domingo, 16 de fevereiro de 2025

[0360] A Matemática e as Ludotecas (VI): a combinatória do Xadrez 960

O jogo do Xadrez, apesar de muito interessante, proporciona muita vantagem a quem possui um conhecimento pormenorizado das suas primeiras jogadas (as «aberturas«). Entre as suas muitas variantes que já foram experimentadas, uma foi proposta, em 1996, pelo ex-campeão mundial Bobby Fisher (1943 – 2008), com o objectivo de favorecer jogos em que a criatividade tivesse mais espaço. Começou por ser conhecida como «Xadrez Aleatório de Fischer» (Fischer Random Chess), sendo igualmente designada por Xadrez 960.

O Xadrez 960 utiliza o mesmo tabuleiro e as mesmas peças que o Xadrez Clássico, mas coloca aleatoriamente as que se situam na primeira fila dos dois jogadores, submetendo a colocação a algumas condições e mantendo as peças brancas e negras dispostas simetricamente (Rei em frente de Rei, Dama em frente de Dama, etc.).

No sítio https://lichess.org/ é possível jogar esta variante contra o computador (que usa o programa Stockfish), escolhendo para este o nível que se desejar e para si próprio ou as brancas ou as negras. No figura seguinte está a posição inicial de uma partida, em que um Anónimo (que fui eu) joga de brancas, estando o Stockfish no nível 4 (ele tem 14, mas só os 8 primeiros nos são disponibilizados):


Antes de Fisher propor esta variante já havia sido experimentada uma outra, com ela muito parecida, em que não havia qualquer limitação à distribuição aleatória das grandes peças. O primeiro jogo que se conhece, registado, decorreu na cidade alemã de Mannheim, em 1842, opondo Van der Hoeven e Alexandre.
O que Fisher introduziu de novo foram duas condições destinadas a garantir, tal como no Xadrez Clássico, que os Bispos estejam situados em casas de cor diferente e que as Torres estejam situadas de modo que o Rei fique entre elas, para que possa ser executado um dos roques.

O que me atraiu a pensar nesta variante foi o número «960»: como teria sido ele calculado?

Para trabalhar este problema (que é do tipo «combinatório») com alunos, deve ser-lhes deixado algum tempo para que imaginem possíveis estratégias e as discutam, antes de avançarem para a resolução. Uma que poderá ser escolhida é a seguinte, dividida em quatro passos:

(1) Colocação dos Bispos. Havendo 4 casas brancas e 4 casas pretas disponíveis, o total de combinações para a posição destas duas peças é 4 x 4 = 16.

(2) Colocação do Rei e das Torres. O Rei só pode ser colocado numa das 6 casas centrais (isto é, excluídos os «cantos»), para que qualquer dos «roques» possa ser feito; mas é preciso ter em conta que, algures, estão os dois Bispos, sendo portanto necessário ver o que acontece nas 16 posições em que os Bispos podem estar colocados no tabuleiro; um exemplo é este (um Bispo colocado num canto e o outro a alguma distância dele:


Entre os dois Bispos tem de ser reservada 1 casa para uma das Torres, pelo que só sobram 4 casas para o Rei (tal como expliquei, não podem ser ocupadas nem a casa ao lado do Bispo esquerdo nem a casa do extremo direito); começando pela esquerda, a primeira dessas 4 posições do Rei é a seguinte:


A Torre da esquerda só tem 1 casa para ser colocada; e a outra tem 4 casas; então o total de combinações para as Torres é 1 x 4 = 4.

A segunda das 4 posições do Rei é esta:


Agora a Torre da esquerda tem 2 casas para ser colocada e a da direita tem 3; o total de combinações para a sua colocação é 2 x 3 = 6.

A terceira das 4 posições do Rei:


A Torre da esquerda tem 3 casas para ser colocada e a da direita tem 2; total de combinações, 3 x 2 = 6.

Finalmente, a quarta das 4 posições do Rei:


A Torre da esquerda tem 4 casa para ser colocada e a da direita só tem 1 casa; então o total de combinações para as Torres é 4 x 1 = 4.

Para esta posição inicial dos Bispos há 4 + 6 + 6 + 4 = 20 combinações viáveis para a colocação do Rei e das duas Torres; fazendo um raciocínio semelhante para as outras 15 posições iniciais dos Bispos, chega-se à mesma conclusão, em qualquer delas há apenas 20 combinações para a colocação destas três peças.

