domingo, 12 de setembro de 2021

[0287] A Matemática e as Ludotecas (III): qual o valor relativo das peças de Xadrez?

Lembro-me de num dos meus primeiros livros de Xadrez ter lido uma argumentação matemática para fundamentar o valor relativo que os jogadores habitualmente atribuem às peças deste jogo.

O início dessa argumentação era o seguinte: colocadas no centro do tabuleiro, sem os entraves resultantes da presença de outras peças, cada uma delas dispõe aí do seu número máximo de movimentos possíveis, a Dama com 27, a Torre e o Bispo com 14 e o Cavalo com 8:



Mas se estas peças se aproximarem dos bordos do tabuleiro, o seu número de movimentos reduz-se, excepto no caso da Torre. O seguinte mapa mostra o número de movimentos possíveis de cada uma delas a partir das 64 casas do tabuleiro (no caso do Bispo são apenas 32 casas, pois ele só se movimenta ou em casas brancas, ou em casas pretas):



Esta quantificação justifica um dos princípios que costumam ser ensinados aos jogadores principiantes: quase sempre, as peças colocadas no centro do tabuleiro são mais valiosas.

A partir daqui já não me recordo como prosseguia a argumentação matemática que li naquele velho livro de Xadrez. Talvez fosse parecida com a que se segue.
No tabuleiro em geral, o valor de cada peça pode ser traduzido pela adição dos movimentos possíveis nas 64 casas, que é igual a 1456 no caso da Dama, a 896 no da Torre, a 280 no do Bispo e a 336 no do Cavalo.
Agora, para transformar estes valores absolutos em importância relativa, pode-se dividir todos eles, sucessivamente, pelos mesmos divisores, até que todos os dividendos sejam inferiores a 10. Por exemplo:


Esta valorização relativa das peças é próxima daquela que é tradicionalmente ensinada no caso das duas peças mais fortes, e não tão próxima no caso das duas mais fracas: a Dama valerá 9, a Torre 5 e o Bispo, tanto como o Cavalo, 3, valores que oscilarão com as particularidades estruturais de cada jogo e com o potencial das peças (e dos Peões e dos Reis) à medida que o jogo se desenrola.

O raciocínio meramente quantitativo não explica as razões pelas quais o Bispo e o Cavalo são mais valorizados pela experiência do que pela argumentação que desenvolvi acima. Talvez seja suficiente dizer que estas duas peças têm maiores oportunidades para se movimentar quando as posições de jogo são mais fechadas. E que os Bispos têm uma grande facilidade em se articular com os seus Peões.
Este é um bom exemplo para mostrar que o «conhecimento» se origina na «experiência», e não na «ciência», sendo esta apenas uma das fronteiras em que o «conhecimento» é socialmente validado.

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