sábado, 23 de fevereiro de 2019

[0164] O jogo como alegoria da vida


Os jogos são usados para interpretar situações, não poucas vezes extremas, das nossas vidas.

Atente-se no poeta árabe Ibn al-Labba (século XII), que, por altura da primeira conquista de Xelb (actual Silves) pelos cristãos, em 1189, escreveu:

Somos peças de xadrez nas mãos da fortuna
E o rei poderá cair às mãos de um humilde peão.
Não te preocupes com este mundo
Nem com as pessoas que nele vivem
Pois agora este mundo está perdido,
Desprovido de homens dignos desse nome.

Ou atente-se na força com que o realizador sueco Ingmar Bergman (1918 – 2007) colocou uma partida de Xadrez, disputada pela morte, no centro da sua obra-prima:

O sétimo selo (1957)

E atente-se, ainda, no modo como as peripécias entre os protagonistas de um dos filmes do realizador francês Alain Resnais (1922 – 2014) nele surgem transfiguradas numa obsessiva disputa de uma variante do jogo conhecido por Nim:

O último ano em Marienbad (1961)

Este será, aliás, um dos treze jogos que será possível experimentar na próxima 4ª feira, dia 27 de Fevereiro, na Associação Almada Mundo (na Cova da Piedade), a partir das 15h00.

As suas regras, bem como as de outros dos jogos a experimentar (e, se possível, dos respectivos tabuleiros) encontram-se a partir de hoje na pasta da Dropbox que está acessível a partir da página «Outros Documentos» deste blogue.

Fontes: Page (2008; p. 77); Wikipédia, versão portuguesa (acerca de Silves e de Ibn al-Labba)

domingo, 17 de fevereiro de 2019

[0163] A fisga e o caderno dos deveres


Datado de 1996, o CD Rio Grande inclui dez composições com música de João Gil e letra de João Monge:


Estas dez composições ficcionam a história de vida de um alentejano que emigrou para a Margem Sul do Tejo, onde se tornou operário da Lisnave, e que muitos anos depois regressou, cansado, para a beira do seu Guadiana.

A primeira composição descreve-o na escola:

A FISGA

Trago a fisga no bolso de trás
E na pasta o caderno dos deveres
Mestre-escola, eu sei lá se sou capaz
De escolher o melhor dos dois saberes

O meu pai diz que o Sol é que nos faz
Minha mãe manda-me ler a lição
Mestre-escola, eu sei lá se sou capaz
Faz-me falta ouvir outra opinião

Eu até nem sequer sou mau rapaz
Com maneiras até sou bem mandado
Mestre-escola, diga lá se sou capaz
Pra que lado é que me viro. Pra que lado?

Trago a fisga no bolso de trás
E na pasta o cadernos dos deveres
Mestre-escola, eu sei lá se sou capaz
De escolher o melhor dos dois saberes

Instrumentalmente e vocalmente intervieram nesta composição: João Gil (guitarra acústica); Rui Veloso (guitarra acústica e requinta); Tim (baixo e voz); Jorge Palma (piano FP8); e Rui Veloso, Jorge Palma, Vitorino e João Gil (coros).

Fonte: CD «Rio Grande» (1996)



domingo, 10 de fevereiro de 2019

[0162] A discreta vida das plantas durante o Inverno


Ao longo do Inverno as plantas não interrompem o seu ciclo de vida anual, embora muitas o prossigam muito lentamente …

Talvez seja entre as herbáceas que encontramos plantas com maior capacidade para se manifestar visivelmente no Inverno.
Já referi o Sininho-da-neve e o género Crocus, que podem florir em ambientes nevados (mensagem «0110»). E acrescento agora, para climas menos extremos, diversas outras ervas que dão flor em pleno Inverno: nos relvados próximos das nossas casas, as Margaridas-comuns, cujas pequenas flores brancas (por vezes rosa) formam grupos aqui e acolá e que assim se vão manter durante meses, desde que a relva não seja cortada …; e nos espaços mais selvagens, a Serralha, a Erva-dos-moinhos, o Dente-de-Leão e o Trevo-azedo, que nos mostram as suas flores amarelas bem antes da Primavera chegar.
Esta última, por ser oriunda da África do Sul, é considerada espécie exótica em Portugal. Mas também é a dá mais cor aos campos ao longo dos quais caminhamos nesta altura do ano:

Trevo-azedo (Oxalis pes-caprae)

Os arbustos não são tão bons a florir durante o Inverno. Mas ao longo de algumas estradas já podemos ver que o Piorno-branco e a generalidade das Acácias deram flor. Este último grupo, cujas fores são amarelas, é oriundo da Austrália, pelo que foi considerado invasor em Portugal. A maioria das suas espécies reúne as flores em pequenas esferas, contrariamente à Acácia-das-espigas, que as reúne em espigas:


Acácia-das-espigas (Acacia longifolia)

As árvores parecem ser as mais reservadas. Uma ou outra aproveita o Inverno para fazer crescer os seus frutos, como é o caso das Nespereiras (mensagem «0095»); bastantes mais tratam de os amadurecer e/ou de os dispersar, como o fazem a Mélia (mensagem «0095»), a Magnólia (mensagem «0143») e o Jacarandá (mensagem «0158»).