(3) Colocação da Dama e dos Cavalos. Como só sobram 3 casas vagas, há 3 possibilidades para a colocação da Dama; e os Cavalos são colocados nas 2 casas restantes; assim, o total de combinações para a posição destas três peças é 3.

(4) Então o número de posições iniciais possíveis para as oito peças é de 16 x 20 x 3, ou seja, 960.

Resta ainda uma questão prática: como colocar as peças aleatoriamente?
Existe software para o fazer (como o Lichess nos mostra), mas há outras soluções. Tendo em conta que apenas é preciso escolher «entre 2», «entre 3» e «entre 4» casas, como usar para tal um simples dado de 6 faces?
Alguém faz uma proposta?

Para quem gosta de jogar o melhor é experimentar. A partir da posição inicial mostrada acima (nela o Lichess informa-nos que ela é a nº 249), tentei a minha sorte (fiz alguns erros pelo meio, que me levaram a «andar para trás» depois de perceber que alguns lances tinham sido maus, usando para isso uma seta enrolada que está visível, à direita, durante o jogo) e consegui a vitória que vos dedico abaixo (clicar para ver o GIF):

https://lichess1.org/game/export/gif/white/EdiTsGJA.gif?theme=brown&piece=cburnett.

Boa sorte para quem quiser experimentar!


Nota: Ingo Althöfer já propôs um modo de usar um dado de 6 faces para a distribuição aleatória das peças, mas não fui procurar como ...


Fonte s(informação e imagens): sítios da Lichess e da Wikipédia

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

[0359] As plantas urbanas em Janeiro

Apesar de, nesta época do ano, não lhes prestarmos muito atenção, há plantas que estão a nascer, há plantas que estão em flor e até há plantas que já têm os seus frutos a crescer.


Aquela que mais me impressionou em Janeiro foi o Trevo-azedo. Já havia começado a florir em Dezembro, e assim se manteve ao longo de quase todo o mês passado; e, perto de Fevereiro (assim se mantendo até hoje), encheu de florzinhas amarelas as encostas baldias da Margem Sul:

Flor de Trevo-azedo, em Miratejo (fotografia em 13 de Janeiro)
A flor desta planta só abre plenamente desde que haja Sol e não muito frio


Explosão do Trevo-azedo, em Miratejo (fotografia em 2 de Fevereiro)
Quando os jardineiros municipais cortam o mato destes baldios,
o Trevo-azedo volta a florir rapidamente

É preciso não confundir os Trevos-azedos com os Trevos-comuns, que só agora estão a começar a florir. As suas flores são muito diferentes, mas as folhas apenas se confundem se não lhes prestarmos um mínimo de atenção:


Folhas do Trevo-comum (à esquerda) e do Trevo-azedo (à direita)

Há muitas outras plantas que floriram ao longo de Janeiro. Eis algumas, através de imagens de exemplares não cultivados:

Flores de uma planta do género Sonchus,
perto das praias atlânticas (fotografia em 16 de Janeiro)

Flor de Soagem, no Parque da Paz (fotografia em 27 de Janeiro)

Flores de Narciso, em Miratejo (fotografia em 1 de Fevereiro)

Alecrim em flor, no Parque da Paz (fotografia em 1 de Fevereiro)

Compreensivelmente, há muito menos plantas cujos frutos já estão em crescimento. Dois exemplos bastante que são visíveis:

Pequenas Nêsperas, em Miratejo (fotografia em 11 de Janeiro)

Medronhos a crescer, no Parque da Paz (fotografia em 27 de Janeiro)

Para facilitar pesquisas, aqui vão os nomes científicos destas plantas, as que escolhi para serem destacadas em Janeiro (em itálico: primeiro a designação do género, depois a da espécie):

Alecrim: Rosmarinus officinalis (família Lamiaceae)
Medronheiro: Arbutus unedo (família Ericaceae)
Narcissus, género (família Amaryllidaceae)
Nespereira: Eriobotrya japonica (família Rosaceae)
Soagem: Echium plantagineum (família Boraginaceae)
Sonchus, género (família Asperaceae)
Trevo-azedo: Oxalis pes-capre (família Oxalidaceae)


Fontes: para a primeira fase da identificação, o sítio PlantNet; para os pormenores, livro de Bingre & outros e Wikipédia
Fotografias: Eva Maria Blum

sábado, 18 de janeiro de 2025

[0358] A sociedade e a arte: um documentário sobre quatro décadas do século XIX em França

São quatro episódios, cada um com uma duração entre 46 e 49 minutos. No seu conjunto formam o documentário intitulado L'armée des romantiques (ou, em tradução livre para português, O exército dos românticos), realizado por Amélie Harrault.


