sábado, 25 de abril de 2020

[0220] A cada libertação as suas questões


O desejo de libertação que se começou a expressar com o 25 de Abril de 1974 nasceu muito antes de esse dia acontecer. Depois, levou anos a afirmar-se, a confrontar-se, a resignar-se.

Hoje cresce um outro desejo de libertação, de que não sabemos o dia em que o poderemos começar a expressar, e muito menos sabemos o que se lhe seguirá. Todos queremos libertar-nos das várias prisões em que um simples vírus nos encerrou, umas que nos protegem, outras que expõem os que se encontram ao serviço dos que se protegem.
Respondendo ao desejo de muitos que pretendem libertar-se destas prisões o mais cedo possível, escreveu o filósofo Bruno Latour:
Isso é que não! Porque a última coisa a fazer é repetir o que fizemos antes.
Pode haver algo de impróprio em olhar assim para a era pós-crise, quando os profissionais de saúde estão «na linha de frente», quando milhões de pessoas perdem os seus empregos e muitas famílias enlutadas não podem sequer enterrar os seus mortos. E, no entanto, é importante que agora tenhamos de lutar para que a recuperação económica, logo que a crise passe, não repita o mesmo antigo regime capitalista anticlimático contra o qual tentámos até agora, em vão, lutar. Se tudo parou, tudo pode ser posto em causa.
E como forma de imaginar libertações que respondam a todos e a cada um, colocou-nos uma série de questões:
·      Das actividades actualmente suspensas, quais são aquelas que gostaria que não fossem retomadas?
·      Porque considera estas actividades: prejudiciais / desnecessárias / perigosas / incoerentes?
·      De que modo o seu desaparecimento /suspensão / substituição facilitaria / tornaria mais coerentes outras actividades que considera mais importantes?
·      Que medidas preconiza para que os trabalhadores / funcionários / assalariados / empresários que não poderão continuar a trabalhar nas actividades (que preconiza serem suprimidas) sejam adoptadas para facilitar a transição para outras actividades?
·      Das actividades agora interrompidas, quais são aquelas que gostaria de, no futuro, desenvolver / retomar, ou quais seriam aquelas que deveriam ser inventadas em substituição das primeiras?

Fonte: António Pinto Ribeiro, no jornal «Público» de 22 de Abril (p. 31), onde cita Latour e resume as suas questões

sábado, 18 de abril de 2020

[0219] Jogos para os quais há material em casa (I)



Toda a gente sabe jogar à Batalha Naval, ou, se o não sabe, rapidamente encontra quem lho explique. A seguir são sugeridas algumas ideias para quem quiser inventar e / ou experimentar variantes deste jogo.

Na Batalha Naval é costume usar-se o sistema dos 3 tiros: quando um jogador joga, anuncia 3 casas do seu adversário sobre as quais disparou. Mas existem duas regras diferentes sobre o modo de o adversário reagir: ou indica o que aconteceu em cada casa, ou indica globalmente o que aconteceu (por exemplo, 2 tiros na água e 1 tiro num barco de dois canos); esta opção torna mais difícil adivinhar onde estão situados os barcos. Escolher uma ou outra destas variantes leva a um tipo de batalha razoavelmente diferente.

Outra variante na forma de disparar é a seguinte: cada jogador anuncia um só tiro de cada vez, recebendo logo a informação sobre o seu resultado; se o tiro falhou, passa ao seu adversário a vez de jogar, mas se o tiro tiver acertado num barco, continua a jogar, sem interrupção, até falhar.

A forma tradicional do tabuleiro corresponde a um quadriculado de 10x10 casas. Esta condição pode ser alterada para dimensões superiores (por exemplo, um quadriculado de 15x15 casas), se se quiser incluir mais barcos, ou barcos dispostos em diagonal, ou ilhas dispondo de canhões, ou uma frota de aviões - ou se se quiser movimentar os barcos e os aviões!

