A nova unidade de comprimento
que o abade Gabriel Mouton propôs, em 1670, equivalente a um minuto de grau de um meridiano (quase dois
quilómetros actuais), foi substancialmente reduzida em 1789. A comissão que a
Constituinte francesa nomeou com o objectivo de concretizar a ideia de um novo
sistema de unidades preferiu que a unidade de comprimento que a ia integrar tivesse
uma dimensão próxima do que era manejado no quotidiano. Para tal, estabeleceu a
célebre equivalência do metro ao comprimento
da décima milionésima parte do quarto do
meridiano terrestre.
A expedição em que foram
envolvidas as equipas de Jean-Baptiste Delambre, partindo
de Dunquerque, e de Pierre Méchain, partindo
de Barcelona, entre 1792 a 1799 mediu o
comprimento de quase 10º de um dos meridianos que passa próximo destas duas
cidades (ver mensagem «0224»). Denis Guedj, em «A Meridiana», descreve
de um modo pormenorizado o trabalho destas duas equipas, sem deixar de referir o
contexto de uma revolução que então agitava a França e a Europa:
Depois de medirem cuidadosamente a latitude dos pontos de partida,
o trabalho mais demorado das duas equipas foi o de estabelecer uma sequência de
triângulos que unisse, sem interrupção, os dois extremos da fracção
de meridiano a medir. Os triângulos deveriam estar unidos uns aos outros
através dos vértices.
E estes deveriam situar-se em pontos elevados, para que de cada um se pudesse
avistar os outros vértices do triângulo (ou dos triângulos) de que fazia parte:
podia estar no topo de um pico montanhoso, de um campanário, de uma torre; e,
sempre que fosse necessário, para que um vértice fosse mais visível, ou mais
bem definido, seria construído nele um «sinal», em madeira.
A sequência de triângulos que as duas equipas construíram foi
a seguinte:
Como se vê nesta sequência de triângulos, os vértices
situavam-se quer de um quer do outro lado do meridiano a medir. As únicas
medidas a medir, e a registar, nesta fase, deveriam ser as dos ângulos
dos triângulos e o instrumento usado para os medir era o teodolito. Este era colocado
sobre um vértice e cada uma das suas lentes era apontada para os outros
vértices do triângulo cujos ângulos estavam a ser medidos. Muito importante: cada
ângulo seria medido várias vezes e o seu valor final corresponderia à média das
medições; reduzia-se, assim, a imprecisão das medidas isoladas.
Depois de unida a sequência de triângulos vinda do Norte com
a sequência vinda do Sul, apenas os ângulos destes triângulos eram conhecidos:
os seus comprimentos podiam ser maiores, podiam ser menores …
Iniciou-se então o trabalho necessário para determinar a
dimensão dos lados dos triângulos. Cada equipa construiu uma base,
a de Delambre perto da cidade de Melun, a de Méchain perto da cidade de
Perpignan (elas estão assinaladas no mapa acima). Cada uma destas bases
correspondia ao lado de um dos triângulos mais pequenos da sequência, devendo o
seu comprimento ser medido com o máximo rigor. Para tal, numa e noutra, foi construída
uma ponte, em madeira, a uma certa altura do solo, que deveria permitir que se
traçasse sobre ela um segmento de recta
(foram usados miras
e níveis
para conseguir esta linearidade). Depois foram sucessivamente colocados sobre cada
uma destas pontes réguas de platina (material pouco sensível a
dilatações ou a contrações devido às alterações de temperatura), sem se tocarem
(para que a colocação de uma não alterasse a posição da anterior), e contadas
as réguas colocadas e somados os intervalos entre elas. Dispôs-se, assim,
finalmente, do comprimento de um lado, um em Melun, outro em Perpignan.
Através do cálculo trigonométrico foram calculados os
lados do primeiro triângulo a Norte e do primeiro triângulo a Sul. E à medida
que os triângulos seguintes foram dispondo da medida de um lado, todos os triângulos
acabaram por ter os seus três lados medidos.
Este conhecimento ainda não indicava qual a distância entre
Dunquerque e Barcelona, sobre o meridiano escolhido. Ela só poderia ser
determinada indirectamente, projectando uma sequência de lados de triângulos
sobre esse meridiano e recorrendo, mais uma vez, ao cálculo trigonométrico.
Por fim, da posse dessa distância, e para cumprir a
definição de «metro» estabelecida pela comissão, calculou-se a diferença de
latitudes entre Dunquerque e Barcelona (uma simples subtracção), determinou-se a
que fracção de 90º correspondia esta diferença (uma simples divisão), multiplicou-se
a distância Dunquerque – Barcelona (sobre o meridiano) pelo inverso desta
fracção e … dividiu-se este resultado por dez mil.
A nova unidade, o metro, expressa
nas velhas unidades, equivalia a 3 pés, 11 linhas e 296 / 1000 da toesa do
Perú!
Fonte: Guedj
(1988; especialmente as pp. 45-46, 82.83, 224-229 e 249)
Imagens: capa
do livro e Guedj; mapa encontrado via Google