As árvores de folha caduca fazem crescer pequenos botões, dos quais sairão em breve as folhas e as flores, como se pode observar no Carvalho-alvarinho:

Carvalho-alvarinho ou Carvalho-roble (Quercus robur)

Algumas árvores já mostram pequenas folhas e amentilhos, como são os casos da Amoreira-branca e da Amoreira-negra. E em breve as Ameixoeiras-de-jardim abrirão as suas folhas avermelhadas (mensagem «0025»), seguindo-se todas as outras árvores, arbustos e herbáceas, como as Olaias, as Glicínias e as Estevas (Mensagem «0028») …

Estas manifestações de vida são visíveis em todo o lado, também perto de qualquer escola, por vezes dentro delas. Quando nos livraremos da rigidez dos exames e dos rankings para as poderemos admirar e observar?

Fontes bibliográficas: Bingre (2007; pp. 181 e 242); Lima (2017; p. 127)

Fotografias: Eva Maria Blum (primeira fotografia) e Pedro Esteves (segunda e terceira fotografias)


domingo, 3 de fevereiro de 2019

[0161] Uma pitada de Matemática para entender os Megamilionários



O historiador Rui Tavares colocou com frontalidade, num dos seus artigos políticos de opinião, a seguinte pergunta: Precisamos de megamilionários?
Para tentar descreve o que é um megamilionário Rui Tavares começou por referir Calouste Gulbenkian, considerado, em meados do século passado, o homem mais rico do mundo, com uma fortuna que seria hoje equivalente a quase seis mil milhões de €uros.
O primeiro contributo que a Matemática pode prestar a esta descrição é escrever este número com todos os algarismos que lhe são devidos:

6 000 000 000 de €uros

Depois Rui Tavares refere o caso de Jeff Bezos, o actual sucessor de Gulbenkian como homem mais rico do mundo. Aos 55 anos ele já tem uma fortuna avaliada em cento e cinquenta mil milhões de €uros, ou seja:

150 000 000 000 de €uros

Fazendo as contas, Bezos é actualmente 25 vezes mais rico do que Gulbenkian era 70 anos atrás.
Mas estes dois casos apenas dão uma ideia relativa da riqueza de dois homens muitíssimo ricos. Por isso Rui Tavares procurou dar uma ideia de quanto serão mil milhões de €uros por comparação com o que apenas 5 % dos portugueses mais ricos auferem anualmente: 50 mil €uros. Se nada deste montante fosse gasto (no dia-a-dia, ou com os impostos) nem aumentado (com investimentos, ou com juros), seriam necessários:

20 anos para juntar 1 milhão de €uros,
200 anos para juntar 10 milhões de €uros,
2 000 anos para juntar 100 milhões de €uros e
20 000 anos para juntar os tais 1 000 milhões de €uros.

“Jeff Bezos tem 150 desses”, concluiu Rui Tavares.

A pergunta mais difícil de responder com o apoio da Matemática é sobre o modo como se obtém tanto dinheiro. Poderá haver génio da parte de quem o consegue, mas também há “exploração do trabalho de muita gente” e um extenso aproveitamento dos “bens públicos”, esclareceu Rui Tavares.

É mais fácil responder ao que significa gastar individualmente estas quantidades enormes de dinheiro. Supondo que o megamilionário gasta 1 €uro por segundo (propôs Rui Tavares), ele gastaria (calculo eu):

1 €uro por segundo x 60 x 60 x 24 = 86 400 de €uros por dia e
86 400 €uros por dia x 365,25 = 31 557 600 de €uros por ano,

isto é, quase 32 milhões de €uros por ano, pelo que necessitaria de aproximadamente 31 anos para gastar mil milhões e mais de 4 500 anos (mais ou menos a idade das pirâmides do Egipto) para gastar os 150 mil milhões …

Resta pensar no significado de uma tal fortuna sob o ponto de vista colectivo.
Para lhe responder, lembrou Rui Tavares, pode ter-se em conta que a quantia de 150 mil milhões de €uros é maior do que o Produto Interno Bruto de 125 países, “mais de metade das nações do mundo.” E (dado que os montantes destas fortunas têm estado a crescer) em breve ultrapassará o Produto Interno Bruto português, que anda pelos 200 mil milhões de €uros.
E um tal poder económico tem impacto no poder político (e até militar), e aí a Matemática deixa de dar qualquer ajuda: ninguém deve “deter sozinho tal poder”, escreveu Rui Tavares. Com ele dominar-se-ia a política e os media de regiões inteiras do mundo e … até se poderia dispor de um arsenal nuclear privado …

Fonte jornalística: Tavares (2019)