Um exemplo de alteração do tabuleiro a que podemos chamar Batalha Naval e Terrestre: o tabuleiro é de 12x12 casas e a frota é a habitual, podendo cada jogador colocar alguns ou todos os seus barcos de 2, 3 e 4 canos em diagonal; além disso, cada jogador possui 1 ou 2 ilhas, com a(s) forma(s) que quiser, desde que a sua área total seja de 25 casas, colocando nela(s) 5 canhões, cada um correspondendo a 1 casa; os barcos, as ilhas e os canhões não se podem tocar, nem pelos lados, nem pelos vértices; o objectivo é atingir barcos e canhões; quando um tiro falha, o adversário deve indicar se foi água ou terra.
Um exemplo de colocação dos barcos, das ilhas e dos canhões:



terça-feira, 14 de abril de 2020

[0218] (III) O crescimento aproximadamente exponencial de uma epidemia


:
ZOOM … ID da reunião: …… Senha: ……
START!

: António: Stor, escreveu-nos no email que hoje vamos acabar este assunto, o que é um crescimento exponencial; temos estado cheios de trabalhos passados pelos outros stores; desta vez só queremos ouvir …
: Professor: Mas podem interromper sempre que acharem valer a pena – tal como combinámos na primeira aula.
: Cátia: Já sabe que eu, se tiver alguma coisa a perguntar, pergunto …!
: Professor: Sim, já sei! [depois de olhar para o que está a digitar, aparece uma imagem no ecrã]


: Professor: Então vamos lá! Antes de ontem fui àquele sítio que já usamos, o Worldometers, e tirei de lá estes dados sobre a evolução do número de infectados por este Coronavírus, em todo o mundo, desde o primeiro dia de que há registo. No Dia Zero já havia 580 infectados (estão a ver, à direita, em baixo); quer isso dizer que o problema tinha começado algum tempo antes. Só registei a evolução de 3 em 3 dias; antes de ontem foi o 81º dia de crescimento desta pandemia, quase três meses. O modo como o Excel regista os grandes números não é muito favorável, pois não separa os algarismos em grupos de três. Para perceberem o que está escrito, digam-me quantos infectados havia no último dia desta lista …
: Várias vozes, sobressaindo no fim a da Cátia: Com sete algarismos já é milhão. É o mesmo no eixo vertical, lá em cima. Aí são 2 milhões. Os infectados são 1 milhão mais oitocentos e tal mil, quase 2 milhões …
: Professor: Sim, é isso mesmo. Na última semana a que correspondem estes números estivemos acima de um milhão de infectados; hoje já devemos estar na casa dos 2 milhões. Olhando para esta curva, este crescimento parece ter acelerado muito nas últimas semanas, por causa do empinar da curva, mas isso é enganador. Este é um crescimento próximo do exponencial: comparem-no com estes quatro crescimentos rigorosamente exponenciais, com valores certinhos [voltando a olhar para o que está a digitar, surge nova imagem]:


: Madalena: Mas isto não são bem curvas …
: Professor: Não, não são, trata-se de uma representação simplificada de uma curva. Em cada caso foram só marcados 6 pontos, depois unidos por um segmento de recta. No gráfico anterior também estava assim, só que como nele estão marcados muitos pontos nós não percebemos que a curva, afinal, é feita por segmentos de recta.
: Professor [depois de uma breve pausa]: Observem agora: um crescimento exponencial como o dos grãos de trigo no tabuleiro de Xadrez (é a curva verde, que cresce sempre a multiplicar por 2) é mais rápido do que um crescimento do tipo juro de 14 % ao ano (curva roxa, sempre a multiplicar por 1,14), mas é muito mais lento do que os crescimentos sempre a multiplicar por 2,4 ou por 3. E, reparem, todos começam aparentemente devagar …
: Nuno: E a curva do Worldometers, é mais parecida com qual destas curvas?
: ProfessorTemos de fazer as contas. E partir do princípio de querermos uma curva exponencial, isto é, à medida que o tempo passa o crescimento resulta de multiplicarmos sempre pelo mesmo número. Então: se no Dia Zero havia 580 infectados, no Dia Três havia 580 vezes esse número; ainda o desconheço, pelo que o vou designar por R (nos quatro gráficos anteriores chamei-lhe Razão); será um número mais próximo do 1,4 ou do 3?!
: Professor (depois de ouvir respostas para todos os gostos): Já vamos ver … Temos então no Dia Três 580 R. No Dia Seis voltando a multiplicar por R, teremos …
: Joana: 580 R vezes R dá … 580 R2.
: Professor: Certo. Se continuarmos a fazer isto, de 3 em 3 dias, quantas vezes o teremos de fazer? E que resultado final obteremos?
: Professor (resumindo um minuto de respostas, argumentos, correcções e, por fim, de quase total consenso): Temos de fazer isto 27 vezes, pelo que o resultado final é 580 R27. Belo expoente … Então, 580 R27 deve ser igual a 1 852 365! É uma equação, mas não é do 2º grau … Podem simplificá-la?
Ë Cátia (antecipando-se aos que dividiram 1 852 365 por 580): Dá R27 = 3 194, por defeito. E agora?
: Professor: Agora, com uma calculadora científica capaz de determinar o valor de raízes com índices tão grandes como 27, chega-se lá! A alternativa, usar os logaritmos, vocês só a vão aprender no Secundário. Alguém tem à mão uma calculadora que faça esta continha?
: Orlando (depois de uns segundos sem se ouvir nada): Dá … dá 1,348 … nunca mais acaba de algarismos … isto não deve ser um número racional … e é um número mais baixo do que o 1,4 das quatro curvas exponenciais na imagem que o Stor projectou atrás …
: Professor: Certíssimo! Vamos então verificar, fazendo o cálculo inverso: usem R = 1,3483 e calculem 580 x 1,348327.
Ë Vários (um tanto caoticamente): Dá 1 852 099 … É um pouco menor do que os 1 852 365 … Incrível!
: Professor: Portanto, se o crescimento desta curva fosse constante, e exponencial, ao fim de cada 3 dias o número de infectados aumentaria de 34,8 % - quase 35 %. Essa curva está a seguir a azul, comparada com a curva com os dados do Worldometers:


