sábado, 22 de junho de 2019

[0180] Tenho de visitar o Alhambra …

Os azulejos alicatados são um dos exemplos através dos quais é possível compreender o papel desempenhado pela geometria na arte islâmica. Eles são formados por pequenas peças de cerâmica vidrada, com diferentes formas e cores, agrupadas de maneira a formar uma trama geométrica virtualmente infinita.

Exemplos de azulejos alicatados observáveis no Alhambra (Granada, Andaluzia, Espanha):




Dado o método pelo qual são construídos, os azulejos alicatados não são condicionados pela trama quadriculada característica dos azulejos actualmente mais comuns, sendo-lhes por isso possível desenvolver tramas triangulares. Por esta razão, foi possível construir para o Alhambra painéis de azulejos onde estão representadas as 17 possibilidades matemáticas de preencher um plano.

O seguinte pedaço de um painel do Alhambra é, de acordo com o fluxograma da mensagem «0123», do tipo p6, um tipo que não é possível encontrar onde a ornamentação se baseia nos azulejos quadriculados:


Papel de parede do tipo «p6»:
tem pelo menos um centro de rotação;
a sua menor rotação é de 60º;
não tem simetrias axiais

Fonte (texto e imagens): artigo no sítio do Museo de la Alhambra

domingo, 16 de junho de 2019

[0179] Uma medida para a complexidade organizacional: a necessidade de tradutores

Li há anos uma entrevista em que alguém, para exemplificar as crescentes dificuldades administrativos da União Europeia, demostrou como o lento aumento de países membros levava a um rápido aumento dos tradutores.

Não é complicado fazer as contas.
Se apenas houver uma língua, não são necessários tradutores.
Se as línguas forem duas, basta um tradutor.
Se as línguas passarem a três, são necessários mais dois tradutores, para traduzirem a nova língua em relação às duas anteriores.
Com este raciocínio para a terceira língua podemos generalizar para cada nova língua que se lhe seguir: ela exigirá tantos novos tradutores quantas as línguas que já existiam antes!


Torre de Babel (Pieter Brueghel, o Velho, 1563)

Então é possível ir calculando quantos tradutores são necessários à medida que o número de línguas for crescendo (supõe-se que basta um só tradutor para cada par de línguas; na União Europeia devem ser necessários muitos mais …):




Para N línguas, o número de tradutores será então igual a
1 + 2 + 3 + 4 + 5 + … + (N – 2) + (N – 1),
o que é igual a
(N2 – N) : 2

Este problema é equivalente a um outro, muito usado nas aulas de Matemática do 3º Ciclo, o dos apertos de mão: num determinado encontro participam N pessoas; se todas se cumprimentarem, quantos apertos de mão serão dados?
Qualquer destas versões também pode ser usada na Matemática do Secundário para ilustrar as Combinações de N elementos 2 a 2.

No caso ilustrado pela União Europeia, o crescimento do número de países (N) implica um crescimento ainda mais rápido do número de tradutores. Diz-se, na Matemática, que é um crescimento do tipo polinomial, por ser dado por uma expressão com a forma de um polinómio, (N2 – N) : 2, que também se pode escrever como ½ N2 - ½ N.
Trata-se de um rápido crescimento da complexidade, mas há outros que são ainda mais radicais …


sábado, 8 de junho de 2019

[0178] Sobre o quinto Objectivo do Desenvolvimento Sustentável: igualdade de género


Na mensagem «0080» foram genericamente apresentados os dezassete Objectivos de Desenvolvimento Sustentável que as Nações Unidas propuseram aos governos e aos cidadãos do mundo cumprir entre 2015 e 2030.
Na mensagem «0154» referi o primeiro desses objectivos, erradicar a pobreza, na «0157» o segundo, erradicar a fome, na «0169» o terceiro, saúde de qualidade e na «0176» o quarto, educação de qualidade.

O 5º desses objectivos é:




Objetivo 5: Igualdade de género


Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas, em toda parte.
Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos.
Eliminar todas as práticas nocivas, como os casamentos prematuros, forçados e envolvendo crianças, bem como as mutilações genitais femininas.
Reconhecer e valorizar o trabalho de assistência e doméstico não remunerado, por meio da disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e políticas de proteção social, bem como a promoção da responsabilidade partilhada dentro do lar e da família, conforme os contextos nacionais.
Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, económica e pública.
Assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos, em conformidade com o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento e com a Plataforma de Ação de Pequim e os documentos resultantes de suas conferências de revisão.
Realizar reformas para dar às mulheres direitos iguais aos recursos económicos, bem como o acesso à propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, serviços financeiros, herança e os recursos naturais, de acordo com as leis nacionais.
Aumentar o uso de tecnologias de base, em particular as tecnologias de informação e comunicação, para promover o empoderamento das mulheres.
Adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de género e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todos os níveis.

