos de Desenvolvimento Sustentável que as Nações Unidas propuseram a todos os governos e cidadãos cumprir entre 2015 e 2030.

Já foram abordados neste blogue os seis primeiros objectivos, sendo o 7º:


Ele é assim apresentado em

Objetivo 7: Energias Renováveis e Acessíveis


“Até 2030, assegurar o acesso universal, de confiança, moderno e a preços acessíveis a serviços de energia.

Até 2030, aumentar substancialmente a participação de energias renováveis na matriz energética global.

Até 2030, duplicar a taxa global de melhoria da eficiência energética.

Até 2030, reforçar a cooperação internacional para facilitar o acesso à investigação e tecnologias de energia limpa, incluindo energias renováveis, eficiência energética e tecnologias de combustíveis fósseis avançadas e mais limpas, e promover o investimento em infraestrutura de energia e em tecnologias de energia limpa.

Até 2030, expandir a infraestrutura e modernizar a tecnologia para o fornecimento de serviços de energia modernos e sustentáveis para todos nos países em desenvolvimento, particularmente nos países menos desenvolvidos, nos pequenos Estados insulares em desenvolvimento e nos países em desenvolvimento sem litoral, de acordo com seus respetivos programas de apoio.”


As diversas fontes de energia historicamente exploradas remetem sempre para uma única origem: a energia proporcionada pelo Sol ou por outras estrelas. Ela pode ter sido incorporada nos minerais, nas plantas e nos animais, ser fóssil ou ser muscular, resultar do movimento dos ventos ou das águas, precisar de ser mais ou menos transformada, mas a sua origem situa-se sempre para além do planeta Terra.


Actualmente, o recurso às energias fósseis ainda corresponde a mais de 80 % do consumo mundial de energia. Quer isso dizer que estamos fortemente dependentes da energia solar fossilizada a qual, obviamente, tem limites (o dos organismos vivos que a captaram e o do tempo que eles viveram).

Para obter essa energia fóssil também é preciso gastar energia, e estamos a precisar de gastar cada vez mais: há um século, era necessário, em média, um barril de petróleo para extrair cem barris de petróleo; hoje, em certas zonas de perfuração, um só barril apenas permite extrair trinta e cinco (a taxa de retorno energética diminui drasticamente).

Por outro lado, precisamos cada vez mais de energia. Até a economia digital contribui para essa necessidade: a nível mundial, hoje, ela representa mais de 4 % do consumo de energia primária, aumentando 9 % por ano, sobretudo para o fabrico dos terminais e das infra-estruturas das redes digitais, mas também para o funcionamento dos equipamentos, da rede e dos servidores dos centros de dados (estes representam 19 % da pegada total do digital).

 

Em 1964, o astrónomo russo Nicolai Kardashev propôs uma classificação para as possíveis civilizações existentes no Universo. A base dessa classificação foi o seu consumo de energia:

·      as civilizações do Tipo I utilizam toda a energia da luz emitida pela estrela que ilumina o seu planeta;

·      as civilizações do Tipo II utilizam toda a energia solar produzida pela sua estrela;

·      e as civilização do Tipo III utilizam toda a energia de uma galáxia.

 

Perguntou o físico Michio Kaku: quanto tempo será necessário para passar de um destes tipos de civilização para o seguinte? Os seus cálculos foram os seguintes:

·      tendo em conta a quantidade de luz solar que ilumina um metro quadrado da Terra e multiplicando-o pela área terrestre que é iluminada pelo Sol, conclui-se que uma civilização do Tipo I na Terra utilizará 7 x 1017 watts, ou seja, mil vezes mais energia do que actualmente utilizamos; somos então uma civilização do Tipo 0,7;

·      extrapolando para toda a energia produzida pelo Sol, que se dispersa em todas as direcções que dele saem, uma civilização do Tipo II utilizará 4 x 1026 watts;

·      e conhecendo aproximadamente o número de estrelas da Via Láctea, uma civilização do Tipo III utilizará 4 x 1037 watts;

·      se o actual consumo de energia na Terra está a crescer entre 2 e 3 % por ano, precisaremos de 1 a 2 séculos para sermos uma civilização do Tipo I e uns milhares de anos para sermos uma civilização do Tipo II; mais difícil é o cálculo seguinte, devido ao problema constituído pelas viagens interestelares, mas há cálculos que apontam para precisarmos de pelo menos 100 mil anos, no máximo 1 milhão de anos, para sermos uma civilização do Tipo III.

 

Que dirão as Nações Unidas acerca destas perspectivas?

Ou ir-se-ão desunir por causa delas?

 

Os seis primeiros Objectivos do Desenvolvimento Sustentável foram apresentados neste blogue nas mensagens «0154», «0196» e «0206» (erradicar a pobreza), «0157» (erradicar a fome), «0169» (saúde de qualidade), «0176» (educação de qualidade), «0178» (igualdade de género) e «0239» (água potável e saneamento).

 

Fontes: artigo (em jornal) de Broca (2020); livros de Dartnell (2019; pp. 309-316) e de Kaku (2018; pp. 322 e 332-333)