: Professor: Todas as irregularidades da curva a vermelho levam-nos a pensar nas diferenças que existem entre o mundo real e os modelos que usamos para o percebermos. Neste caso, a realidade parece estar a dar-nos um pequeno sinal de que as coisas se vão tornar menos graves … não me apetece chamar exponencial a esta curva … Bom, estamos em cima da hora. Na próxima aula vamos retomar o programa. A não ser que vocês tenham mais questões que me voltem a desviar dele …
: Vários: Não é impossível, Stor … Tchau Prof!

:
ZOOM
CLOSE

Fonte: sítio do Worldometers

domingo, 5 de abril de 2020

[0217] (II) Há diversos crescimentos exponenciais


:
ZOOM … ID da reunião: …… Senha: ……
START!

: António: Olá Stor! Estamos todos, excepto a Beatriz. Ela ainda vai precisar de algum tempo até poder aparecer aqui. Mas eu e a Hirondina temos falado com ela e achamos que ela está bem disposta (tem a família toda a apoiá-la). Só mais uma coisa: temos algum trabalho de casa preparado, já discutimos um bocado entre nós, juntámos tudo em três grupos, agora queríamos ouvir o que o Stor diz … surprise, não é?!
: Professor: Se é assim, vou ouvir …
: Gustavo: O primeiro grupo é a da soma dos grãos de trigo em todos os quadrados. Achamos que não vai começar a pôr menções de «observador» neste e naquele, pois fomos vários a andar à volta disto e todos contribuíram - esqueça lá desta vez esses sinaizinhos na avaliação. Fizemos uma tabela, uma coluna com os grãos em cada quadrado, outra com a soma de grãos até aí, e a nossa conclusão foi que dá sempre o número de grãos do quadrado seguinte, menos um – será possível?
: Professor: Mostra lá a tabela.
: Gustavo: É esta, só fomos até ao quadrado número 15, mas bate sempre certo:
: Folha no ecrã (não está bem fixa, mas percebe-se):