Não foi por acaso que no título em francês foi usada a palavra «exército». Depois da revolução francesa (iniciada em 1789), Paris (e não tão intensamente o resto da França) teve três períodos de grandes agitação social: em 1830 (quando a monarquia, reposta em 1814, foi posta em xeque mas não derrubada); em 1848 (quando a monarquia foi derrubada, dando lugar à IIª República, que apenas durou até 1852); e em 1871 (quando a monarquia foi definitivamente derrubada, dando lugar à IIIª República). Durante estes anos, o grupo dos artistas «românticos» (músicos, escritores, poetas, fotógrafos e pintores que se cruzaram em Paris, marcando a história das artes e das ideias) contribuiu, embora nem sempre convergindo na acção e na ideologia, para as mudanças políticas que então aconteceram.

Encontravam-se neste grupo (lista ordenada por ano de nascimento):
Eugène Delacroix (1798 – 1863): pintor;
Honoré de Balzac (1799 – 1850): escritor; autor de «A Comédia Humana»;
Alexandre Dumas (1802 – 1870): romancista e dramaturgo;
Victor Hugo (1802 - 1885): romancista, poeta, dramaturgo, ensaísta, estadista e activista dos direitos humanos; autor de «Les Misérables» e de «Notre-Dame de Paris»;
Hector Berlioz (1803 – 1869): compositor;
George Sand, pseudónimo de Amandine Aurore Lucile Dupin (1804 – 1876): romancista e memorialista;
Frédéric Chopin, de origem polaca (1810 – 1849): compositor;
Gustave Courbet (1819 – 1877): pintor;
Félix Nadar (1820 - 1910): fotógrafo, caricaturista e jornalista;
Charles Baudelaire (1821 – 1867): poeta, ensaísta, tradutor e crítico de arte.

Talvez esta conhecida pintura, de Delacroix, simbolize o mais radical dos envolvimentos dos membros deste grupo:

«A Liberdade Guiando o Povo» (1830; óleo sobre tela, 269 x 326; actualmente no Louvre)

Ah!
Se quiserem ver facilmente estes episódios terão de o fazer até 19 de Julho de 2025, pois a partir daí eles não estarão disponíveis na mediateca da ARTE.
As línguas em que os é possível ouvir são o Alemão, o Espanhol, o Francês, o Inglês, o Italiano e o Polaco, acompanhadas, se o quiserem com legendas, ou na mesma língua, ou numa das outras.


Acesso ao documentário
: https://www.arte.tv/fr/videos/RC-026018/l-armee-des-romantiques/ (esta é a versão em Francês; mas no ecrâ que vos aparece é possível escolher outra língua na barra de cima, à direita)

Fontes: www.arte.tv/; Wikipédia

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

[0357] Um problema de Xadrez inspirado no Natal nórdico

O problema proposto aos visitantes do sítio www.chess,com no dia do último Natal foi o seguinte:


A solução, não sendo trivial, também não é particularmente difícil, sendo até ajudada pelo título dado ao problema, bem adequado ao imaginário da época: «Corrida de Renas».

Reparem, o tabuleiro está disposto para quem joga com as peças brancas, pelo que os seus dois Peões está quase a ser coroados.
E reparem também, como curiosidade, que todas as peças pretas ainda se encontram no tabuleiro, pelo que a sua vantagem parece ser desmesurada – no entanto ...

Tentem então descobrir a solução do problema.
Se não conseguirem resolvê-lo, ou se quiserem verificar a correcção da vossa solução, apreciem a como o programa Stockfish o resolveu este desafio clicando aqui:

 

https://lichess1.org/game/export/gif/white/qL6GFhUw.gif?theme=brown&piece=cburnett .

 

Eis a posição do xeque-mate:



Fontes: https://www.chess.com/daily-chess-puzzle/2024-12-25 (problema e imagem) e https://lichess.org (solução)