A revista Educação e Matemática convidou para uma mesa redonda, realizada online, alguns dos membros da equipa que elaborou as Aprendizagens Essenciais (AE) para o Ensino Secundário, que, durante este ano lectivo, estão a ser experimentadas em escolas piloto. Participaram nela Jaime Carvalho e Silva (coordenador da equipa), Alexandra Rodrigues, Carlos Albuquerque, João Almiro, Paulo Correia e Susana Carreira:
Participantes na mesa redonda |
Cada alteração curricular é feita de
acordo com uma teoria curricular e, segundo Stephen Kemmis, qualquer delas procura responder a um duplo problema, o das “relações entre a teoria e a
prática” e, mais em geral, o das “relações entre educação e sociedade”:
o
“currículo é um produto da história humana e social
e um meio através do qual os grupos poderosos exerceram uma influência muito
significativa sobre os processos mediante os quais eram e são educados os
jovens”.
Segundo ele existem três teorias curriculares.
A primeira é a teoria técnica, que predominou até meados da década de 1970,
baseava-se no princípio da divisão social do trabalho. Freema Elbaz descreveu-a
assim, num estilo intencionalmente caricatural: “um sujeito (o planificador),
ajudado por um segundo sujeito (o avaliador), escreve objectivos e prepara
matérias para uma terceira pessoa (o aluno), que serão desenvolvidas por um
quarto sujeito (o professor) de forma linear”.
A segunda, a teoria
prática, de acordo com Lawrence Stenhouse, pretende que o currículo
seja “uma ferramenta nas mãos do professor”, sendo necessária “a revisão
constante dos objectivos e a sua adaptação às necessidades de aprendizagem dos
alunos”; isso pressupõe “a atribuição de uma ampla autonomia às escolas e aos
professores” e “uma relação menos hierárquica” entre os professores e os
especialistas curriculares.
E a terceira, a teoria
crítica, considera que o currículo é um instrumento nas mãos de
todos os intervenientes, em pé de igualdade. Shirley Grundy, uma das suas defensoras,
comentou-a deste modo: “Quando alunos e professores, em conjunto, desafiam [a
ascendência daqueles que têm o poder de controlar o currículo, reclamando] o
direito de eles próprios determinarem o [seu] significado, o processo da
construção do currículo torna-se um acto político.”
Para José
Augusto Pacheco (a quem devo as anteriores citações), os papéis
desempenhados pelos principais actores e os processos em que se envolvem eram substancialmente
diferentes.
Na «teoria técnica» tudo decorria etapa a etapa, conduzido por um Estado normativo com o apoio técnico dos especialistas. Em Portugal, Reforma
de Roberto Carneiro, implementada ao longo da década de 1990, exemplificou esta
teoria.
Nas outras duas teorias as etapas processuais não estão radicalmente separadas,
existindo alguma interacção entre elas: na «teoria prática», os especialistas
eram os autores, o Estado o promotor
da participação e os professores os interlocutores, supondo-se que, por sua
vez, adoptariam semelhante procedimento com os seus alunos; e na «teoria
crítica», os professores e os alunos surgiam com as suas próprias iniciativas, cabendo ao Estado promover
processos de negociação.
Em Portugal, olhando para a descrição feita por Pacheco, as sucessivas
alterações curriculares que se têm sucedido nas últimas três décadas são claros
exemplos da teoria prática. Escreveu Pacheco, como que a justificá-lo: os
“modelos de racionalidade crítica” coexistem dificilmente com as “práticas
centralizantes” da nossa administração pública, pelo que os “modelos de
racionalidade prática” têm maiores oportunidades de vingar.
Um dos
participantes na mesa redonda promovida pela revista Educação e Matemática, Carlos
Albuquerque, professor universitário, comentou assim, a dada altura,
o trabalho da equipa que elaborou as AE para o Secundário:
“Há uma imagem que eu gosto que
é: isto é uma peça, as aprendizagens essenciais são como uma peça musical. Nós fizemos
o trabalho do compositor. Os compositores fazem uma peça, é um trabalho que foi
composto para músicos muito bons, para músicos profissionais com experiência. Às vezes, os compositores
colaboram com os músicos que vão fazer os primeiros espetáculos.”
Que
pensam os leitores sobre a «racionalidade» pressuposta nesta visão do
currículo: será ela técnica, prática ou crítica?
Fontes: livro de Pacheco (1996); artigo do «Educação e
Matemática», Nº 170
Imagem: Educação e Matemática, Nº 170
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