: Gustavo: Está a ver, o «16 383», penúltimo número na coluna da direita, é igual ao «16 384», último número na coluna do centro, menos «1» …
: Professor (levantando o polegar direito): É isso mesmo! O que vocês fizeram foi uma demonstração experimental de que isso funciona entre o «quadrado 1» e o «quadrado 14». Mas é possível demonstrar que é sempre assim – vamos ver isso no Secundário. Parabéns, ó «observadores» …
: Cátia: Agora eu. Tenho uma pergunta. O Professor falou nisto como crescimento exponencial. Mas eu vi na internet outros exemplos que não são a multiplicar por dois
: Professor: Tomaste nota de algum desses exemplos?
: Cátia: Sim, mas não percebi, pois era sobre juros, e também era comparado com o que se está a passar com esta epidemia …
: Professor: O exemplo dos juros é bom. No caso dos grãos de trigo o crescimento do número de grãos é ritmado pelos quadrados: 1, 2, 3 quadrados, etc.. No caso dos juros, o ritmo depende do prazo que é dado. Por exemplo: devo 1 000 € ao banco e o banco diz-me que terei de pagar 14 % todos os anos. Eu decidi não pagar tão cedo, pelo que vou ter esta dívida durante vários anos. O ritmo é marcado pela sequência dos anos: 1, 2, 3 anos, etc.. Agora, o que é que acontece à dívida. Durante o «ano 1» ela é igual a 1 000 €. No primeiro dia do «ano 2» ela sobe 14 % em relação aos 1 000 €. Quanto é este aumento?
ËNem todos: 1 000  x  14  %  … dá 140!
: Professor: É isso mesmo. Então passo a dever …
: Vários: 1 000 mais 140 …. 1 140.
: Professor: Certo. No início do «ano 3» o aumento já não vai ser esse, pois passará a ser 14 % de 1 140 €. Que dá …?
ËVários: 1 140  x  14  %  … 159,6.
: Igor: Devemos … 1 299,6 €, Stor. Está a ficar pior. E acho que vai ser sempre pior … Primeiro 140, depois 159 e tal …
: Professor: Os juros são assim. E a epidemia também é assim, até um certo ponto (na próxima aula lá iremos). Há pelo menos duas conclusões acerca da pergunta da Cátia: a primeira é que o ritmo do crescimento exponencial pode ser marcado por coisas diferentes (um intervalo de tempo; a passagem de um quadrado para o seguinte; etc.); a segunda é que este crescimento pode ser mais ou menos rápido, sempre «x 0,14» no caso daqueles juros, sempre «x 2» no caso dos grãos de trigo, ou sempre «3», ou sempre «x 1,7», etc.. O que caracteriza este crescimento é ser sempre «vezes o mesmo número».
: António: Já não temos muito tempo e ainda falta o grupo que estudou a distribuição de todos os grãos de trigo sobre a superfície da Terra. Tivemos uma dúvida: era para espalhar só sobre os continentes e ilhas ou sobre toda superfície do planeta, seja ela sólida ou líquida?
: Professor: Podia ser de qualquer das formas, desde que fique explícito o que se fez.
: Joana: Então o que conseguimos juntar foi isto (não tente descobrir no que vou dizer nada para as menções, pode ser?). Num metro cúbico cabem aproximadamente 15 milhões de grãos de trigo, pelo que seriam necessários 1 200 quilómetros cúbicos para guardar todos estes grãos de trigo (não nos enganarmos nestas contas deu algum trabalho, Stor …). Depois, a superfície do planeta é de aproximadamente 510 100 000 quilómetros quadrados (não precisámos de perguntar à Stora de Geografia, andámos a bisbilhotar mais uma vez na internet). Mas só cerca de 29 % é terra firme, quase 150 000 000 quilómetros quadrados. Tivemos então que dividir os mil e duzentos por este número, o que deu 0,000 008; achámos que este número era em quilómetros (ao fazermos as contas ao contrário dava tudo certo). Então a altura dos grãos de trigo seria de 8 milímetros por toda a terra sólida. Bom, Stor, não é uma altura que impressione muito …
: Professor: De facto … Tinha ficado com a ideia de que os grãos ficavam com maior altura … Mas já li isso há muito tempo …
: Luís: Mas temos outra surpresa! Percebemos que a sua ideia era impressionar-nos para que percebêssemos que aquele número é muito, muito grande. E descobrimos outro modo de o mostrar (foi na internet, claro, mas confirmámos todas as continhas). Se o filósofo quisesse contar os grãos (não os recebeu, já sabemos, e ainda bem) e contasse um grão por segundo, sem parar (nem comia, nem dormia - nada), contava apenas 86 400 grãos por dia; para contar um milhão precisava de dez dias (já morto de fome e de sono); para contar os quinze milhões que cabem num metro cúbico precisava de quase meio ano; ora ele tinha de contar mil e duzentos quilómetros cúbicos, coisa para … mais de 30 000 000 000 anos!
: Professor: Vocês hoje convenceram-me!
: Todos: Tchau Stor, porte-se bem!

:
ZOOM
CLOSE