Hoje, 8 de Junho, é Dia Mundial dos Oceanos, tendo as Nações Unidas escolhido como um dos temas centrais para esta celebração O género e o oceano.
Os argumentos resumidamente apresentados para esta escolha referem que:
·      as mulheres e as crianças têm um risco 14 vezes superior de ser atingidas pelas catástrofes naturais (e as perturbações provocadas pelas mudanças climáticas atingem, em particular, as costas marítimas);
·      os conhecimentos sobre o mar e as pescas são transmitidos quer por via paterna quer por via materna;
·      metade dos trabalhadores na aquacultura são mulheres, que recebem apenas 64 % do que os homens recebem como salário, tendo ainda menor acesso aos cargos onde são tomadas as decisões;
·      só 2 % dos 1,2 milhões de marinheiros são mulheres;
·      só 24 % dos membros dos parlamentos e 38 % dos cientistas marinhos são mulheres.


São argumentos importantes.
Mas, parece-me, têm pelo menos dois pontos fracos:
·      a participação nas decisões deve ser garantida a todas as mulheres (e a todos os homens) e não defendida apenas para que umas e outros disponham de cargos representativos;
·    não se deve pressupor uma igualdade percentual de género em toda e qualquer profissão (50 % de mulheres, 50 % de homens), mas sim combater qualquer sinal de descriminação no acesso profissional (do tipo: elas querem, eles não deixam; ou vice-versa).

Fonte: sítio da Nações Unidas (para o Dia Mundial dos Oceanos)

domingo, 2 de junho de 2019

[0177] Um diagnóstico precoce do «princípio meritocrático»


O sociólogo britânico Michael Young (1915-2002) publicou em 1958 um ensaio prospectivo a que chamou The Rise of the Meritocracy.
Escreveu-o como um livro de ficção científica, no qual um sociólogo, em 2033, analisa a estratificação social resultante de uma longa e sistemática aplicação do princípio meritocrático a toda a população, através das escolas:



Emmanuel Todd (nascido em 1951) citou desse ensaio o seguinte pedaço:

Segundo as novas regras, a divisão entre classes revelou-se mais forte do que era segundo as antigas; o estatuto das classes superiores é, doravante, mais elevado, o das inferiores, mais baixo. […] Todos os historiadores sabem que o conflito de classe era endémico na época anterior ao reinado do mérito, e poderia esperar-se, tendo em vista a sua experiência passada, que o abaixamento rápido do estatuto de uma classe social conduzisse necessariamente ao agravamento dos conflitos. Donde a questão: porque é que as alterações do século passado não conduziram a uma tal situação? Porque é que a sociedade é estável apesar do fosso que se amplia entre o seu topo e a sua base?
A razão fundamental para tal facto é que a estratificação social é agora, de acordo com a ideia de mérito, aceite a todos os níveis da sociedade. Há um século, as classes inferiores tinham a sua própria ideologia – nos seus traços essenciais, aquela que hoje em dia se tornou dominante – e podiam utilizá-la para elas próprias progredirem e para atacarem os seus dominantes. Negavam a legitimidade da posição das classes superiores. Com o novo princípio, as classes inferiores já não podem, contudo, ter uma ideologia específica oposta ao ethos social dominante, do mesmo modo como as ordens inferiores não a tinham no período áureo do feudalismo. Na medida em que, tanto na base como no topo da sociedade, se admite que o mérito deve reinar, os membros das classes inferiores podem quando muito contestar o modo como a seleção foi efetuada, mas não opor-se a uma norma a que todos aderem. Nada de chocante neste estádio. Não cumpriríamos todavia o nosso dever de sociólogos se nos esquivássemos no momento de sublinhar que a aceitação generalizada do mérito como árbitro apenas pode condenar ao desespero e à impotência todos aqueles, e são numerosos, que não têm mérito …

Fonte: Todd (2018; pp. 309-311)
Imagem: Wikipédia (em inglês)